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Dos laboratórios para o marketing, Ana Pinho, da Prio, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Licenciada em química alimentar, Ana Pinho iniciou a sua vida profissional nos laboratórios. Mas o apelo do marketing foi mais forte, acabando por integrar a Prio, onde é hoje diretora de marketing.

Ana Pinho licenciou-se em química alimentar pela Universidade de Aveiro e deu os primeiros passos profissionais em empregos relacionados com a área em que se formou.

Depois de estagiar e trabalhar na Lactogal, a diretora de marketing e comunicação da Prio “saltou” da área alimentar para os laboratórios da Cromitap, regressando depois durante três anos ao mundo da indústria alimentar, na Frulact, para o desenvolvimento de novos produtos alimentares.

Depois disso resolveu parar e “pensar o que queria fazer da vida”, decidindo que o que queria mesmo era fazer um MBA. Mas o trabalho na Frulact era “bastante exigente”, o que tornava “complicado conseguir conciliar as duas coisas”. Optou então por sair e ir trabalhar durante algum tempo com o seu sogro, numa empresa mais pequena dedicada à higiene e segurança no trabalho e alimentar.

Foi um passo ao lado para depois poder dar dois à frente e hoje em dia acho que foi uma boa aposta. Foi o que me permitiu ter tempo para me dedicar a fazer o MBA, que terminei em 2007, ano em que ingressei na Prio”, conta numa conversa com o +M.

Na entrevista para o MBA, na então Escola de Gestão do Porto (atual Porto Business School) e quando questionada sobre o porquê de alguém da indústria química querer fazer um MBA, Ana Pinho explicou que considerava que “na indústria havia muita falta da pessoa que faz a ponte entre o cliente e a parte de desenvolvimento de produto” e que precisava de valências para eventualmente ser a pessoa que fazia essa ponte.

“Na verdade, quando fui fazer o MBA, em que tivemos uma série de cadeiras de marketing com professores muito bons, percebi que era uma área pela qual tinha interesse e queria saber mais, e depois acabou por se proporcionar assim“, explica.

O convite para a Prio foi feito por um colega do MBA, que já era administrador na empresa que estava ainda num estágio embrionário. “Eu dizia-lhe sempre que ia, e que sabia que havia muito para fazer, mas que o meu objetivo de futuro era conseguir montar um departamento de marketing e comunicação dentro da Prio. E foi um bocadinho com esse foco que vim, para tentar por em prática um pouco daquilo que tinha ouvido no MBA e que me parecia super interessante”.

“Estou na Prio há 17 anos e aqui já fiz muita coisa. Quando comecei nós tínhamos dois postos de abastecimento, estava mesmo no início, ainda éramos mesmo pequeninos e estava ainda tudo por fazer, portanto comecei com a área da qualidade, segurança e ambiente, depois passei para a gestão das lojas de conveniência. Depois em 2014, quando a Prio foi comprada pela Oxy Capital, o nosso CEO na altura convidou-me para assumir a área de marketing e estou com o marketing e comunicação desde essa altura, já lá vão mais de nove anos“, diz a responsável.

Enquanto marca que atingiu a maioridade apenas este ano, num setor com marcas centenárias, a estratégia de comunicação da Prio assenta “muito numa lógica de proximidade”, em conjugação com a “irreverência de sermos os novatos num setor já muito estabelecido“, explica Ana Pinho.

Acho que fomos os primeiros no nosso setor a tratar os clientes por tu e tentamos ter uma comunicação muito simples, sem confusões – como dizia a nossa última campanha de notoriedade – porque isso de facto é a nossa forma de estar. É assim que nós vivemos o dia-a-dia e portanto é assim também que nós comunicamos para fora”, acrescenta.

Além disso, a marca recorre também ao humor na sua comunicação. “Não é tão sexy falar de combustíveis como é falar de cerveja ou de festivais ou comida. Há aqui sempre uma componente de que é aquele dinheiro que as pessoas preferiam não gastar. Portanto, tentamos sempre usar o humor para aliviar um bocadinho o tema e para nos aproximarmos ainda mais do nosso consumidor“, diz.

Ana Pinho lidera uma equipa de marketing “tradicional” de cerca de 12 pessoas, sendo que existe também uma equipa dedicada a digital e redes sociais, que não é da sua responsabilidade. “Sob a sua alçada” estão sim o marido e os dois filhos – ambos rapazes, de 13 e 9 anos – com que vive no Porto.

As origens da diretora de marketing, no entanto, ficam um pouco mais abaixo, em Vale de Cambra, no distrito de Aveiro. “Mas a verdade é que já vivo há mais anos fora de Vale de Cambra do que aqueles que vivi lá, portanto acho que já sou mais do Porto. Mas as minhas raízes estão lá, o meu pai ainda vive lá, portanto a base é lá. Ainda vou lá com frequência, embora menos do que gostaria”, refere.

“Para o bem e para o mal”, quando Ana Pinho vivia em Vale de Cambra, “era uma vila pequena”. “O bom é que de facto nos conhecíamos todos, havia sempre alguém disponível para nos ajudar, um sítio pequeno mas onde fiz amigos que tenho até hoje e com os quais gosto muito de estar”.

“Mas depois não tinha as outras coisas – que hoje em dia são fundamentais quando se está a formar uma criança – que são as atividades extra. Lá não havia instituto de inglês, não havia ballet, não havia piano. Fazíamos essas coisas em Santa Maria da Feira, e na altura demorávamos quase uma hora a chegar. Mas os nossos pais multiplicavam-se e iam à vez, partilhava-se as boleias, e por isso fiz ballet e toquei piano durante muitos anos“, acrescenta.

A infância foi também em grande parte passada com o irmão, de quem é muito próxima. “Temos só dois anos de diferença, pelo que os nossos amigos eram quase os mesmos, tirando aquela fase em que ele já estava mais na adolescência e eu ainda menos, e que ele já não gostava tanto que eu andasse atrelada a ele, mas foi uma infância muito boa, muito feliz, muito na rua, que hoje em dia infelizmente não consigo dar aos meus filhos, mas em que nos divertíamos muito e as férias de verão pareciam durar meio ano“, recorda.

Os filhos adoram também ir a Vale de Cambra, sendo que recentemente estiveram lá a passar uma semana com o avô. “Gostam muito do grupo de amigos do avô com quem vão às vezes, ao sábado, passear. É um grupo que nomearam ‘Gangue da Vito’, porque um dos amigos tem uma Mercedes Vito e todos os sábados vão passear, conhecer o país, e comer em bons restaurantes. E os meus filhos adoram ir com eles e estar num ambiente que no Porto não lhes é tão possível, de proximidade e liberdade também“, explica.

Nos seus tempos livres, Ana Pinho aproveita para colocar a leitura em dia, sendo que “A máquina de fazer espanhóis”, de Valter Hugo Mãe, foi uma obra que leu recentemente e da qual gostou muito “até por fazer refletir bastante sobre a velhice, a solidão e isolamento”. Além disso, este ano retomou as aulas de piano, que tinha abandonado na faculdade, e pratica pilates, uma modalidade que conheceu por necessidade física, mas que agora faz por gozo.

Mas gosto muito também de receber os amigos em casa, de cozinhar, ouvir música. Coisas um pouco banais, mas que de facto para mim são muito terapêuticas, como chegar a casa ao final do dia, ligar a música e fazer o jantar, receber os amigos“, explica, adiantando que consegue tocar em todas as vertentes da culinária sem se “sair muito mal”, mas que faz um “ótimo risoto”.

Dispondo de um carro híbrido da empresa – a gasolina e energia elétrica – Ana Pinho é defensora de que é preciso procurar as melhores soluções energéticas dentro daquilo que é o dia-a-dia de cada pessoa.

“Eu acho que a escolha de um automóvel também tem muito de ser feita dentro dessa vertente de simplificar a vida. Se eu faço muitos quilómetros por dia e por semana, se calhar um elétrico não é a melhor solução para a minha vida. Pode ser para o ambiente, mas não é para a minha vida. Mas hoje em dia já temos muitas soluções energéticas, de combustíveis mais sustentáveis, que nos permitem contribuir para a proteção do meio ambiente, ao mesmo tempo que não complicam a nossa vida. Acho que a escolha tem de ser muito pensada tendo em conta o estilo de vida que levamos”, entende.

É na tentativa de encontrar o equilíbrio entre a vertente pessoal e profissional que a diretora de marketing de 47 anos encontra o seu maior desafio. “Acho que é encontrar esse equilíbrio entre as diversas facetas – de mãe, de profissional, de mulher, de amiga, de filha – aquilo que é o maior desafio da minha vida. Porque, na verdade, sentimos sempre que estamos a falhar em alguma frente. O tempo não estica e queremos sempre conseguir dar mais apoio, estar mais presente“, entende Ana Pinho.

Ana Pinho em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

Por norma são campanhas com um propósito, que nos deixam de sorriso na cara ou lágrima no canto do olho. Para além dessas – que temos tido em Portugal vários exemplos muito bem concretizados, como quase todas as da Vodafone por exemplo –, diria que a forma como as marcas conseguem aproveitar um tema da atualidade e torná-lo uma campanha brilhante e impactante para essa marca também me faz parar para pensar.


Temos o exemplo de como a McDonalds aproveitou o efeito “meteorito” e o vídeo de TikTok viral da jovem Mila Refacho para lançar a sua mais recente receita, utilizando-a como protagonista do filme publicitário. É fantástico conseguir aproveitar o hype do tema e aproveitar o momento. Não são muitas as marcas com esta agilidade.

A nível internacional, a campanha que me tem feito procurar saber mais, é a mais recente da Nike para os jogos olímpicos de Paris. Tem tudo! Tem aquela voz fantástica do Willem Dafoe que “faz o anúncio” por si. A mensagem – “Winning isn’t for everyone. Am I a bad person?”. A música em crescendo que completa a narração. Os atletas (e são tantos) aspiracionais – Serena Williams, Vinícius Jr. ou LeBron James – a inclusão e a ideia de que num mundo em que não querer vencer é equivalente a já ter perdido. “Winning isn’t for everyone” fala sobre a coragem, determinação e sacrifício que os atletas apontam como necessários para chegar ao topo do desporto. Mostra-nos o que é preciso para se chegar lá (aos jogos Olímpicos) – sermos obstinados, egoístas, obsessivos. É fantástico para a marca, para o desporto, para os atletas e para o marketing, porque nos consegue deixar agarrados ao spot e ainda ficar com pele de galinha.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Consciente de que o orçamento é limitado e de que nunca conseguiremos fazer tudo aquilo que o negócio e a marca necessitam, o mais difícil é mesmo encontrar o equilíbrio entre as necessidades imediatas da marca e dos negócios e o que necessitamos fazer para construir uma marca sólida, coerente, consistente e que acrescente valor ao cliente. É muito difícil quando com um orçamento e um plano aprovados a conjuntura de mercado muda (seja uma alteração de legislação, seja uma pandemia, seja uma alteração no perfil da concorrência) e somos obrigados a alterar o plano e a fazer escolhas para garantir o cumprimento tanto do orçamento como dos objetivos. É importante manter uma visão global dos objetivos da marca e dos negócios, mas também do mercado e dos consumidores. Foco é palavra-chave.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

A nível pessoal a minha família – o meu pai, o meu marido, os meus filhos, o meu irmão, os meus sogros, a minha sobrinha, os meus amigos. Em termos profissionais, enquanto marketeer, o cliente e a consistência e coerência da marca. Ah, e muitas perguntas. Sempre muitas perguntas.

4 – O briefing ideal deve…

Ser claro, objetivo, conciso, identificar bem que problema queremos resolver e que objetivos queremos alcançar. Temos de conseguir transformar as 1001 necessidades do negócio e da marca – porque também as tem – num objetivo único, porque senão corremos o risco de não conseguir passar nenhuma mensagem porque quisemos dizer tudo e acabamos a não dizer nada. Um bom briefing tem muitas outras características essenciais que vão perdendo peso à medida que trabalhamos com uma agência que nos conhece, que conhece a marca, como ela comunica e para quem fala, a quem damos liberdade criativa, que vemos como companheiro de trabalho. É importante que no briefing se dê todo o contexto de negócio e de mercado, que pode ser essencial para a elaboração da proposta. Por último, mas não menos importante, deve inspirar a agência a fazer ainda melhor.

5 – E a agência ideal é aquela que…

Nos conhece, não tem medo de arriscar, se desafia e nos desafia, que nos vê como parceiros e não como clientes, que quer o melhor para a nossa marca, que é ágil na resposta, que é focada nos objetivos e estratégias da marca (mais do que nos prémios), que trabalha em rede com as outras agências da marca na construção de um projeto colaborativo com resultados no curto, médio e longo prazo. Para mim, e não esquecendo que marcas e agências são feitas de pessoas, é essencial que haja “química” entre os agentes de um e outro lado para que corra bem.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Uma não vive sem a outra! Diria que ambas as formas de estar são essenciais. Contudo, é importante estar consciente sobre o momento para arriscar e o momento para jogar pelo seguro. Para isso é preciso estudar, estar atento ao mercado, observar e questionar. Na posse do máximo de informação possível, certamente tomaremos o caminho certo. Uma análise racional e clara de objetivos pode obrigar a seguir o caminho mais seguro sob pena de pôr em causa a sustentabilidade da marca ou do negócio, por exemplo.

Contudo, noutros momentos é importante arriscar, inovar, guerrilhar, espicaçar, para conseguir gerar uma emoção e levar a uma ação. Conscientes de que nem sempre se acerta, mas que errar faz parte do crescimento da marca – desde que se aprenda mesmo com o erro. Mas, e quando se acerta?! Como diz o poeta Eric Hanson: “What if I fall? Oh but my darling, what if you fly?”. Pode valer muito a pena tentar e arriscar – sem medos, mas sempre com os pés bem assentes no chão.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Esta questão é muito parecida com “O que faria se lhe saísse o Euromilhões?”. É tão utópico que creio todos temos dificuldade em responder. Se tivesse um orçamento mais folgado certamente investiria mais nos territórios da marca e em ações de responsabilidade social com impacto real. Estes são aqueles que num mercado maduro e muito concorrencial acabam por ficar para segundo plano, mas são também aqueles que nos permitem criar a estória da marca. Mais do que o dinheiro para investir – que é essencial –, é importante não nos deixarmos limitar por “achómetros”, demasiadas opiniões, medos e mensagens conflituosas. Esses são talvez os maiores entraves ao bom marketing. De qualquer forma, com um orçamento limitado, folgado ou ilimitado, é sempre essencial fazer um investimento racional, objetivo e com retorno para o negócio e para a marca. Ainda assim, somos bons a fazer bem com pouco.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

Esta não é de fácil resposta. Diria que ainda é pouco reconhecida, apesar dos vários prémios internacionais que a indústria tem ganho nos últimos anos. Para quem está dentro do tema, a publicidade em Portugal faz do melhor que se faz por aí. Para quem não está, é a malta que faz bonecos e tenta ter alguma piada.

9 – Construção de marca é?

Um processo lento, exaustivo, minucioso, diário e nunca concluído. Não se constrói uma marca de um dia para o outro e nunca se pára de construir a marca enquanto ela existir. Uma marca bem construída é única e facilmente reconhecível. É uma marca que tem uma só voz – interna e externa – e que tem valores bem definidos, uma missão e um propósito que guiam a sua atuação e comunicação. De acordo com o estudo Meaningful Brands do Havas Group, “75% das marcas podem desaparecer que o consumidor não se importaria e seriam facilmente substituídas”. Construção de marca é fazer parte dos 25% das marcas que não podem desaparecer.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Muito possivelmente continuaria no mundo da indústria alimentar, seguindo a minha formação de base, pondo ao serviço dessa indústria a criatividade que tento atualmente aplicar ao marketing.

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