Inovar ou esvanescer?

A eficácia do investimento público em I&I na UE, apesar de ser comparável, em percentagem do PIB, com o dos EUA, é menor e é afetada pela fragmentação e défice de coordenação transversal nos Estados.

Para quem acompanha a dinâmica geoestratégica e a competitividade dos blocos económicos, em particular do europeu, as últimas semanas não têm sido pródigas em boas notícias – a evolução da economia alemã, os sinais de instabilidade em França e em Itália – três dos motores económicos da UE, e os resultados das eleições nos EUA, apenas vêm dar mais peso aos alertas que Mário Draghi tão bem sintetizou no Relatório publicamente apresentado em setembro sobre a competitividade da Europa.

A Europa tem vindo a perder competitividade – o diferencial entre o PIB per capita em paridade do poder de compra dos EUA, relativamente à UE, aumentou 12p.p. entre os anos de 2000 e 2023, sendo 70% deste diferencial explicado pelo aumento da produtividade real (isto é, pelo valor criado por hora trabalhada).

A trajetória de crescimento europeu fez-se, nas últimas décadas, através de setores que estão agora num elevado estágio de maturidade e, consequentemente, com limitações na criação de valor marginal e/ou sobre forte pressão transformadora (como o setor automóvel). Por contraste com os EUA, faltam na Europa mais empresas disruptivas, em especial no que respeita aos setores de tecnologias de ponta e digitais (Cloud, AI, Quantum Computing, etc), que impactem estruturalmente indústrias existentes ou criem novos motores de crescimento. Na lista da Forbes, das maiores empresas mundiais em termos de capitalização, em 2024, se formos à procura de empresas europeias dos setores de tecnologia de ponta, não vamos encontrar nenhuma no top 50, por contraste com mais de dez empresas americanas, chinesas e coreanas, que lá constam e são líderes nestes setores.

Para esta situação contribui um défice de investimento em investigação e inovação (I&I) (menos EUR 270 mil milhões em 2021, nas empresas europeias por comparação com as suas congéneres americanas). No que respeita ao investimento público em I&I na UE, apesar de ser comparável, em percentagem do PIB, com o dos EUA, a eficácia do mesmo é menor, afetado pela fragmentação e défice de coordenação transversal aos Estados-membros.

Esta lacuna substancial de investimento perpetua um ciclo de baixa inovação e baixo crescimento da produtividade, dificultando que as empresas europeias liderem em tecnologias emergentes, ficando presas a capacidades já esgotadas, insuficientes para alavancar níveis de competitividade superiores. Como refere Mario Draghi, estamos perante uma situação de middle-technology trap.

A resposta parece óbvia – urge aumentar o investimento em investigação e inovação. Mas parece ser, tão ou mais importante ainda, garantir a eficácia do mesmo. Se a investigação fundamental não se traduz em inovação que aporta novas propostas de valor e mecanismos de competitividade, se o scale-up fica limitado pela falta de instrumentos de investimento de risco, se a complexidade e a inconsistência do ambiente regulatório nos países europeus limita o speed to market e a própria noção e vantagens de um mercado único, permitindo que outros capturem as oportunidades no espaço europeu e mundial, então a trajetória de perda de competitividade manter-se-á.

Para realinhar esta trajetória, importa questionar e balancear, sem preconceitos, as prioridades e fazer opções claras sobre os setores, tecnologias e empresas onde alocar mais recursos, potencialmente realinhando prioridades transnacionais de competitividade, desenvolvimento, e contando o efeito arrastador das novas cadeias de valor para manter a derivada da coesão económica e social. Importa também “descomplexificar” e questionar barreiras regulatórias e outras, que afastam as empresas inovadoras do espaço europeu. Se não o fizermos, corremos o risco de ficarmos presos nesta middle-technlogy trap, que rapidamente conduzirá as economias europeias à middle-income trap (i.e. em que o crescimento e criação de valor é limitado pela própria estrutura produtiva de cada nação) da que Portugal há algum tempo se tenta livrar pela transformação do seu tecido produtivo. Teremos uma União Europeia mais pobre, que dificilmente cumprirá os seus princípios de coesão económica e social, que se tornará cada vez menos relevante.

Será o esvanecimento do sonho europeu.

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