As perguntas do Rúben, mas ao contrário
“Perguntam e se corre mal? E eu faço a pergunta: E se corre bem?”. Neste caso já sabem a resposta.
Sou do Sporting Clube de Portugal e falarei sobre isto mais no fim. Tenho a plena consciência que neste exato momento uma quantidade incalculável de eventuais leitores abandona este texto.
Mas, humildemente vergado, peço que me deem uma oportunidade e que avancem, mesmo sabendo que continuarei com mais considerações pessoais. Depois logo se vê, combinado? Prometo que no final vai fazer sentido. Pelo menos algum.
Então cá vai. Não gosto de desligar nas férias. Até ter um pingo de curiosidade, aproveito-as para absorver mais qualquer coisa, somar conhecimento, descobrir o que não sabia ou perspetivar melhor entendimentos passados.
Talvez por isso, só a muito custo repito um destino. Se repisar, procuro coisas novas. Obrigatoriamente as minhas viagens começam muito antes, com a sua preparação. E isso já é grande parte do gozo.
A não ser que alguém conheça uma forma melhor (entregar este prazer a uma agência de viagens não conta), agarro-me ao meu velho Mac e começo as minhas pesquisas. Vejo os destinos, os voos, os alojamentos, os alugueres de automóveis, o custo de vida e por aí fora. E, como infelizmente não sou rico, procuro boas oportunidades, bato à porta dos amigos para procurar insights e vejo as opiniões dos outros. A seguir tomo as minhas decisões.
Tirando a parte dos amigos, depois de ter feito este trabalho de forma digital, pois claro, decidi voltar à Escócia (só conhecia Glasgow e Edimburgo), com o objetivo de rumar às Highlands e fazer a famosa North Coast 500. Agora, está no topo das minhas recomendações. Todo este trabalho correu bem e as reservas avançaram nos respetivos websites.
Há, no entanto, duas decisões que tomei e que, inesperadamente, me vão ajudar neste texto:
- Por questões relacionadas com o valor dos voos, decidi fazer uma escala em Copenhaga de 7 horas. Podia deixar a mala no Aeroporto e depois arrancava levezinho para dar uma volta pelo centro. Pois bem, chego ao espetacular complexo de cacifos, todo digital, e não estava a funcionar. Nem um, para amostra. Sim, isto aconteceu na Dinamarca, um dos países mais evoluídos do mundo, porque o sistema de pagamentos estava com problemas. E não havia uma alma para desbloquear esta situação, dar alternativas, enfim, apontar uma luz ao fundo do túnel ou, se calhar era pedir muito, receber o dinheiro através de um terminal portátil de pagamentos, dando depois manualmente acesso aos cacifos. Só para dizer em inglês, mais coisa menos coisa: “Eh pá, não dá. Desculpa e safa-te.” Depois percebi porquê quando apanhei o comboio. Um cartaz dizia “HELLO! Show consideration. Avoid conversations, blá, blá, blá…”. E logo ali caiu-me a ficha. Isto é malta que não aprecia muito o palratório e querem é despachar. Talvez comuniquem por gestos ou piscar de olhos, não cheguei a perceber. Ali, ou o fenómeno digital funciona a 100% ou temos a vida lixada, para falar em bom português. Resultado: não fui só eu, mas também a minha mala de 23 kg matou saudades de Nyhavn. Afinal, há 15 anos que não metíamos lá os pés. Reparem que também sou poupadinho nas malas.
- No Aeroporto, em Edimburgo, aluguei carro na Arnold Clark, através do Booking. Pesquisem no Google por este nome, fica a dica. Ali, fui atendido pelo Isac ou Isaac, não sei bem como se escreve. Perguntei-lhe quanto custava o upgrade para um automático e pediu-me dois minutos. Depois de desaparecer, volta e responde: “Não custa nada. Temos todo o gosto em que te sintas melhor a passear pelo nosso país.” Nem queria acreditar. Corta para uns dias mais tarde e verifico que aluguei o carro menos um dia do que precisava. Ligo para a Arnold Clark do Aeroporto e não para um call center qualquer metido num armazém no fim do mundo. Contei o problema e disse que tinha sido o Isac ou Isaac a receber-me. Resposta imediata: “Não te preocupes. Ele não está, mas vou tratar já desta questão. Quantos dias precisas a mais? Só te vamos debitar esses dias ao preço que tens já acordado connosco, sem qualquer penalização.” Brilhante, mais uma atitude 5 estrelas. Quando entrego o carro, o meu amigo Isac ou Isaac vem novamente ter comigo, pergunta como foi e disponibiliza-se para ajudar se precisasse de mais alguma coisa. Por acaso precisava de um transfer para o centro da cidade porque iria estar lá mais dois ou três dias e não precisava de carro. E claro, tratou de tudo e minutos depois estava à porta. Como o texto já vai longo, não vos vou massacrar com o calvário que um amigo, que foi comigo, teve que passar porque também se enganou no número de dias do aluguer e, adicionalmente, tinha deixado uma máquina fotográfica no carro. Não recorreu à Arnold Clark mas a uma daquelas marcas grandes muito conhecidas no mundo inteiro, com processos automáticos para tudo e um par de botas e com pessoas que até parecem robots. Se há ali uma coisinha qualquer que foge ao “entra porco e sai chouriço”, tens uma certeza: um problema. Não há um número de telefone da loja onde alugaste o carro, ou mesmo um email, não há um nome de uma pessoa que te possa ouvir, entender e ajudar. Há um número que te dá a seca da tua vida, em que o próprio que te atende não consegue resolver o problema. O corolário é uma soma de frustrações e de ansiedades que nos obrigaram a ir lá pessoalmente.
E é agora, para os que conseguiram chegar até aqui, que recorro ao Rúben Amorim e às palavras que nos disse no dia da sua apresentação, a 5 de março de 2020 em Alvalade, sobre o risco para o Sporting Clube de Portugal, relativamente ao investimento que iria fazer nele, um jovem treinador. Disse: “Perguntam e se corre mal? E eu faço a pergunta: E se corre bem?”. Neste caso já sabem a resposta.
Recorrendo aos dois exemplos que vos narrei, e generalizando para os vários serviços em diversos setores de atividade a que recorremos diariamente e que são muito encadeados e oleados, otimizados, racionados e racionalizados e “demasiado” digitalizados, inverterem agora aquelas perguntas: ”E se corre bem?” Tudo bem, claro. “E se corre mal?” Pois, pois é!
Depois de todo o stress, vem-nos logo à cabeça, com saudade, o nosso querido Serviço ao Cliente, aquele de carne e osso, nome, contactos, cérebro, disponibilidade, olhos, ouvidos e boca. Nem oito nem oitenta, mas nem só de fluxos, dos automáticos, vive o Homem.
Percebo que lá fora alguns não saibam isso. Mas para os mais distraídos que tratam destes assuntos nas marcas que cá estão, digo-lhes que nós, talvez por sermos latinos, somos muito mais pela relação do que pelo processo. Capice? E, já agora, façam as contas. Será que tudo espremidinho gera mais rentabilidade ou, afinal de contas, contribui para o churn?
Obrigado ao Rúben pelas perguntas. E por todo o resto.
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