Espaços cool vs. ambientes tóxicos: uma reflexão necessária

  • Lúcia Cavaleiro
  • 9 Dezembro 2024

Não basta oferecer escritórios bonitos com mesas de ping-pong, fruta fresca e horários flexíveis. É preciso nutrir uma cultura de comunicação genuína, que inspire confiança e acolha vulnerabilidades.

O título não é meu, a ideia também não. É de uma amiga! Mas convenceu-me. Em conversa sobre o último artigo que escrevi acerca da importância das relações, divergimos até ao ponto de como, nos últimos anos, o conceito de espaços de trabalho cool ganhou destaque, especialmente entre startups e empresas “fora da caixa”. Esses ambientes, caracterizados por design arrojado, áreas de lazer e uma cultura de trabalho descontraída, prometem não apenas aumentar a produtividade, mas também melhorar o bem-estar dos trabalhadores. No entanto, essa aparente realidade contrasta com a presença de ambientes de trabalho hostis e com tensões estruturais que o design dos espaços não disfarça, e que podem ter efeitos devastadores na saúde mental e na performance de cada pessoa.

Dados recentes da pesquisa State of Workplace Mental Health da empresa de consultoria Mind Share Partners revelam que 76% dos trabalhadores inquiridos relatam sentir-se ansiosos no trabalho. A versão mais recente deste relatório mostra que, enquanto os espaços físicos evoluem, o futuro da saúde mental no local de trabalho está em modo “back to basics”. Ao contrário dos resultados apurados em anos anteriores deste inquérito, o impacto positivo do local de trabalho na saúde mental dos trabalhadores superou o negativo, mas registou-se o desejo dos trabalhadores por culturas de trabalho saudáveis, ao invés dos benefícios de autocuidado. Culturas de trabalho saudáveis e sustentáveis foram consideradas mais úteis do que terapia e recursos de autocuidado.

O relatório aponta ainda para a diminuição da sensação de segurança psicológica devido à perceção de que o apoio dos empregadores está a enfraquecer, com menos de 40% a declararem que o seu empregador prioriza a saúde mental.

Quanto ao debate sobre o trabalho híbrido, o relatório apurou que a voz dos funcionários importa: trabalhadores híbridos por escolha própria relataram sentir menor estigma relativamente à saúde mental e uma melhor relação com o trabalho.

Embora os dados sejam de um contexto global, muitos destas conclusões são identificadas também em Portugal, onde estudos recentes de entidades da área da Psicologia do Trabalho e das Organizações revelam que a insatisfação no trabalho afeta cerca de 30% dos profissionais, contribuindo para elevados índices de burnout e absentismo. Números que são alarmantes e evidenciam a necessidade urgente de refletirmos sobre como podemos criar espaços de trabalho que efetivamente promovam o bem-estar e a segurança psicológica.

Mas como distinguir um espaço de trabalho cool de um ambiente tóxico? A comunicação pode dar pistas. Um ambiente saudável valoriza a comunicação aberta, o respeito mútuo e a colaboração, enquanto um espaço tóxico se caracteriza por competitividade excessiva, falta de reconhecimento e, muitas vezes, por micro gestão ou gestão autoritária.

A criação de programas de apoio psicológico, feedback contínuo e orientado e espaços seguros de descompressão podem fazer a diferença. Para os colaboradores que se encontram em ambientes tóxicos, algumas estratégias de comunicação podem ajudar a mitigar o seu impacto negativo. A prática da autoavaliação, por exemplo, pode ser um primeiro passo: identificar as fontes de stress e estabelecer limites saudáveis. Além disso, procurar apoio fora do ambiente de trabalho, seja junto de amigos ou profissionais, pode proporcionar uma nova perspetiva e ajudar na construção de ferramentas para lidar com estes desafios.

Quando as empresas investem em diálogos abertos e transparentes, transformam relações hierárquicas em ligações humanas e significativas. Não basta oferecer escritórios bonitos com mesas de ping-pong, fruta fresca e horários flexíveis. É preciso nutrir uma cultura de comunicação genuína, que inspire confiança e acolha vulnerabilidades.

Num ambiente onde a comunicação flui, as tensões diminuem, os vínculos fortalecem-se, e o trabalho deixa de ser apenas uma obrigação para se tornar uma experiência de crescimento mútuo. Afinal, o que diferencia um espaço cool de um tóxico não está no design, mas na qualidade das conversas que ali acontecem.

  • Lúcia Cavaleiro
  • Comunicóloga e diretora APCE – Associação Portuguesa de Comunicação de Empresa

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