Pessoas +M

“Reduto da verdade e da credibilidade continuam a ser os media”

Carla Borges Ferreira, Diogo Simões,

Bernardo Rodo, managing director da OMD, antecipa as tendências, desafios e oportunidades para 2025, ano no qual o grande tema será a inteligência artificial.

Bernardo Rodo não hesita. O grande tema de 2025 vai ser a inteligência artificial (IA) e a sua aplicação na comunicação e na oferta das agências. “O que acontece agora com a IA é que nós estamos a caminhar para a criação de sistemas de substituição. O ser humano, eventualmente, deixará de fazer parte das decisões”, aponta o managing director da OMD, a maior agência do Omnicom Media Group. A este grande desafio, juntam-se mais dois, as alterações de comportamento no consumo – inclusive de informação – e a forma de relacionamento entre as pessoas e retenção de talento.

Temos de desenvolver as nossas próprias ferramentas e ter capacidade para antecipar uma série de desenvolvimentos tecnológicos, para manter a nossa relevância. No fundo, o que a tecnologia vem fazer é baralhar os papéis”, diz o responsável da Agência de Meios do Ano nos Prémios APPM, referindo que “enquanto antes os papéis estavam todos muito bem definidos, cada um sabia o que fazia, a agência criativa, a agência de meios, o marketing, os meios”, hoje em dia “as ferramentas são muito do it yourself e quase criam uma sensação de que qualquer pessoa consegue fazer tudo”.

Temos ferramentas proprietárias para, no fundo, garantir que uma parte importante do investimento está a ir para a media, para a visibilidade das marcas e não para a tecnologia, e para que haja uma prescrição daquilo que são as soluções”. O grande papel da agência de meios é então uma visão integrada e holística sobre o investimento em marca, em tecnologia, e a capacidade de antecipar os movimentos do consumidor. “Se não soubermos onde está o consumidor depois de amanhã, estamos a perder oportunidades”, diz o responsável.

Bernardo Rodo ainda defende a separação entre agências de meios e criativa. “Há uma especialização tão grande nestas duas áreas, que eu ainda vejo valor em ter entidades, pessoas e talentos diferentes focados nestas duas áreas. Sobre os marketeers, recorda uma ideia antiga, mas que ainda se mantém atual: são muito bons a resolver os problemas que eles próprios criam. “Acho que é verdade, mas por uma boa razão, porque o marketeer está sempre a desafiar a organização. Para conseguir fazer isto é preciso muita resiliência, uma capacidade constante de querer inovar”, resume.

Nas agências, o desafio não é menor. “A inovação, a transformação, não é algo que nós vendemos aos nossos clientes. Se nós não formos isso, deixamos de existir. Parece fácil de dizer, mas no dia a dia requer muita sensibilidade, para a operação e para o que está a acontecer no mercado”, resume.

Para 2025, o responsável da segunda maior agência do país, no acumulado dos primeiros nove meses do ano, antecipa um abrandamento do investimento publicitário, que deve crescer cerca de 3%.

Os novos projetos de media que têm vindo a surgir e a necessidade de inovação e de conquistar novos públicos, a previsão para os diferentes meios do próximo ano, o impacto das plataformas de streaming, a evolução nas métricas de análise, as redes sociais, os desafios do retail media, o papel das agências de meios e os impactos da inteligência artificial são outros dos temas abordados na entrevista, publicada na íntegra em vídeo.

Estamos ainda no rescaldo das duas eleições nos EUA. A vitória de Trump vai de alguma forma impactar o investimento publicitário e a comunicação das empresas?

Impactar o investimento publicitário não sei, vai impactar o mundo. Não sabemos exatamente o que vai acontecer nos próximos tempos. Para já a economia parece reagir muito bem à eleição de Trump, todas as bolsas e todos os indicadores económicos são favoráveis, mas também estavam a ser favoráveis com Biden.

O Economist dizia que a taxa de desemprego era a mais baixa dos últimos anos, a inflação controlada, os Estados Unidos a crescer quatro vezes mais rápido do que a Europa. E mesmo assim as pessoas diziam que a economia não estava bem. É a perceção e a publicidade vive muito do consumo privado e do apelo ao consumo privado, pelo que não sabemos exatamente o que vai acontecer, até porque muitas marcas, companhias europeias, se calhar podem-se defender preventivamente, ainda que sem necessidade, da tal história de imposição de tarifas.

O impacto é sobre o consumidor americano, mas enfim, com tantas ameaças tão difusas, não se sabe muito bem o que pode acontecer. Sabemos que há muitos efeitos complexos que podem acontecer no mundo, mesmo o efeito que vai ter na guerra da Ucrânia que, essa sim, pode ter um efeito mais direto na Europa. Para já acho que é muito cedo para antecipar, porque é um impacto muito indireto ainda, lá chegaremos.

Essa métrica é muito antiga, é a métrica de quem fala mais alto, é a do ruído. E por isso é que não adianta estar na Black Friday com muito pouca visibilidade, para estar é para estar com força, para falar mais alto do que as outras [marcas].

Vamos então ao que já é mais palpável. O mercado publicitário a preços reais está a crescer 6,4% até setembro, via agência de meios.

A nossa estimativa é um pouco abaixo, 5,7%, mas porque tem a ver com os [clientes] diretos. 6,4% está certo, depois nós ponderamos com os diretos. Prevemos um crescimento de 5,7%, aconteceram situações estranhas. Este ano tivemos um regresso às aulas com muito menos atividade de retalho, que foi surpreendente.

Porquê? Qual a justificação?

Não sabemos. Talvez para guardarem munições agora para o Black Friday e para o Natal, talvez porque não precisassem. Estamos neste momento com plataformas de e-commerce mais sofisticadas e poderá ter havido alguma transferência de investimento para testar esses novos modelos. Mas foi algo surpreendente. À partida, já começou a haver agora uma recuperação gradual em outubro, pode ter sido só mesmo o fenómeno isolado do regresso às aulas.

Como antecipa a Black Friday e o Natal?

Para já, com um ligeiro abrandamento em relação ao ano anterior, mas nada do que se passou com o regresso às aulas. Prevemos que haja uma atividade mais ou menos regular, aliás, como já se está a ver. Já há campanhas do Black Friday, ainda não com aquela intensidade absurda mais próxima do momento, mas não temos indicação em contrário.

São sempre alturas muito competitivas. A Black Friday abrange muitos setores, é muito transversal, e muitas marcas aproveitam a oportunidade e estendem o prazo, que já ultrapassou em muito aquele período específico.

E faz sentido esses momentos em que há muita comunicação? Torna-se realmente eficaz? Como é que as marcas conseguem sobressair?

Essa métrica é muito antiga, é a métrica de quem fala mais alto, é a do ruído. E por isso é que não adianta estar na Black Friday com muito pouca visibilidade, para estar é para estar com força, para falar mais alto que a outras.

Quem fala mais alto é quem investe mais em media.

Sim, precisamente. Não adianta ter uma campanha com muito pouca presença, por exemplo em televisão, porque estou a falar no meio de muito barulho, muito ruído, como se diz. Portanto, se é para falar é para falar alto, para todos ouvirem e terem atenção à nossa marca.

O último mês foi marcado no setor dos media pelo anúncio do fim da publicidade, a três anos, na RTP. Como vê esta medida?

A medida está tomada, é uma medida do Governo, tem que ser concretizada. O que podemos antecipar é que vai haver menos oferta e menos oferta, em qualquer mercado, é sempre um fator negativo para dinamizar esse mercado. Sabemos que as televisões têm um problema de espaço, de falta de espaço, há picos em que com os três canais free to air mais o cabo, sobretudo a CMTV – vamos equipará-lo, é um canal cabo que tem um share de audiência muito elevado e com uma penetração de cabo de 97%….

Já funciona aos vossos olhos quase como um FTA.

Exato, é mesmo. Mas nesses picos, às vezes sentimos falta de espaço, ou seja, os canais não geram audiências suficientes para ir buscar esse investimento. Portanto, menos um canal com publicidade, menos oferta de publicidade, acho que vamos ter aí um desafio grande.

A RTP não tinha a publicidade toda vendida –claro que há sempre picos. Nem sequer vai haver um efeito imediato [de transferência] no início do ano, se a medida for concretizada.

A publicidade em televisão não tem preços muito acessíveis? Ou seja, se os preços fossem um bocadinho mais elevados.

Deixar de haver publicidade na RTP pode ter como consequência o aumento de preço. Mas quando há falta de espaço, há sempre falta de espaço. Poderiam até empurrar anunciantes para fora, por não terem capacidade de pagar aquele preço, mas não creio que seja essa a situação, porque nós sentimos que nos picos de procura há de facto uma dificuldade de entregar. Não acredito que um aumento de preço, mesmo significativo, pudesse resolver totalmente essa situação.

Em termos teóricos, era importante perceber o que vai acontecer. Claro que não sabemos, mas não é certo que haja um desvio direto da publicidade na RTP para as outras televisões. Pode inclusive haver, nesses momentos, desvio para plataformas digitais. As próprias televisões já falaram sobre isto, é uma ameaça real.

Qual é a sua perceção, agora que já passou um mês sobre o anúncio?

É uma medida que agrada às televisões privadas porque, lá está, têm a perspetiva de captar mais investimento publicitário. A publicidade na RTP representa cerca de 10% da faturação, não sabemos exatamente como é que eles se vão reorganizar, não tendo essa verba, que acaba por ser traduzida em investimento nos conteúdos, nos programas, etc., e se é suficiente para desviar audiências.

Ou seja, as pessoas, não tendo um conteúdo ‘de igual qualidade’ – o que não é expectável, porque é uma percentagem pequena no investimento – tendencialmente poderiam deslocar-se para outros canais, onde a qualidade fosse maior. Não creio que isso vá acontecer.

Podia haver uma diminuição da audiência da RTP, é assim?

No limite, se a RTP não tivesse financiamento que permitisse ter conteúdos de qualidade, disputar programas, jogos, futebol, etc, podia haver um desvio de pessoas e aumentar as audiências nos outros.

As privadas tornarem-se mais atraentes por essa via.

Certo, o número de audiências aumentava. Audiências, no fundo, é o produto que as televisões comercializam. Mas nada antecipa que venha a ser assim. Acho que é muito cedo para dizer, não vejo ainda como é que esta redistribuição de investimento vai acontecer, até porque a RTP não tinha a publicidade toda vendida – claro que há sempre picos. Nem sequer vai haver um efeito imediato no início do ano, se a medida for concretizada.

Acredito que possa haver transferência sim, obviamente para as outras televisões, mas também, e não sei se isso é necessariamente bom, para outras plataformas.

Nós esquecemos muitas vezes que os media também são marcas. São empresas, que têm de desenvolver produto.

Entretanto, este ano assistimos ao nascimento de um novo canal de informação, o Now, de uma nova rádio, a CMR, de um novo canal da SIC e ao reposicionamento de um canal da TVI. Como olha para estes projetos? Os media tradicionais estão a ‘mexer’.

É verdade. Nós esquecemos muitas vezes que os media também são marcas. São empresas que têm de desenvolver produto. Alguém dizia no outro dia ‘então, mas acaba-se com a publicidade na RTP e estão a ser lançados novos canais?’. A questão é que estas empresas têm que desenvolver produtos para atrair audiências e para competirem pelo investimento publicitário. Não quer dizer que ele chegue para cobrir todos estes projetos, mas as empresas, estas marcas que são meios, não podem deixar de inovar e desenvolver novos produtos para captar estas novas audiências.

A CM Rádio apresenta-se como uma rádio de notícias. Supostamente competem num segmento muito específico, com as rádios de informação, mas com uma oferta diferente, é a rádio das notícias, muito semelhante ao próprio canal de televisão. Vamos ter que perceber como é que a audiência se ajusta, como é que as pessoas que ouvem rádio se ajustam a esta nova proposta. Vai naturalmente haver desvios. As pessoas não vão passar a ouvir três ou quatro rádios ao mesmo tempo, alguém vai ter que deixar de ouvir umas para ouvir esta nova.

A mesma coisa acontece com os canais de informação. Se há espaço para todos? Eu acho que no mercado concorrencial há sempre espaço para lançar produtos. Depois, se são bem-sucedidos, depende de estratégia, do conteúdo, das oportunidades, da fidelização da audiência, da capacidade de captar essas audiências e mantê-las, mais do que a curiosidade, a consumir aqueles produtos. Teremos que ver.

As marcas de informação, que como referiu são marcas, tem inovado o suficiente? Têm acompanhado a velocidade do mundo?

Acredito que existem dois ritmos de inovação. Primeiro, vivemos num mundo muito acelerado, a tecnologia vem encurtar os ciclos de inovação e, portanto, há inovação a vários níveis diferentes. No caso dos media, o desafio é muito grande. Porquê? Nós temos televisões que têm um consumo, enfim, que nós conhecemos muito bem, o consumo tradicional, que não é só pessoas mais velhas.

No outro dia fui fazer uma apresentação numa universidade, eram cerca de 30 alunos, de 22 anos, pedi mão no ar a quem vê televisão todos os dias e mais de metade levantaram a mão. É impressionante. Eu sei que veem, vejo as audiências, mas muita gente não tem acesso aos nossos relatórios das audiências de televisão. Não me surpreendeu, mas achei curioso.

Se eu tiver um canal com determinado perfil da audiência e servir programas para essa audiência, essa audiência tipicamente está mais envelhecida, eu estou a alimentar a minha audiência, é verdade, estou a gerar ratings na minha audiência, mas não estou a construir uma audiência futura.

Qual é o ponto? Eu não trabalho numa televisão, mas trabalho em media e sei que é muito difícil ter recursos para agradar e para explorar todas estas estratégias. Se eu tiver um canal com determinado perfil da audiência e servir programas para essa audiência, essa audiência tipicamente está mais envelhecida, eu estou a alimentar a minha audiência, é verdade, estou a gerar ratings na minha audiência, mas não estou a construir uma audiência futura.

Alguns países, como por exemplo, o Brasil e a Turquia, beneficiando de uma pirâmide etária muito favorável, perceberam que tinham que fazer aquilo que as ‘marcas normais’ fazem, que é recrutar consumidores para o futuro. E começaram a desenvolver programas infantojuvenis para televisão, que na altura parecia um pouco absurdo, porque com o YouTube e as próprias plataformas de streaming há tanto conteúdo.

Mas chegaram a uma conclusão, que é muito interessante. Sobretudo as crianças gostam de conteúdos longos e gostam de conteúdos com uma sequência, uma cadência, uma história que se prolongue no tempo. E, portanto, ficaram rapidamente fidelizadas a este tipo de programas. Conseguiram fidelizar ao consumo de televisão, fidelizar ao canal – aquela marca, que o media, está a entrar nas suas rotinas – e fidelizam-se no limite até os atores, que vão crescer com elas.

Esta estratégia é difícil de concretizar. É preciso ter uma pirâmide etária favorável, mas é uma estratégia que se está a revelar ganhadora em alguns mercados. Acho que nós, muitas vezes, podemos na inovação – e acho que sim, os media portugueses inovam –, mas acho também que podemos olhar para oportunidades que convivam com aquilo que é servir a nossa audiência agora. Porque se as marcas só servirem os seus consumidores atuais, e recrutarem para o futuro, não vão ter consumidores no futuro. Parece óbvio.

Vê alguma oportunidade mais óbvia?

A grande oportunidade é esta. A Geração Z já tem hábitos muito enraizados de consumo fragmentado.

Já não se vai a tempo?

Vamos sempre a tempo de ter produtos para todas as idades, mas é muito caro. Mais uma vez, estou a falar no conforto de não ter que tomar essas decisões, porque para investir numas coisas não podemos investir nas outras, mas acho que vamos sempre a tempo.

Vemos alguns programas direcionados para essas gerações, mas sobretudo nas gerações mais novas, parece-me bastante razoável que haja uma aposta em fidelizar ao consumo de televisão, porque o consumo de televisão é bem visto, há uma descontração no próprio hábito de ver televisão. Acho que é uma oportunidade que não devia ser desperdiçada.

Um canal infantil na RTP fazia sentido? Era um projeto antigo, que não avançou.

Há alguns canais 100% dedicados para crianças. Não digo tanto uma aposta all in, num canal exclusivo para um segmento. Acho que aí o risco é muito grande, mas começar a testar alguns formatos acho que era fundamental.

Entretanto, nos últimos meses têm-se falado muito em retail media. A Sonae, via MC, foi a primeira insígnia a apresentar com ‘estrondo’ a aposta no meio. Como antecipa a penetração deste suporte?

O retail media é um fenómeno global, temos muitas plataformas de retail media a crescer e a provarem a sua importância no fazer chegar a marca ao consumidor e com que ele tome uma decisão de comprar essa marca. Ele já está no canal, já está muito perto de tomar essa decisão. É muito difícil falar de retail media sem cruzar com as possibilidades que a data e a tecnologia permitem hoje.

O retail surge com a promessa de, no fundo, apresentar três opções. A primeira é se quero falar com pessoas que já compraram a minha marca e por algum motivo deixaram de comprar ou não compraram nos últimos meses; eu quero falar com pessoas que compram marcas da minha concorrência; eu quero falar com pessoas que compram as minhas marcas e da minha concorrência na categoria de produto, por exemplo.

Obviamente que [o retail media] é uma oportunidade, sobretudo para as marcas que são vendidas nos próprios canais de retalho, porque estão muito perto da decisão de compra.

Só estes três segmentos super simples – as marcas estão a competir consigo próprias para fidelizar e aumentar a frequência de compra, com os seus concorrentes diretos e, dentro da categoria, com pessoas que têm interesse na categoria, mas de alguma maneira deixaram de comprar – é muito apelativo.

No fundo, não estou a dizer à marca “vamos recrutar um universo muito abrangente de potenciais consumidores que podem ou não querer comprar a tua marca”, estou a dizer “estes já mostraram interesse, inclusive na tua marca“.

Como é que depois isto se converte numa estratégia em que eu consigo, ao mesmo tempo, entregar aquele consumidor já com o cartão de crédito na mão, mas também explicar às pessoas o que é a minha marca, o que que faz, que benefícios tem, porque é que um consumidor deveria entrar e explorar aquela categoria de produto, este equilíbrio é fundamental. Agora, obviamente que é uma oportunidade, sobretudo para as marcas que são vendidas nos próprios canais de retalho, porque estão muito perto da decisão de compra.

É como quando as plataformas de search começaram a surgir. A pergunta era “mas eu não vou anunciar quando a pessoa pesquisa um determinado produto que eu vendo? Eu tenho que lá estar”. E depois as marcas não tinham dinheiro suficiente para falar com todas as pessoas que pesquisavam determinado produto e tiveram que tomar decisões, alinhar estratégias, perceber que tinham que escolher alguns, escolher algumas keywords que fossem mais propícias à aquisição final, à conversão. Aqui acho que vai acontecer o mesmo, mas para já é uma oportunidade muito clara.

Depois temos o problema inverso. Ou seja, e se eu não recrutar? E se eu deixar de fazer parte de uma cultura de mercado? E se eu deixar de fazer parte do dia a dia das pessoas? Será que as pessoas se vão interessar pela minha marca? Será que a minha marca tem valor? Será que as pessoas simplesmente não vão comprar o azeite ou o esparguete mais barato.

E em detrimento de quê? Ou seja, também vão ter que escolher. Para estar neste novo canal, vão deixar de estar, ou estar com menos intensidade, em outros.

Exato. Para já o retail media surge a competir diretamente com modelos de performance, mas vai ser muito mais abrangente. Noutros mercados mais evoluídos, nos EUA por exemplo, já representa mais de 20% do investimento. Ou seja, por que é de facto muito óbvio eu comunicar com quem já está pronto para comprar a minha marca.

Depois temos o problema inverso. Ou seja, e se eu não recrutar? E se eu deixar de fazer parte de uma cultura de mercado? E se eu deixar de fazer parte do dia a dia das pessoas? Será que as pessoas se vão interessar pela minha marca? Será que a minha marca tem valor? Será que as pessoas simplesmente não vão comprar o azeite ou o esparguete mais barato.

Se deixar de construir marca.

É a pergunta eterna. Às vezes acusam-nos, porque se nós somos profissionais de comunicação, de querer apelar a este lado quase romântico da marca, de ter um papel na sociedade. Mas a verdade é que a marca tem um papel na sociedade, que as marcas constroem um espaço na cabeça das pessoas. Porque se eu não tiver nada a que os meus consumidores se consigam agarrar, no momento da compra, em frente do linear, eu só tenho um critério, que é o preço.

Todos os outros, eu não construí, não me aproximei. Até pode haver uma perceção de qualidade, até pode haver uma cadeia de valor, do propósito, até pode ser uma marca muito mais orientada para a sustentabilidade. Mas se não contar essa história, ninguém vai saber. E no momento da decisão, são todas iguais, todas têm à partida qualidade – senão não estavam ali –, vou comprar a mais barata.

As marcas têm investido o suficiente em contar sua história? Em construir marca, em ter um papel na sociedade?

Este tema é muito amplo. Sim, as marcas investem a construir marcas. Muitas delas cederam à tentação da conversão, do imediato. Porque, se eu posso comunicar com uma pessoa que está quase, quase a comprar, porque é que vou comunicar e estar dois anos à espera que a minha marca ocupe um espaço… e sei lá durante estes dois anos o que pode acontecer, outras marcas podem comunicar melhor do que eu e ocupar o espaço que eu já estava a conseguir construir, etc.

Isto é verdade. No entanto, nós verificamos que uma marca que está cem por cento focada em resultado de curto prazo, no mesmo período de dois anos que demoraria a construir a marca – ou seja, esse espaço na cabeça do consumidor –, esse espaço também desaparece da cabeça do consumidor. Portanto, é inevitável combinar as duas estratégias.

Não vejo hoje como é que uma marca responsável, que tem que recrutar pessoas para o futuro, não o faça. Exemplos, para não parecer uma coisa abstrata. Existe uma tendência que se chama economia digital direta, ou seja, marcas que são desenvolvidas diretamente para a economia digital, só comunicam nas plataformas digitais para depois, no fundo, converter estes consumidores estão muito perto da compra.

Nos EUA tivemos cerca de 40 marcas da economia digital direta que transferiram parte da sua estratégia de comunicação, por exemplo, para a televisão. E porquê? Porque perceberam que aquele espaço transacional não era suficiente. Claro que sim, para manter o negócio, mas para crescer e para ir competir com as marcas que já estão instaladas num espaço maior. E, portanto, estas marcas fizeram esse caminho. Outras, que conhecemos, fizeram o caminho inverso.

A Nike, por exemplo, apostou muito na economia digital direta e começou a transferir recursos da economia tradicional, de media tradicional, para a media digital direta. E, portanto, as marcas estão tentar fazer os dois caminhos. No fundo, no fundo, o que querem é não perder nenhuma oportunidade, ter os dois pássaros na mão. O que é possível.

É possível?

É preciso ter uma estratégia e uma visão integrada, porque depois isto remete-nos para outra conversa, que tem a ver com os comportamentos do consumidor. Que atitudes é que o consumidor tem em relação à comunicação e às marcas, que permitem às marcas estar com relevância na conversa com ele. Dou um exemplo. Muitas vezes as marcas e os próprios meios – digo isto sem nenhuma arrogância – esquecem-se que, por exemplo, as redes sociais são um espaço em que todos estão num combate igual por atenção.

E estas métricas novas, atenção e emoção, vão começar a surgir muito rapidamente, também até na oferta dos media. Mas, as redes sociais são reguladas por um algoritmo, que define o que nós vemos e a forma como nos relacionamos uns com os outros.

E, ao contrário do que nós possamos pensar, o algoritmo só tem um objetivo, que é manter as pessoas na plataforma. Muitas vezes até promovendo polémica, conteúdos polarizados, etc. Mas as marcas, mesmo que paguem, e os próprios meios que estão nessas plataformas, também estão a concorrer com o algoritmo. A marca até pode quem nos vê, mas não controlamos o ambiente, o estado de espírito, em que nós interagimos com aquele conteúdo.

Basta ver as fake news que emergem desse espaço. Eu às tantas não sei o que é verdadeiro e o que é falso. Estou ali, estou a conviver com muitos conteúdos, alguns de marcas, alguns até são media, mas eu já não sei, não consigo filtrar.

Ao contrário do que nós possamos pensar, o algoritmo só tem um objetivo, que é manter as pessoas na plataforma. Muitas vezes até promovendo polémica, conteúdos polarizados, etc. Mas as marcas, mesmo que paguem, e os próprios meios que estão nessas plataformas, também estão a concorrer com o algoritmo.

O reduto da verdade continua a ser os media tradicionais.

Precisamente, os media tradicionais. E da mesma forma que é verdade para o reduto da verdade, também é verdade para a relação de credibilidade que as marcas têm. É muito engraçado, falamos muitas vezes com consumidores, em estudos de mercado, etc, que nos dizem que a marca está nas redes sociais, tem uma boa oferta, valorizada competitiva e tudo mais, e de repente a marca aparece na televisão e aí é “esta marca, é mesmo a sério”. Claro que também é a sério [quando não está], mas continua a haver esta perceção, porque é inevitável.

Nós sabemos que muitos dos conteúdos que consumimos nessas plataformas, até das próprias pessoas com quem nós nos relacionamos, são editados, são as realidades fabricadas, as vidas editadas, aquela bolha. Alguém dizia ‘efeito multiplicador’, tudo é perfeito, todos os momentos são trabalhados e construídos. Portanto, se nós sabemos que na realidade das pessoas não é assim –muitas vezes não temos é a capacidade de fazer esse discernimento, que é um problema muito grande –, suspeitamos que no resto também seja assim.

Acho que esse é o desafio. Se eu só estou nesse espaço, tenho que construir algo mais que me proteja. Por isso é que estou sempre a dizer, acho que as marcas não deviam andar às cavalitas dos influenciadores. Muitos deles são interessantes, tem bons conteúdos, mas os influenciadores não estão a trabalhar para a marca, estão a trabalhar para eles e para o algoritmo.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.