Pedro Duarte pede que plano para os media passe a ser visto como “do país” e não como “do Governo”
Segundo Pedro Duarte, o plano de ação para os media "tem de estar acima daquilo que é a lógica partidária, ideológica, programática", já que os media são "um guarda-chuva que nos protege a todos".
Sem abordar o tema do corte da RTP – que o Parlamento travou recentemente ao aprovar uma proposta do Bloco de Esquerda (BE) para garantir a manutenção da publicidade no canal público de televisão — Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares e com a tutela da comunicação social, pediu que o plano de ação para os media deixasse de ser visto como “o plano do Governo” para passar a ser encarado como “o plano do país”.
“[O plano] Tem de estar acima daquilo que é a lógica partidária, ideológica, programática. A comunicação social tem que pairar acima disso. E é uma defesa para todos nós, é um guarda-chuva que nos protege a todos. E portanto temos de salvaguardar a comunicação social acima da nossa conflitualidade“, afirmou, acrescentando que há, da parte do Governo, um “espírito de abertura muito grande” para dialogar e encontrar pontos de encontro e convergência entre todos.
A ideia foi defendida numa intervenção final, após uma mesa redonda sobre políticas públicas para os media integrada na conferência “Informação como bem público: Regulação mediática e políticas públicas”, organizada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e que decorreu esta terça-feira. A mesa redonda envolveu deputados de cada um dos partidos.
O ministro voltou a reforçar que foi a primeira vez que foi tomada a opção por parte de um governo de avançar com um plano de ajuda aos media, após anos de “passividade ou inércia” ao longo dos quais se “estava a deixar degradar este setor crítico”. E apesar da tomada de medidas incorporar “custos políticos“, “não estamos nada arrependidos da opção que tomámos“, afiançou, dizendo que “é preferível tentar fazer alguma coisa diferente, independentemente dos custos que estejam associados”.
Antes, na mesa redonda, alguns dos deputados apontaram para a necessidade de serem criadas formas de transparência na cadeia de propriedade dos órgãos de comunicação social.
“Fala-se muito do perigo da governamentalização do serviço público de informação. A mim assusta-me mais perceber quais são os interesses que estão por detrás dos financiadores de um setor de negócio que dá prejuízo, porque algum interesse têm de ter“, afirmou Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda (BE).
Segundo a deputada, tem de se lançar um “olhar pré-crise e pós-crise” da Global Media para comunicação social. “Aquilo que aconteceu com a quase falência daquele grupo, associado à entrada de um fundo financeiro sem rosto, com motivações absolutamente desconhecidas, é exatamente o exemplo da falência de um modelo de negócio e da necessidade de regulação e apoios públicos numa dimensão que nós não temos tido“, defendeu.
O risco passa por “interesses político-económicos mais obscuros apoderarem-se de meios de comunicação para veicular ou desinformação ou informação de alguma forma truncada ou enviesada“, disse.
Neste sentido, é preciso “criar formas de transparência em toda a cadeia de propriedade da comunicação social para acabar com esta brincadeira de meios de comunicação social que pertencem a fundos que ninguém sabe bem porquê”, continuou a deputada bloquista, apontando ainda que a comunicação social, pelo papel que tem para a democracia, “exige que seja apoiada e financiada, tendo de ficar muito claras quais as regras de apoio e financiamento”.
A necessidade de se conhecer a propriedade de um meio de comunicação social foi também destacada por Rodrigo Saraiva, deputado da Iniciativa Liberal. Numa altura em que é conhecida a crise que assola a Trust in News (TiN) — dona de meios como Visão, da Exame, da Caras e do Jornal de Letras — o deputado sublinhou que, pelo menos, é sabido quem é o proprietário do grupo.
“Tem uma cara, tem um nome, sabemos o seu percurso. Está com problemas, mas nós sabemos. Há outros meios que nós não sabemos quem são os donos. E é preciso tratar isto como se fosse uma infraestrutura crítica do Estado português, temos de saber sempre quem é que está a gerir essa infraestrutura“, explicou.
Rodrigo Saraiva defendeu ainda que não se deve entrar no drama de “este jornal vai fechar e a democracia está em perigo”. O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto, O Século ou A Capital foram os exemplos, dados pelo deputado, de jornais históricos que acabaram em Portugal. “Fecharam, a democracia não acabou e ainda aqui estamos. Não vamos dramatizar“, acrescentou.
Segundo Rodrigo Saraiva é também necessário garantir que haja uma abertura na legislação e regulação a novos modelos de negócio. “A legislação não pode fechar portas a diferentes modelos de negócio”, disse o deputado, que defendeu ainda como medida possível a extinção da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), o que permitiria aos jornalistas poupar 70 euros de dois em dois anos.
Também Inês de Sousa Real sublinhou a necessidade de uma revisitação à legislação, sendo “fundamental” que o princípio da transparência esteja sempre presente. Recordando, uma vez mais, o exemplo da Global Media, a deputada do PAN disse que este princípio da transparência é importante nas suas “várias perspetivas”, tanto para se saber os objetivos com que estes fundos adquirem as posições nos órgãos de comunicação social como para perceber que operações pretendem realizar, quer do ponto de vista do eventual despedimento de pessoas quer da adoção de posições estratégicas.
“Defendemos que têm de ser encontradas ou defendidas múltiplas formas de financiamento, mas sempre sem pôr em causa aquilo que é o papel do serviço público, seja da Lusa ou da RTP“, afirmou ainda.
A generalidade dos deputados considerou também que o plano de ação do Governo para os media tem medidas positivas mas que também apresenta falhas ou falta de profundidade.
Foi o caso da deputada Filipa Pinto (Livre), para quem as medidas apresentadas são um “primeiro passo”, sendo que algumas são relevantes e fazem sentido, mas que considera ser necessário “fazer um trabalho bastante mais aprofundado”.
Por parte do Partido Socialista, Mara Lagriminha argumentou que o plano não é suficientemente denso para que se consiga perceber. “Diria que este é um draft [rascunho] e que são muitas enumerações com pouca fundamentação e que geram dúvidas“, disse, acrescentando que o seu partido concorda com a eventual revisão da legislação, que está “completamente arcaica” e que deve envolver o Parlamento.
Jorge Galveias, deputado do Chega, também avançou que o plano do governo para os media “peca por ter medidas muito pouco aprofundadas“. “Esta ação é muito positiva, o que não significa que concordemos com todas elas, mas pelo menos é o princípio da discussão”, afirmou, acrescentando que “as medidas apresentadas podem ser rapidamente ultrapassadas”, tendo em conta a velocidade dos avanços tecnológicos.
Já segundo António Filipe (PCP), o plano contempla medidas justificadas e que devem ser implementadas (nomeadamente aquelas relacionadas com a comunicação social local e regional). No entanto, “olhando para o conjunto de medidas propostas pelo Governo, arriscávamo-nos a que não se resolvessem os problemas do setor privado e se criassem problemas que até agora não têm existido no setor público [na RTP]“, afirmou o deputado comunista que avançou ainda que para si “não é nenhum tabu que o Estado possa ter órgãos públicos de imprensa”.
Por parte do PSD, o deputado Alexandre Poço avançou que o mais importante é mesmo implementar as medidas e monitorizar os seus efeitos. Já o “grande trabalho de longo alcance” é voltar a ter uma “população que quer pagar pela informação que consome”, naquele que é o “desafio mais difícil”, mas ao encontro do qual as medidas apresentadas pretendem ir.
Mais cedo na conferência, no âmbito de outro painel, os líderes da Media Capital, Impresa e RTP apontaram problemas relacionados com a distribuição e concentração. “O que se está a passar no audiovisual é uma concentração absurda de poder nas mãos da distribuição”, disse, por exemplo, Pedro Morais Leitão, CEO da Media Capital.
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