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A querer acelerar com a Cupra sem deixar a Seat para trás, Cristina Rola, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Ligada ao mundo automóvel há 20 anos, Cristina Rola, diretora de marketing da Seat e Cupra, de início "não era de todo uma car girl". Teve de aprender muito, mas os automóveis são agora a sua praia.

Foi quando estava a trabalhar como diretora de marketing da Mini, do grupo BMW, onde esteve durante 17 anos, que Cristina Rola aceitou o desafio de assumir as rédeas do marketing das marcas Cupra e da Seat, em maio de 2022, um desafio duplo. Para além de ter trabalhar e dar continuidade à Seat, uma marca “já muito consolidada no mercado e que fez um trabalho incrível em Portugal”, recebeu também nas suas mãos um “bebé”, a Cupra.

“É uma marca muito recente, que precisa de ganhar notoriedade, de se solidificar no mercado e de ganhar o seu espaço. Este é assim, no fundo, um trabalho diametralmente oposto: um de continuação de consolidação e outro de crescimento“, explica numa conversa com o +M, acrescentando que foi “claramente esse o desafio” que a fez mudar.

E o objetivo “não passa de todo” pela substituição da Seat — que é “uma marca consolidada e que vai continuar” — pela Cupra, começa por assegurar.

A Seat está para ficar. Inclusive no final do próximo ano vamos ter o lançamento de dois novos modelos, o Seat Ibiza e o Seat Arona, que vão ser reformulados, e isso também prova que a marca vai continuar. Temos também uma pessoa responsável a 100% pela marca Seat e pela sua revitalização. É uma marca que claramente está a trabalhar nesse sentido, da revitalização, e vamos começar a notar isso já no próximo ano. Este ano já notámos um bocadinho, ao nível da comunicação, mas no próximo ano vamos notá-lo mais”, explica a diretora de marketing.

Por seu turno, a Cupra surgiu inicialmente como “representação” dos modelos desportivos da Seat — “tanto que existiram alguns Seat Cupra” –, começa por enquadrar Cristina Rola. Até que, a determinada altura, se percebeu que a Cupra “tinha espaço para crescer e para ganhar autonomia”, o que aconteceu há cerca de seis anos, quando foi apresentada como uma marca autónoma. “Sim, é criada em Barcelona e partilha espaço físico com a Seat, mas é claramente uma marca autónoma, com produtos, um posicionamento e ambições diferentes“, refere.

Em termos de posicionamento, a Cupra demarca-se desde logo por, tendo nascido já no século XXI, ter a “obrigação de ser disruptiva“. “É claramente uma marca que se define pela performance eletrizante, com os modelos elétricos e híbridos em foco”, diz Cristina Rola, adiantando que mais de 50% das vendas da marca em Portugal este ano são de veículos eletrificados (ou seja veículos elétricos ou híbridos).

Além disso, a Cupra é também uma marca que tem um “caráter desportivo muito acentuado“. “Nós costumamos dizer que a Cupra é claramente para quem gosta de conduzir e não para quem gosta de ser conduzido, porque é uma marca que desafia à condução e tem um caráter muito desportivo. Tem também um design muito mais arrojado“, naquela que é uma das grandes apostas da marca.

“Depois tem aquela vertente e posicionamento da própria marca, que se assume desde o primeiro dia como uma marca disruptiva, de espírito rebelde e de mentalidade não convencional. No fundo, o nosso objetivo é criar uma tribo, trabalhar muito para as novas gerações, e isto leva-nos a estar presente em territórios que nos permitem esta aproximação”, explica a diretora de marketing de 45 anos.

É neste sentido que a Cupra marca presença, por exemplo, no gaming. Além disso, está presente na área do padel, desenvolvendo um torneio próprio, patrocinando as seleções feminina e masculina e apostando na atleta Sofia Araújo como embaixadora. Patrocina também provas desenvolvidas pela Federação Portuguesa de Padel, tendo como condição que o prémio seja igual para homens e mulheres.

A marca está também presente na área da música — junto do festival Jardim Sonoro — e do cinema, com uma parceria com o realizador J. A. Bayona e com Daniela Melchior. “Tudo isto é materializado fisicamente num espaço que temos na Baixa de Lisboa — o Cupra CityGarage — que funciona como showroom da Cupra. No espaço, é possível ver e comprar carros, mas também beber um café ou desfrutar de uma agenda cultural muito diversificada e que no fundo materializa todos estes nossos touchpoints e onde fazemos as mais diversas coisas, desde DJ battles, a talks, wine tasting, workshops de gins ou apresentações de exposições de arte”, acrescenta.

Já a Seat, sendo uma marca mais convencional, assumiu um caráter diferente desde há dois anos. “E aqui a associação, sendo uma marca 100% urbana, foi feita ao skate”, através de uma ligação à Liga pro Skate Portugal. Além disso, “trabalhamos muito a comunicação, naturalmente, com campanhas fortes e com o rejuvenescimento que também tivemos na nossa comunicação nos últimos dois anos, já um pouco iniciando este processo de revitalização da marca“, explica Cristina Rola.

No desenvolvimento do seu trabalho, Cristina Rola conta com uma equipa composta por outras cinco pessoas e com o apoio da agência 14 (do Omnicom Creative Hub) e da PHD.

Olhando para o futuro, Cristina Rola vê alguns obstáculos a levantarem-se para o setor automóvel. Ao desafio da eletrificação soma-se atualmente o da entrada de novas marcas no mercado, nomeadamente as chinesas. “Acho que estamos todos neste momento muito atentos àquilo que vão ser os próximos anos, àquilo que vão ser as tendências. Vão ser anos desafiantes. São sempre, por razões diferentes, mas estes próximos anos vão sê-lo claramente por estas questões que têm essencialmente a ver com a eletrificação“, diz.

Tendo começado a trabalhar ainda enquanto estudava, iniciou o seu percurso profissional em agências de áreas distintas, desde comunicação a marketing direto ou eventos. “Desta forma fui tocando em várias áreas complementares da comunicação e fui ganhando experiência que depois me permitiu ter uma visão mais abrangente, nomeadamente dos vários touchpoints que trabalho hoje em dia“, explica.

A principal experiência em termos de trabalho em agência foi na LPM “quando ainda era pequenina”, onde Cristina Rola teve o “privilégio” de trabalhar diretamente com o seu fundador, Luís Paixão Martins, com quem aprendeu “muito”.

“E foi quando estava a fazer a inauguração para jornalistas internacionais da Casa da Música, no Porto, pela LPM, que recebi o telefonema para a primeira entrevista na BMW”, recorda.

Não contava ser escolhida — até porque na entrevista disse que não gostava de carros –, mas acabou assim por entrar no mundo automóvel pela porta da BMW. “Eu não era uma car girl, de todo, sabia muito pouco de carros, e de repente entrei numa marca automóvel e fui obrigada a conhecer em profundidade aquilo que é a indústria automóvel. No início foi difícil, tive de aprender e estudar muito, mas agora é claramente a minha praia“, diz.

Oriunda de Évora, veio aos 18 anos estudar para Lisboa, já não regressando mais ao Alentejo. Desde que se mudou para a capital, passou por diversos locais: após uma primeira casa em Campo de Ourique, mudou-se para Benfica, até que a determinada altura achou que queria “ouvir os passarinhos”, tendo ido viver para Mafra. “Rapidamente arrependida”, voltou para Benfica, mudando-se depois para uma casa “em frente à [Avenida] Marginal”, mas como “não conseguia abrir as janelas todos os dias” decidiu ir viver para Caxias.

É, portanto, em Caxias onde Cristina Rola encontra o meio-termo entre a “proximidade da cidade” e a “calma, com alguns passarinhos”, e onde vive com o marido, Tiago, e com o filho, Manuel, de nove anos.

A vinda para Lisboa, depois de 18 anos a viver em Évora, foi “uma lufada de ar fresco“, recorda. “Os meios pequenos têm coisas muito boas mas no final de contas são também um pouco sufocantes. Há sempre uma necessidade naquelas idades de conhecer mais e de nos tornarmos um bocadinho mais incógnitos, de ir ao café e andar na rua e ninguém nos conhecer, e era uma coisa que eu queria muito. Eu sentia muito a necessidade de um mundo novo“, refere.

No entanto, ia com muita frequência a Évora até que, quando engravidou, foram os seus pais, entretanto já reformados, que decidiram eles próprios mudar de vida e ir viver para Lisboa. “É uma bênção, porque efetivamente só com o apoio familiar deles — e obviamente com o do meu marido — é que é possível trabalhar de uma forma tranquila. Fazemos [na Seat e Cupra] mesmo muita coisa, somos muito ativos, a área dos eventos consome muito tempo e não tem horas, e efetivamente ter uma criança pequena nestas condições só mesmo com este apoio familiar que eu agradeço todos os dias”, diz.

A maternidade veio também alterar aquele que era o seu principal hobbie e foco fora do trabalho, que passava por viagens “um bocadinho especiais, de mochila às costas, sem hotéis de cinco estrelas, e de preferência a ficar em sítios o mais próximos possível da comunidade”, uma vez que o intuito das viagens passava por “absorver, dentro daquilo que é possível sendo-se turista e não local, as outras culturas”.

“Naturalmente que depois de ser mãe este estilo de viagem não se coaduna tanto com uma criança pequena. Sei que há quem o consiga fazer, mas eu tenho receio, confesso. Portanto continuo a adorar fazer viagens mas passei um bocadinho mais para capitais europeias. O Manuel acompanha sempre estas viagens, gosta e passa os dias inteiros a andar na rua e não reclama, o que é bom, mas estou à espera que cresça um pouco mais para voltar a ir para destinos mais ‘fora da caixa’, no sentido de serem culturalmente diferentes sem que eu sinta que são uma ameaça para ele”, explica.

A viagem à Índia foi aquela que mais a marcou e que sentiu como “um murro no estômago gigante”, do qual demorou quase um mês a recuperar. No entanto, a que mais gostou foi a São Tomé e Príncipe, onde esteve mais tempo e numa vertente mais de voluntariado. Foi também aí que desenvolveu uma “relação muito engraçada” com as meninas que estavam a viver deslocadas, na capital São Tomé, para poderem ir à escola, uma vez que vivendo fora de São Tomé as más estradas tornavam as viagens diárias impossíveis.

Esteve então com as irmãs Teresianas que acolhem estas jovens durante o período letivo, apoiando-as e dando-lhes explicações para se prepararem para os exames, naquela que foi uma “experiência riquíssima” e que fez com que ainda hoje mantenha ligação com as meninas que conheceu e apoiou.

“Cada vez que vêm a Lisboa estou com elas, mas nunca mais consegui voltar lá. Tenho a sensação que se voltar lá não consigo vir embora. Custou muito o regresso, mas de todas as viagens foi a experiência mais gratificante, porque também foi aquela que permitiu uma maior interação com a comunidade local”, afirma.

Definindo-se como uma pessoa bem-disposta e que não se leva muito a sério muitas vezes — algo que considera ser “importante” — Cristina Rola “confia muito” nas pessoas, gostando de lhes dar espaço para crescer mas também de as ajudar nesse processo. “Acho que sou uma pessoa de pessoas“, diz.

Talvez também neste âmbito, a educação do seu filho é “sem dúvida alguma” o grande desafio da sua vida. “Poder proporcionar-lhe os ambientes e o mundo que acho que são importantes para fortalecer os valores certos e vê-lo crescer é claramente o meu grande desafio”, refere.

Cristina Rola em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado?

A nível internacional, sem dúvida o “Dumb Ways to Die”, da Metro Trains, na Austrália. Uma campanha que é uma lição de como transformar um tema sério numa comunicação memorável e que se espalhou pelo mundo. A música ficou na cabeça de toda a gente, era original, corajosa e muito eficaz. E, ainda hoje, tenho o jogo no meu telemóvel e jogo com o meu filho…

Em Portugal, adoraria ter feito a campanha do Turismo de Portugal “Can’t Skip Portugal”. Uma campanha que com um storytelling poderoso e imagens de cortar a respiração, ajudou a posicionar Portugal como um destino moderno, vibrante e acolhedor, a nível mundial. E a nós, portugueses (pelo menos a mim) fez-me ter sentir ainda mais orgulho do meu país autêntico.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Ter de escolher entre aquilo que “acredito” que vai funcionar e o que “sei” que vai funcionar. Porque o instinto conta, mas os dados têm cada vez mais peso, e nem sempre é fácil conciliar os dois.

3 – No top of mind está sempre?

O consumidor e como vamos surpreendê-lo ou superá-lo. Eles são o nosso barómetro, a nossa inspiração e o nosso principal desafio.

4 – O briefing ideal deve…

Ser simples e inspirador. Deveria ter uma página com os objetivos claros e uma visão de como se quer que a marca seja sentida, não só compreendida. E muito espaço para a agência ter liberdade criativa!

5 – E a agência ideal é aquela que…

Consegue ser uma parceira genuína, com coragem para desafiar as ideias do cliente. Aquela que é parte integrante da equipa e percebe as nossas dores. Aquela que nunca deixando o profissionalismo de parte, se ri e faz rir.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Arriscar, sempre! As campanhas que mais recordamos e que nos marcam, são as que saem da norma. Claro que o risco deve ter um propósito, mas sem uma boa dose de ousadia, nenhuma marca sai da sombra.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Criaria experiências para além do ecrã – fazer com que as pessoas possam viver a marca de uma forma memorável. Imagino espaços interativos, eventos inesperados e talvez, até, campanhas sociais que contribuam para algo maior.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

Criativa e resiliente, sempre a fazer omeletes com poucos ovos.

9 – Construção de marca é?

Consistência com personalidade. Uma marca sólida precisa de ter uma mensagem coerente ao longo do tempo, mas também de manter aquela “centelha” que a torna especial. É saber que a marca vive e respira no dia-a-dia do consumidor, não só em anúncios.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Acho que seria educadora de infância. Fico fascinada com a curiosidade e a criatividade genuína das crianças. Ter um papel ativo e relevante no desenvolvimento de um ser humano é uma oportunidade verdadeiramente inspiradora.

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