O riso como estratégia
Uma eventual vitória de Kamala será sempre uma vitória de uma comunicação - entre o riso TikTok da candidata democrata e os dislates simplistas de Trump há pouca política.
1 – Kamala Harris (lê-se Kámala) viveu quatro anos na sombra de Joe Biden, e quase sempre vista sem brilho nem futuro. A desistência do atual presidente fez nascer um fenómeno pouco vulgar. Harris, mais do que um programa (aliás, suscita medos diversos), apresenta um otimismo novo, uma esperança, para quem achava estar condenado à dupla Biden-Trump. Com uma super equipa de conselheiros e consultores políticos ligados a Barack Obama, com um discurso fácil e promessas mil, representa um novo populismo civilizado, simpático, porventura aqui e ali inconsequente e infantil. Não sei se servirá para ganhar, mas já serviu para transformar um passeio num tormento. Donald Trump, esse, ficou de cabeça um pouco perdida porque não acreditou na desistência: gastou tantos milhões de dólares em anúncios para dizer que Biden estava velho e incapaz que até o próprio se convenceu.
Mais uma vez, comunicação e a estratégia transformam-se na essencialidade das coisas. Uma eventual vitória de Kamala será sempre uma vitória de uma comunicação – entre o riso TikTok da candidata democrata e os dislates simplistas de Trump há pouca política.
As eleições americanas são as últimas de um ciclo único que há uns meses parecia ameaçar as democracias liberais. Mas, na verdade, a profecia não se cumpriu e na Europa (PE, França, UK) e na Índia os eleitores recusaram soluções populistas e ou autoritárias. Talvez ainda haja esperança na humanidade.
2 – Em manobra de fuga à insuportável canícula do Sul, fui apanhar ar fresco e alguma chuva à República da Irlanda. Com uma área de 70 mil metros quadrados, uma população de 5,3 milhões de humanos, 1,6 milhões de vacas e 4 milhões de ovelhas (censo de 2023), é um dos países europeus onde se vive com maior rendimento. O PIB per capita anda pelos 71,7 mil euros. Em Portugal, sempre modesto, fica-se pelos 20 mil.
Esta desproporção não tem, com toda a certeza, a ver com os habitantes quadrúpedes. Deveremos ter cerca de 1,5 milhões de vacas e 2,2 milhões de ovelhas, e também não nos faltam porcos: 2,17 milhões; na Irlanda há bem menos, cerca de 680 mil. Mas se temos mais porcos, temos piores salários: o mínimo na Irlanda chega aos €2.140 por mês, nós por aqui atingimos este ano o pico histórico de €820. A taxa de IRC irlandesa é mais famosa do que a cidra de produção local: 12,5%; a nossa é quase o dobro (falta ainda acrescentar outras taxas e taxinhas, pelo que a carga fiscal das empresas pode atingir facilmente os 31,5%).
A Irlanda fala inglês (às vezes nem parece, é certo), quase não tem autoestradas, as telecomunicações são razoavelmente miseráveis. As guerras e alguma ignorância pacóvia destruíram muito do património edificado. Ou seja, tem tiques de ex-colónia: o novo é, antes de mais, a negação do passado, o horror à pobreza.
A Irlanda é linda e é fácil fazer amizades com vacas. Recomendo como destino e como exemplo para quem decide. Há milagres, mesmo para quem não acredita.
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