Tupperware, vítima do seu próprio sucesso

  • Marta Gentil Quina
  • 11:13

A degenerescência de marca é o maior sonho de qualquer publicitário e o pior pesadelo para o titular da marca. Em situação de confusão entre um produto e uma marca, a inação acaba por penalizá-la.

Há umas semanas fez notícia, pelos meios de comunicação social, nacionais e estrangeiros, que a empresa Tupperware declarou falência. Alegadamente, um nome que marcou décadas de um modo de vida, que ajudou a revolucionar e a tornar o quotidiano mais confortável, enfrentará sérias dificuldades.

Não entrando nos pormenores financeiro-jurídicos dessa decisão, e nos eventuais motivos concorrenciais, de mercado, de novos conceitos, há, certamente, na base desta situação, uma razão que terá passado despercebida a muitos. E é precisamente para essa razão que gostaria de chamar a atenção, aproveitando esta notícia, que teve alguma repercussão na comunicação social, para deixar um alerta: é que a marca “Tupperware”, que marcou gerações em todo o Mundo, já não teria, na verdade, valor legal há muito tempo, mesmo que tal nunca tenha sido objeto de decisão oficial.

A marca “Tupperware” foi, claramente, vítima do seu sucesso. O que aconteceu à marca, na minha opinião, parece pacífico –- a marca transformou-se na designação, na palavra, na expressão, que identifica o produto. Ou seja, a expressão “Tupperware” era usada não para identificar um produto de uma marca, mas o produto em si. E isso faz toda a diferença!

Esta situação tem um nome jurídico que é a “degenerescência de marca registada”. E, diz a Lei, não só em Portugal, como em inúmeros países, que quando “a marca se tiver transformado na designação usual no comércio do produto ou serviço para que foi registada, como consequência da atividade, ou inatividade, do titular”, deve ser caducado o registo e a marca deixar de existir.

Na verdade, ao longo de décadas, se os consumidores se forem habituando a identificar o produto com o nome da marca, quando na prática esse nome é uma marca que identifica o produto de uma entidade, e não o produto em si, e se essa realidade for acompanhada de uma inação por parte da empresa detentora dessa marca, para “lutar” contra essa realidade, a marca vai acabar por se perder, com evidente prejuízo para o seu titular.

Assim, diríamos que a degenerescência de marca é o maior sonho de qualquer publicitário (ver uma marca, fruto de uma atuação constante e ativa, transformar-se na designação do próprio produto) e o pior pesadelo para o titular da marca (que, no fim, perde a sua marca, o seu registo, o qual, não fosse esta degenerescência, se teria transformado num relevante ativo económico, porventura até o maior).

E a verdade é que o titular pode lutar contra essa situação. Pode promover campanhas publicitárias valorizando a marca e mostrando diferenças para os concorrentes, pode, no uso que faz da marca, fazer referência a que a marca é uma marca registada, propriedade de uma entidade, entre outras iniciativas. Perante uma situação de clara confusão entre um produto e uma marca, a inação do titular acaba por penalizá-lo.

Esta situação, que muitos desconhecerão, chama mais uma vez a atenção para a importância de as empresas detentoras de marcas terem uma política ativa de proteção e salvaguarda das suas marcas.

Em muitos casos vemos as empresas portuguesas e os empresários portugueses interessados em pedir marcas e obter registos de marcas, de forma a usá-las nos seus produtos/serviços. Salvaguardar e obter registo de marcas deve assumir um papel determinante na estratégia de desenvolvimento e crescimento das empresas. As marcas ganham cada vez maior relevância na capacidade de diferenciação e inovação das empresas num mercado cada vez mais competitivo. Prevenir e garantir a proteção são aspetos fundamentais que importa acautelar. Falta, agora, uma cultura de salvaguarda e acompanhamento dessas marcas, de forma a evitar que a mesma seja imitada ou copiada e para salvaguardar que a forma como a marca é usada esteja de acordo com a lei e os seus requisitos. O que mais uma vez chama a atenção para um acompanhamento profissional e especializado destas matérias –- o que ainda é a honrosa exceção.

  • Marta Gentil Quina
  • Advogada da JEDC

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Tupperware, vítima do seu próprio sucesso

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião