God bless America
Chegou tarde e foi longo. Exausto, pesado, repetitivo, mas sempre Trump. O seu estilo é inconfundível: tem a garra de um leão (velho), a esperteza de rafeiro e visão de lince. Chegará para ganhar?
O que levará uma alma a dormir ao frio para garantir lugar nas primeiras filas de um comício marcado para as duas da tarde?
– Donald Trump.
Eis a resposta, que até parece simples. Trump é oráculo, luz e promessa. Tem 78 anos, e já parece tê-los. Chega muito atrasado ao palco montado na Santander Arena, em Reading, Pensilvânia, a arrastar os pés a a voz. A sala tem capacidade para cerca de 8 mil lugares, mas não está cheia, longe disso.
O calendário marca 4 de novembro, as sondagens dão empates e o dia seguinte é de eleições. Este “rally” era um antepenúltimo capítulo de uma espécie de show montado para as televisões (de escolas, locais, regionais, nacionais e globais), mas também para animar as máquinas locais de campanha: verdadeiras estruturas profissionais, com voluntários e contratados, como pudemos comprovar na visita a um centro latino de apoio a Kamala. O responsável que nos aturou ofereceu-nos cartazes e outras bugigangas escritas em castelhano dos USA, e, estranhamente, pareceu muito feliz quando soube que somos portugueses –- “estranhamente” porque a sogra é portuguesa e vive em Newark.
A campanha de Trump (pelo menos a parte logística) parece ser mais bem organizada e competente do que a de Kamala: website estruturado, informação fiável, e muito menos insuportavelmente maçadores a pedir dinheiro. Cansa receber dezenas de mensagens de texto ou e-mails assinados por Obama, Kamala e Walz a pedinchar 47 USD.
Na véspera a polícia de Reading avisou que não se poderia estacionar em partes da cidade, ao pé da Arena e do Centro de Artes e dos edifícios do Santander. Há sem-abrigo e outras pessoas, digamos, complexas nas ruas. Ao fim da tarde começam a chegar baias metálicas de segurança e uns tantos fanáticos.
São muito simpáticos, como uma larga maioria dos americanos, mas muito exagerados. Preveem uma enchente, que não se confirmou; um deles, de dentes partidos e uma estrela tatuada na cara, chegou a defender a necessidade de se dormir pouco (e se possível na rua) para arranjar lugar, e fê-lo com a veemência de quem defende a Segunda Emenda. Uma mulher de poucas palavras parecia estar a viver num planeta distante, quem sabe mergulhada nas angústias e virtudes mais profundas do trumpismo — talvez por isso a dificuldade de expressão oral.
Influenciados pelos mais recentes amigos e apoiantes de Donald J., tomámos o pequeno-almoço no hotel muito cedo (fica exatamente em frente à sala de espetáculos), rodeados por trumpistas exóticos, jornalistas, uma mesa cheia de agentes dos serviços secretos e um business traveler atormentado por uma folha de excel. Quem nunca?
Da janela via-se a pequena multidão a chegar: um grupo de asiáticos por Trump, umas dezenas de pessoas com ar de quem esteve no ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, muitos seguranças, polícias de várias proveniências e um anónimo com um cão perigoso, mas com ar querido, que já tínhamos conhecido na noite anterior
Fomos à procura do restaurante porto-riquenho onde Kamala Harris deverá ter reunido com Josh Saphiro e Alexandria Ocasio-Cortez ao fim da tarde de ontem, mas o estabelecimento com ar sujo e abandonado só abria às dez. Em alternativa, conferenciámos animadamente com o latino de sogra portuguesa, aqui já devidamente celebrado.
Donald levou a Reading uma parte importante do partido, como Rubio e Pompeo, ou a muito elogiada governadora Sanders, do Arkansas. E a família quase toda, exceto a mulher e o filho gigante, Barron, agora a estudar em Nova Iorque.
Chegou tarde e foi longo. Exausto, pesado, repetitivo, mas sempre Trump. O seu estilo é inconfundível: tem a garra de um leão (velho), a esperteza de rafeiro e visão de lince. Chegará para ganhar?
– Ninguém sabe.
Seguimos para Washington de comboio, tendo falhado o encontro com Kamala em Reading, ou mesmo em Filadélfia.
É difícil ou impossível antecipar quem ganha hoje. Os evangelizados acreditam, porque a crença é a base de tudo, enquanto os não crentes duvidam, na ânsia de uma iluminação.
O comboio chegou tarde depois de uma viagem atribulada muito marcada pelo atropelamento de um veado.
Há um taxista em Washington que garante a vitória dos democratas. Ele ouve muitas conversas no carro e sabe tudo. “Isto é terra de políticos, eu oiço-os dizer muitas coisas e até os republicanos dizem que ela ganha. Eles não gostam dele, mas tem que ser. No dia em que perder viram-lhe as costas”, diz com a sabedoria que todos reconhecemos a esta classe de especialistas em tudo.
No encerramento das campanhas os dois candidatos concordaram que estas são das eleições mais importantes de sempre. Só saberemos se assim é se Trump vencer. Deus abençoe a América. Está precisada, sim.
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