The Winner Takes It All
Aprendemos muito nessa que foi uma espécie MBA em direto de marketing político. Vivemos, pois, numa piada pós-apocalítica. Apertem bem os cintos, segurem-se nas cadeiras.
Para quem é, como eu, viciado em narrativas longas, cheias de reviravoltas e personagens plenos de contradições, as eleições nos EUA de agora são um prato largo, fundo e cheio.
Que os eleitores norte-americanos estão divididos, todos sabemos. Como num acirrado jogo de ténis, a bola acaba de tocar na rede e irá cair para um dos lados em implacável match-point. Na lógica dos colégios eleitorais: “o vencedor leva tudo” (quem diria, os ABBA foram quem melhor souberam explicar o funcionamento das eleições na terra do Tio Sam).
Os marketeers eleitorais americanos usam muito a palavra “momentum” para definir o sentimento que leva os eleitores às urnas e escolher o depositário do seu voto. Numas eleições tão apertadas como estas, o “momentum” foi tudo. A agulha andou de um lado para o outro e eis que, a não ser que algo de sobrenatural aconteça, teremos um segundo mandato de Trump.
Havia escrito um texto há três dias em que apontava a possível vitória de Kamala. Confesso que mesmo na altura o que moveu a minha escrita foi muito mais um desejo do que uma análise fria da realidade. Somos técnicos, mas também somos pessoas, temos o direito a sonhar com finais felizes. Mas o sonho acabou (ou, ao menos, o despertador já está a tocar).
A minha bola de cristal havia dito Kamala iria ganhar. Para isso, concorriam três fatores:
- O voto feminino: Por mais estranhas que fossem as decisões eleitorais, haveria um limite para tudo. O voto da maioria das mulheres não iria para um misógino, abusador e machista como Trump. A sanha dos ultra-direitistas em impedir o aborto legal explodiria na cara deles. Muitas mulheres republicanas poderiam votar escondidas em Kamala, contra a opinião dos pais e maridos. Algumas das campanhas publicitárias mais originais dos Democratas seriam lançadas nos últimos dias, precisamente para lembrar as mulheres de que o voto é secreto e que poderiam enganar os seus pares à vontade.
- O voto republicano patriótico: Trump já não seria novidade para ninguém. Tratar-se-ia de um vigarista com tendências fascistas declaradas que teria dividido a sociedade americana. Muitos republicanos apenas quereriam que ele desaparecesse do horizonte para que pudessem voltar à vida normal em família. Se apenas 5% dos republicanos votassem em Kamala, isso poderia ser suficiente para decidir os resultados em colégios eleitorais importantes.
- A bem financiada máquina de marketing eleitoral dos Democratas: Nunca uma campanha teria tido tanto dinheiro disponível para alimentar uma candidatura tão profissional e pragmática. Os Democratas estariam a pilotar um carro de Fórmula 1, e Kamala seria uma mistura de Senna com Schumacher. Ao contrário de Hillary Clinton, que teria mergulhado na soberba de uma enganosa vitória antecipada, Kamala e Tim Walz tiveram a resistência e a humildade para bater de porta em porta, quase literalmente, nas casas do eleitorado dos estados-pêndulo.
Como sabemos agora, os três fatores acima não foram suficientes para mudar a direção dos votos de cerca de alguns poucos milhares de pessoas em três estados, as que realmente poderiam mudar as eleições num sistema de colegiado como o dos EUA.
Temos pena. Mas aprendemos muito nessa que foi uma espécie MBA em direto de marketing político. Terminava o texto, agora corrigido, com uma piada, a dizer que se eu tivesse errado também não seria o fim do mundo. Ou melhor, seria.
Vivemos, pois, numa piada pós-apocalítica. Apertem bem os cintos, segurem-se nas cadeiras. Os próximos tempos vão ser complexos. Esse segundo Trump não vai se parecer com o primeiro. A história repete-se às vezes como comédia, mas também como tragédia.
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