Não imaginam o que se aprende numa aula de Power Bike
A lição a tirar é que, de facto, a preparação é tudo. Por isso, ainda assim, é melhor saber o que vai falhar do que esperar que os resultados aconteçam por acidente ou por mão divina.
É verdade. Pensando nos mais alheios a estas coisas, deixo alguma pedagogia. Segundo a explicação que está no sítio do meu ginásio, trata-se de uma “aula realizada em cima de uma bicicleta estacionária, sem intervalos, que proporciona benefícios a nível muscular e cardiovascular, além de potenciar uma significativa redução da massa gorda”.
Mas eu tiro mais benefícios. Para além de lá ir dar um bocado às pernas e, já agora, à língua, também aproveito para sacar insights para escrever textos.
Vai daí, um dia destes, ali por altura da quinta música, aquela que é dedicada ao treino intervalado, portanto, a mais lixada, talvez por ver uma turma com mais de quarenta “atletas” a claudicar, o docente dá a seguinte injeção de adrenalina, em jeito de estímulo, ao proferir esta pérola “falhar em preparar-se é preparar-se para falhar”. Ainda me veio à cabeça a possibilidade desta ser uma citação do grande Johnny G, o inventor do Spinning (outra designação que muita gente atribui ao Power Bike), mas não. Benjamin Franklin, que se dedicou a muitas coisas, talvez a mais importante foi ter sido um dos “Founding Fathers” dos Estados Unidos da América, foi, também, o pai desta citação.
E hoje, à luz daquela ideia, apetece-me dizer que fazer marketing não é um acto de magia, apesar do talento envolvido. Damos por nós a discutir campanhas e ideias espetaculares quando, na realidade, há por trás de todo o sucesso uma preparação meticulosa que obedece a uma estratégia. E sim, meus amigos, estratégia não é uma palavra que quer dizer tudo e nada ao mesmo tempo. Estratégia não é só dizer na reunião de briefing que é preciso fazer um trabalho “bigger, better, bolder” ou “meaningful” e mais um conjunto de expressões que tresandam a bullshit, acrescentando no final os canais óbvios.
Não há truques de ilusionismo e nem sequer é tão simples, como alguns acham: “Ui, aquela malta do marketing. Fumam umas ganzas, bebem uns copos e a meio da noite debitam umas ideias.”
O que vemos é o grande final que traz resultados para a marca mas, o que realmente aconteceu, foi um monte de trabalho invisível aos seus públicos, que não deixa que as campanhas se tornem em ataques de pânico na hora de usar o botão de “publicar”.
Tudo isto acontece num ecossistema cada vez mais complexo, onde a cada segundo surge uma nova ferramenta, uma nova tendência (para os que me têm acompanhado aqui e ali sabem que tendências é coisa que não aprecio muito, mas enfim), um novo algoritmo e por aí fora. E, desde há pouco tempo, a Inteligência Artificial (generativa).
E o que tínhamos também evoluiu. Ainda se lembram quando as redes sociais eram apenas o veículo do “express yourself”, uma forma para publicar fotos de gatos, de comida e daquela praia no Caribe? Hoje, são elemento fundamental da espinha dorsal de estratégias de Marketing de grandes empresas.
E depois, uma mudança de paradigma. Quantas e quantas vezes dizíamos que os clientes não sabiam o que queriam. O marketing era quase “como a arte de persuadir as pessoas a comprar aquilo de que não precisavam com dinheiro que não tinham”. Alguém terá dito isto, mais coisa, menos coisa. As marcas é que dominavam e usavam a comunicação como instrumento para nos suscitar uma determinada necessidade. A expressão é, porventura, demasiado forte, mas éramos quase tratados como umas marionetas nas suas mãos. Agora, tal como nos diz Gary Vaynerchuk “Vender algo que as pessoas não querem é a verdadeira definição de fracasso. Entender o que elas desejam é uma arte que se aprende, não se adivinha”. E é aqui que também entra a fundamental inteligência sobre os dados.
Há, então, um caminho que muito humildemente recomendo que todas as marcas façam (pode aplicar-se de forma mais micro a um produto ou serviço, por exemplo). É, lá está, uma preparação que contribui para a eficácia dos resultados e que, de forma sucinta, apresenta as seguintes etapas:
-
A Reflexão: onde está hoje
É um olhar para dentro da própria marca, para a sua estrutura. Pretende perceber a sua visão, missão, valores e propósito. Mas também pressupõe um olhar para fora, para os seus concorrentes diretos e indiretos, com o intuito de perceber o seu posicionamento face a estes players.
-
A Ambição: o que quer ser, ter ou representar
E aqui passa por uma definição de objetivos qualitativos e quantitativos. Já agora, sobre os últimos, prefiro que sejam PACT (Purposeful; Actionable; Continuous; Trackable) em vez de SMART (Specific; Measurable; Achievable; Relevant; Time-based). E claro, tudo isto ligado aos seus públicos que tentamos concretizar nas chamadas personas e nas jornadas de cliente, sabendo que não se tratam de nenhum funil, como tanto entendido anda para aí a apregoar.
-
O Perigo: o desafio que temos que ultrapassar, isto é, qual a necessidade de mudança
É o momento clássico em que equacionamos o problema ou oportunidade. Grande parte da gente do marketing não gosta de dizer oportunidade, mesmo quando existe. Prefere sempre enquadrar como um problema, nem que seja para dramatizar ainda mais. E pode ser de vários tipos, como de negócio, da marca em si, de comunicação, de execução, só para dar alguns exemplos.
-
A Esperança: o insight que nos dá o caminho para a solução
Esta parte é tramada, por assim dizer. É a chave de tudo isto e por isso é que é tão valiosa. Então o que é o tal insight? É tão só e apenas, uma verdade revelada. É uma novidade. É algo que não sabíamos antes, mas que já lá estava. É qualquer coisa que pode mudar a forma como se pensa sobre o problema, como é o caso de uma perspetiva ou de um dado. E por ser nova, é normalmente surpreendente, inesperada, inusitada ou, como gosto mais de dizer, dissonante. E daí a inquietude que nos caracteriza. É que andamos sempre à procura disto em cada briefing que pegamos.
-
A Solução: a grande ideia que desbloqueia tudo isto
Para não me repetir, convido-vos a ler o artigo que aqui escrevi sobre as más e as boas ideias – Marketing matemático
Caso não vos apeteça, façam o exercício e vejam se respondem como o Roy Grace, conhecido publicitário norte-americano, quando lhe perguntaram como é que sabia que estava perante uma boa ideia. Segundo o próprio, sabe que está quando uma sensação o leva a afirmar “My balls tingle!”. Já agora, o disclaimer, antes que hajam comentários sobre temas de género. Isto é em sentido figurado, “tá”?
-
A Entrega: o contexto que leva a ideia às pessoas
Pode parecer estranho para aqueles que confundem canais com estratégia, mas é normalmente aqui que equacionamos como endereçamos um conteúdo às nossas audiências depois de todo o trabalho preliminar já identificado. Quais os canais e a sua função ou como é que a ideia vive e se exprime em cada um deles, são provavelmente as perguntas mais habituais, para além de se saber o dinheiro que temos para investir. Afinal, é aqui que normalmente está a maior parte do bolo.
-
A Monitorização: o controle que verifica a relevância
De que serve todo este trabalho sem resultados, quer sejam de curto, médio ou longo prazo? No final do dia, sabemos que estamos no caminho certo se comunicarmos com eficácia, quer do ponto de vista das pessoas porque somos importantes para as suas vidas, que na perspetiva das marcas porque cumprimos ou superámos os objetivos.
Depois, com esta informação e aprendizagem, voltamos ao princípio, melhoramos, evoluímos e continuamos.
A lição a tirar é que, de facto, a preparação é tudo. Por isso, ainda assim, é melhor saber o que vai falhar do que esperar que os resultados aconteçam por acidente ou por mão divina.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Não imaginam o que se aprende numa aula de Power Bike
{{ noCommentsLabel }}