Fim da publicidade não é tabu. Mas, qual o caminho com a proposta de contrato de concessão da RTP?
Alberto Arons de Carvalho, Nuno Artur Silva e Pedro Morais Leitão comentam a proposta de contrato de concessão da RTP. O documento está em consulta pública até sexta-feira.
“No atual contexto de difícil sustentabilidade económica da comunicação social”, Pedro Morais Leitão, CEO da Media Capital, “louva” três aspetos da proposta de revisão de contrato de concessão da RTP, apresentada pelo Governo no início de janeiro e em consulta pública até sexta-feira, dia 7.
Falando em nome do grupo dono da TVI e da CNN Portugal, Pedro Morais Leitão destaca o “investimento na redução da estrutura interna de pessoal, cujos custos ultrapassarão os 118 milhões de euros em 2025”, a “aposta na transição para o digital, com investimento em novos serviços de vídeo a pedido ou serviços digitais” e a “recomendação de que a RTP1 não deva, tendencialmente, ser financiada por publicidade televisiva comercial”.
Ao contrário do fim progressivo da publicidade, anunciado em setembro e que tanta tinta fez correr, sobre a proposta de contrato de concessão tem reinado o silêncio. A título de exemplo, e também contactada pelo +M, a Impresa optou por não comentar o documento, que será ainda submetido aos pareceres do Conselho de Opinião da RTP e ao Conselho Geral Independente (CGI).
Como o +M/ECO revelou em janeiro, com o fim progressivo da publicidade na RTP1 chumbado no Parlamento, o documento recomenda que o canal não deve ser, tendencialmente, financiado por publicidade televisiva comercial, “em benefício dos seus públicos, libertando a grelha para o foco exclusivo na prestação do serviço público que lhe cumpre”. Não estabelece, no entanto, nenhuma obrigação nesse sentido.
Foco no digital, autorização para a RTP lançar e encerrar canais e as obrigações por tipologia de programas e não por canais, como acontece atualmente, são então algumas das principais alterações que o Governo pretende introduzir no documento que estabelece as obrigações do operador de serviço público.
Ora, é precisamente em relação a esta última que Alberto Arons de Carvalho, presidente do CGI, tem mais dúvidas. Falando a título pessoal, o ex vice-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) mostra-se contra as obrigações passarem a ser por tipologia de programas e não por canais. “Dá uma margem de manobra demasiado grande”, permite, no limite “que um canal resolva as obrigações de toda a empresa”, aponta o também ex-deputado, defendendo que as obrigações que decorrem do contrato de concessão incidam sobre os canais e não sobre o operador como um todo.
Em relação ao fim da publicidade, Arons de Carvalho afirma não ser contra, mas há um “mas”. “Pessoalmente, não sou contra o fim da publicidade, mas tem que ser definido como é ultrapassada a quebra dessa receita. Fala-se tendencialmente do fim da publicidade, mas a questão do financiamento não está resolvida”, aponta.
Defensor de “um canal de cultura e conhecimento”, o presidente do CGI interroga-se sobre a pertinência de também incluir desporto amador e programação infanto-juvenil. “A oferta de canais tem que ser ponderada, mas não acho mal que se dê margem de manobra ao operador”, diz em conversa com o +M.
Já Nuno Artur Silva, administrador da RTP entre 2015 a 2018 e secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Média de 2019 a 2022, chama Almada Negreiros à discussão. “O que me parece é que os livros que hão-de salvar o mundo já estão escritos. Falta é salvar o mundo”, cita livremente, para lembrar que “a RTP tem ene estudos, tem livros brancos e de todas as cores, o que falta é pôr em causa uma estratégia mobilizadora”.
“Pode vir o livro, branco, preto, amarelo ou cor-de-rosa, pode vir mais uma consultora. Não é por aí. Há vontade política de, com o CGI, acertar um plano estratégico e de dar à administração mandatada condições para o implementar? Essa é a questão”, frisa o antigo titular da pasta.
“O contrato está, no essencial, como sempre foi. É preciso é coragem política para virar as prioridades do avesso, para investir e contratar”, reforça, questionando o orçamento e a margem de manobra que a administração vai ter para contratar novas pessoas.
A empresa “tem gente a mais nos setores que deixaram de fazer sentido e muita gente a menos nos setores que interessam para o seu futuro [áreas digitais]”, aponta, defendendo que as contratações não podem depender do Ministério das Finanças. Se assim for, “acabam por contratar a recibos, pessoas mais jovens ou menos qualificadas, que depois são obrigadas a integrar nos quadros”, lembra.
“A RTP tem um público envelhecido. Se quer ir à procura de novos públicos, tem que haver uma inversão de prioridades e o digital ser colocado no centro. É preciso apostar no online, em apps, em conteúdos para plataformas digitais. Até aqui os canais estavam no centro, é preciso inverter a estratégia, redefinir prioridades. É preciso fazer uma série de investimentos, contratar designers, programadores. É preciso pensar como plataforma, aí é que o jogo muda”, reforça.
Concordando que o fim da publicidade não deve ser tema tabu, o ex-titular da pasta defende que a publicidade pode sair, mas desde que exista a garantia de “um financiamento estável e duradouro” e que compense o que se perderia deixando de ter publicidade. Depois, há outras interrogações. “Se deixar de ter publicidade, deixa de ter jogos da seleção? É que ter jogos e não poder ter publicidade [nesses momentos] é deitar dinheiro fora”, descreve, lembrando que se trata de um conteúdo rentável do ponto de vista comercial.
“Pretende-se reforçar o papel da RTP, enquanto plataforma global e abrangente, chegando a todos os públicos, com impacto relevante na nossa sociedade. Os atuais desafios que a comunicação social enfrenta tornam ainda mais premente a afirmação de um serviço público de media de qualidade e com capacidade para se afirmar como uma referência de rigor e de credibilidade”, escreve o Governo na introdução da proposta de contrato de concessão.
A consulta pública decorre até ao dia 7 de fevereiro e os contributos podem ser enviados para aqui. Terminada a consulta pública, são pedidos os pareceres da Entidade Reguladora para a Comunicação social e do Conselho Geral Independente.
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