Imortalidade digital: Estaremos prestes a conseguir viver para sempre?

  • Ricardo Melo
  • 26 Julho 2024

A busca pela imortalidade digital pode oferecer novas possibilidades e desafios, mas nunca deve fazer-nos esquecer a importância de viver plenamente cada instante.

A ideia de imortalidade tem fascinado a humanidade desde sempre, assim como a nossa busca incessante por transcender as limitações da vida mortal. No entanto, nos dias de hoje, a noção de imortalidade está a ganhar uma nova forma: a imortalidade digital. Com os rápidos avanços da tecnologia e, em particular, na área da inteligência artificial (IA), a possibilidade de criar versões digitais de nós mesmos que perdurem além da nossa existência física está mais próxima do que nunca, já existindo inclusive algumas soluções possíveis. Mas será que estamos realmente prestes a viver para sempre e será que esse é um caminho que estamos preparados para trilhar?

A inteligência artificial (IA) tem-se mostrado capaz de realizar feitos extraordinários, desde a análise de grandes volumes de dados até à inteligência artificial generativa que está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia, auxiliando-nos em várias tarefas e demonstrando um entendimento impressionante da linguagem natural, permitindo conversas cada vez mais naturais, envolventes e realistas. Estas capacidades abrem a porta para a criação de avatares digitais que possam replicar a “personalidade” e o comportamento de uma pessoa, mesmo após a sua morte. Hoje em dia, podemos clonar a voz de uma pessoa, podemos, através de uma imagem, dar “vida” a uma personagem e podemos criar bases de conhecimento e modelação da “personalidade” digital. Com estas tecnologias, estão a dar-se passos para a capacidade de vivermos para sempre.

A ideia de conversar com um avatar digital de uma pessoa falecida pode certamente levantar várias questões éticas e ser, à partida, um caminho complexo de compreender. Poderá inclusive ser uma experiência traumática e que não seja aconselhável para qualquer pessoa que não consiga criar um contexto correto na sua interação com este tipo de “solução”. Por outro lado, poderá eventualmente ter um papel em preservar e manter “viva” a memória de um ente querido através de interações com um avatar digital que conserva as suas características e memórias. Esse tipo de tecnologia pode oferecer conforto e apoio emocional, ajudando as pessoas a lidar com a perda e a preservar a conexão com aqueles que já partiram. A forma como evoluímos enquanto espécie humana passará também pela forma como lidamos com a nossa mortalidade.

A imortalidade digital abre-nos caminho para várias aplicações que podem ser efetivamente úteis e potenciar avanços em áreas como a educação, onde pode revolucionar a forma como aprendemos sobre a história e outros temas. Figuras importantes que moldaram o mundo podem ser recriadas com precisão, baseada em documentos, registos e outros dados históricos, proporcionando uma experiência educativa imersiva e interativa. Onde é cada vez mais difícil criar experiências cativantes, os estudantes poderiam “conversar” com personalidades como Albert Einstein, Marie Curie ou Nelson Mandela, entre outros, e em várias áreas, desde a arte à ciência, obtendo uma compreensão mais profunda das suas vidas, pensamentos e contribuições para a humanidade, criando assim experiências mais significativas e interessantes.

Além da IA, estão em desenvolvimento vários projetos de mapeamento cerebral e são constantes os avanços na área da robótica que abrem caminho para a possibilidade de criar corpos sintéticos com cópias do nosso cérebro. O mapeamento detalhado do cérebro humano, combinado com tecnologias avançadas de IA, pode vir a permitir a transferência da nossa “consciência” para sistemas artificiais, criando uma simbiose entre mente e máquina. Estes corpos sintéticos, equipados com réplicas digitais do nosso cérebro, poderiam imitar não apenas as nossas funções cognitivas, mas também a nossa “personalidade” e memórias. Vamos navegando no imaginário da ficção científica, mas cada dia que passa e a evolução nos permite superar desafios, vamos aproximando a realidade à ficção.

Apesar das promessas fascinantes, a imortalidade digital levanta várias questões éticas e desafios. A privacidade e a segurança dos dados são preocupações primordiais, pois a criação de avatares digitais requer o armazenamento e processamento de informações pessoais e sensíveis. É crucial garantir que essas práticas sejam transparentes e respeitem a privacidade e vontade dos indivíduos.

Além disso, a autenticidade das interações com avatares digitais é uma área de grande debate. Por mais avançados que os modelos de IA se tornem, eles ainda carecem da empatia e da compreensão emocional que caracterizam as interações humanas. A capacidade de replicar completamente a essência de uma pessoa é um desafio complexo que pode nunca ser totalmente alcançado.

A imortalidade digital representa um avanço significativo na intersecção entre tecnologia e humanidade. À medida que continuamos a explorar e a desenvolver essas capacidades, é essencial encontrar um equilíbrio saudável entre inovação e ética, garantindo que a tecnologia seja usada para melhorar a vida das pessoas sem comprometer a nossa humanidade.

A finitude da vida é algo natural, uma característica intrínseca que nos define enquanto humanos. É essa impermanência que nos impulsiona a sonhar, a traçar objetivos e a perseguir desejos, sabendo que o tempo é limitado. A consciência da nossa mortalidade confere valor às nossas experiências, intensifica as nossas relações e dá um propósito à nossa existência. Cada momento torna-se único e precioso precisamente porque não é eterno. A busca pela imortalidade digital pode oferecer novas possibilidades e desafios, mas nunca deve fazer-nos esquecer a importância de viver plenamente cada instante. Afinal, é essa a beleza da vida.

  • Ricardo Melo
  • Head of Innovation & IT Solutions da Fullsix

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