“Tattletale” se fosse lá. Cá sou mesmo é queixinhas

  • Nuno Antunes
  • 11:09

E nós, as agências? Estamos a dar-nos ao respeito? Falo perante os nossos clientes e parceiros mas, acima de tudo, entre nós. Temos de fazer a nossa parte! Quem alinha nesta loucura?

Há uns tempos passei uma fase chata. As coisas não estavam a correr como queria e, mais rápido do que a própria sombra, qual Lucky Luke qual carapuça, não perdi tempo a arranjar os motivos deste camarço.

Ou era o tempo ou as teclas desgastadas do meu velho MAC. Os astros também não estariam certamente a ajudar. O elenco governativo, a oposição e o próprio Presidente também não se ficaram a rir, tal foi o quentinho que sentiram nas orelhas. A minha Avó Lúcia ouviu das boas porque não estava a acertar no açúcar do seu mítico bolo de iogurte. Mas, os mais atingidos, foram destacadamente os meus colegas, clientes e parceiros.

Tudo servia de bode expiatório e eu “fino como o Alho”. Que é, como quem diz, muito esperto e sagaz, fazendo jus à personalidade do diplomata portuense Afonso Martins Alho, responsável pela astúcia do Tratado de Tavira assinado em 1353 no reinado de D. Afonso IV, entre a Inglaterra e Portugal. Para quem pensava que isto era só um artigo sobre Marketing, também leva aqui com três gramas de História.

Felizmente, que certo dia bato de frente com este pensamento de Benjamim Franklin, um dos “Founding Fathers” dos EUA: “Pessoas que são boas em arranjar desculpas raramente são boas em qualquer outra coisa”. Achando que até tenho dois dedos de testa, deu-me logo aquela vertigem e caiu-me a ficha. Tenho de fazer bem a minha parte e, só a partir daí, posso desancar nos outros com mais legitimidade.

E não é isto que se passa com os atores da nossa cadeia de valor do Marketing? Para não ser fastidioso, deixo aqui alguns apontamentos sobre o que se diz por aí no que respeita à relação entre o anunciante e a agência (para facilitar, vou referir-me às ditas criativas):

  • Os anunciantes queixam-se que as agências não dão resposta. As agências desatinam porque não recebem briefings como deve de ser;
  • Os anunciantes lamuriam-se porque celeridade é coisa que não abunda nas agências, ainda para mais agora que não há desculpas, havendo ferramentas de IA, em que é só debitar duas ou três “prompts” “et voilá”. Já as agências dizem que os anunciantes para avançarem no pedido de uma campanha andam a engonhar internamente para depois a ideia ter de ser parida de um dia para o outro;
  • Os anunciantes choramingam sobre a falta de qualidade do trabalho criativo e as agências gastam um nunca mais acabar de quilowatts a discorrer sobre a redução crescente das avenças.

Recentemente, um prestigiado colega do setor, que admiro, líder de uma grande agência (atenção, não de uma agência grande, apesar de não serem pequenos), escreveu um artigo a pedir respeito pelo nosso trabalho com um raciocínio que apoio a mais de 100%. Até o partilhei com a mesma invocação e tenho escrito sobre o tema aqui e ali. Muito provavelmente voltarei a ele porque, de facto, há muito para dizer nessa matéria e poucos a chegarem-se à frente.

Mas agora o meu ponto é outro. E nós, as agências? Estamos a dar-nos ao respeito? Falo perante os nossos clientes e parceiros mas, acima de tudo, entre nós. À semelhança do referido anteriormente, deixo também aqui só três notas/ questões:

  • Será que toda gente está a apresentar valores de estratégia, criatividade e gestão da conta consentâneos com o tipo de recursos e senioridade que afirmam ter nas suas propostas?
  • Será que toda a gente, talvez decorrente do ponto anterior, não mete margens de produção anormais para compensar o dumping que anda a fazer para agarrar clientes?
  • Será que toda a gente está a dizer não a concursos com mais de quatro agências, por exemplo, em que tem que ser feito um investimento enorme em trabalho criativo com alta probabilidade de, depois, ir para o lixo?

A resposta a estas questões é evidente e também é claro que muito destes comportamentos são estimulados pelos outros tais atores da nossa cadeia de valor. Mas temos de fazer a nossa parte! Estamos a fazer tudo o que podemos para, depois com mais justiça, criticarmos e chamarmos à razão os outros? Pelo menos, falar nisto sem preconceitos ou receio de enfrentar estes desafios.

Mas será que é suficiente? Pessoalmente acho que não. Da nossa parte fazemos o que podemos: os recursos correspondem aos valores; margens de produção é coisa que pouco interessa porque o que tem de nos remunerar são a estratégia e as ideias; concursos, ou melhor, consultas como os anunciantes gostam de dizer, com mais de quatro agências “no way José” (e para serem quatro tem que ser para desafios que mereçam esse investimento).

Isto não pode ser só tirar umas fotos para meter nas redes sociais a dizer que papamos os concursos e todos os outros eventos que o mundo cor de rosa do Marketing oferece; ou partilhar avidamente uma tendência qualquer, antes de todos os outros, para sermos os primeiros a fazer o Copy Paste do link. Afinal que valor é que isso tem?

“Há momentos na vida em que o melhor que temos a fazer é ficar calados e observar à nossa volta. O tempo e as atitudes dos outros irão dar-nos as respostas certas.”, já dizia Einstein. Se, de facto, o tempo e as atitudes dos outros nos dão as respostas certas, acho que há momentos na vida em que o melhor é mesmo não ficar calado.

Não sei se isto é só incontinência verbal ou qualquer outro distúrbio mental. Nem sei mesmo se posso amenizar ou resolver isto em comunidade e partilha: “Olá, o meu nome é Nuno e sou “Tattletale” (como sou de Marketing, digo em inglês, como se faz muito por aí quando se diz “engagement” em vez de envolvimento, para armar ao pingarelho).

Mas, sinceramente, prefiro continuar assim. Quem alinha nesta loucura?

  • Nuno Antunes
  • business partner da Milford e professor ISCTE Executive Education

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