Trump: um discurso cheio de palavras, vazio no conteúdo

  • Rodrigo Almeida Fernandes
  • 21 Janeiro 2025

A mensagem vaga e emocional é uma ferramenta poderosa, mas perigosamente próxima da manipulação. O populismo de Trump troca o debate pelo espetáculo, análise pela emoção e a pluralidade pela divisão.

Donald Trump já tomou posse como 47º Presidente dos Estados Unidos da América. Um momento que, tradicionalmente, reafirma os valores democráticos, a unidade nacional e a visão estratégica para o futuro do país, acabou marcado por uma retórica populista repleta de promessas vagas e mensagens inflamatórias.

Surpreendente? Só o facto de ainda ser possível fazê-lo e ter a maioria de um país a aceitar. O discurso de Trump na tomada de posse, seguindo a sua retórica, é mais um exemplo contundente de como a linguagem política pode ser simultaneamente esvaziada de substância e carregada de apelos emocionais capazes de mobilizar as massas –- mas, paradoxalmente, ameaçar os pilares de uma democracia saudável.

Mensagens que ficam “pela rama”, fáceis de compreender, mas sem desenvolvimento, uma visão alarmista e simplificada de realidades sociais e económicas complexas. Uma tática de polarizar e exaltar o medo, algo central na comunicação de mensagens populistas: ao exagerar os problemas, o líder posiciona-se como sendo o único capaz de solucioná-los. Afinal, sobreviveu a um ataque e foi providência divina que fez com que por cá ficasse para limpar o necessário. Mas no fundo, o discurso foi pautado por uma ausência de propostas concretas para enfrentar os desafios reais. Há propostas concretas para as mensagens simples — deportar, perfurar, banir, expulsar, cobrar… Tudo terminado com “Devolveremos o poder ao povo” e “A América será grande outra vez”, slogans que apelam ao senso de pertença e orgulho nacional.

Um tipo de retórica, intencionalmente ambígua, é uma estratégia eficaz para conquistar corações e mentes. Trump apresenta políticas claras, sim, mas sem detalhe de resolução e visão real de estratégia. Fornece uma tela em branco onde os seus apoiantes podem projetar as suas esperanças e as suas frustrações. A falta de especificidade não é um acidente, mas uma escolha calculada. Falar de “fronteiras seguras” e da “grandeza americana” ressoa com uma população que, frequentemente, não se envolve nos detalhes técnicos da política, mas reage a mensagens simples e emocionalmente carregadas. É a força do populismo: simplificar o complexo e transformar a política num espetáculo onde as emoções substituem o raciocínio crítico.

Naquela que se diz a maior e mais válida democracia do mundo, está agora perante riscos reais e profundos. Ao reduzir o discurso a slogans e a palavras de ordem, Trump não apenas empobrece a qualidade do debate público, mas também mina a confiança nos processos institucionais. Alimenta a ideia de que apenas o “líder forte” pode solucionar os problemas, ignorando que a democracia é um esforço coletivo, não o triunfo de um indivíduo.

Mais preocupante ainda é como essa retórica abre espaço para a manipulação. Ao pintar inimigos nebulosos — sejam eles imigrantes, elites globais ou “a imprensa desonesta” –, Trump cria um ambiente de constante tensão, onde o povo é chamado a lutar contra ameaças externas ou internas indefinidas.

Esta estratégia enfraquece as bases democráticas ao alimentar a desconfiança nas instituições e ao polarizar a sociedade. Dividido entre “nós” e “eles”, o povo é encorajado a escolher lados, a escolher uma visão única, sem espaço para o cinzento e apenas para o preto ou para o branco.

Uma estratégia de comunicação altamente eficaz. A sua simplicidade ressoa com uma parte significativa da população que se sente deixada de lado pelas elites políticas e culturais. Fala diretamente ao coração dessas pessoas, reforçando o sentimento de que finalmente têm alguém no poder que as compreende. Para muitos, não importa que o discurso seja vazio de substância, pois o que importa é a sensação de pertença que é promovida.

Mas a que custo? A comunicação estratégica permite que, um discurso como o de Trump, ainda que cheio de palavras inspiradoras para os seus seguidores, ameace a profundidade e a complexidade necessárias para que a democracia prospere. A mensagem vaga e emocional é uma ferramenta poderosa, mas perigosamente próxima da manipulação. Uma democracia forte precisa de eleitores informados, capazes de avaliar criticamente as promessas e as ações de seus líderes. O populismo de Trump, ao contrário, desvaloriza esse papel do cidadão, ao trocar o debate pelo espetáculo, a análise pela emoção e a pluralidade pela divisão.

  • Rodrigo Almeida Fernandes
  • Client director & senior comms consultant na Corpcom

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