Congelamento de ajuda internacional norte-americana deixa alguns media em “incerteza caótica”
A organização Repórteres Sem Fronteiras avisa que a decisão de Trump pode "abrir a porta" a outras fontes de financiamento que podem tentar alterar a linha editorial e a independência dos media.
A decisão da administração de Donald Trump de congelar a atividade da agência norte-americana para o desenvolvimento internacional (USAID, na sigla inglesa), que tem por objetivo o desenvolvimento de programas para ajuda externa, colocou diversas organizações a nível internacional em sobressalto. E o setor do jornalismo não passou ao lado desta decisão, desde logo pelo facto de muitos órgãos de comunicação em países que atravessam contextos mais complicados dependerem desta ajuda e financiamento norte-americanos.
O orçamento de mais de 268 milhões de dólares (cerca de 258 milhões de euros) aprovado em 2025 para apoiar media independentes e o livre fluxo de informações a nível internacional através da USAID estão assim agora congelados. Segundo denuncia a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), esta decisão mergulhou organizações não governamentais (ONG), órgãos de informação e jornalistas numa “incerteza caótica”.
“O congelamento do financiamento da ajuda americana está a semear o caos ao redor do mundo, inclusive no jornalismo. Os programas que foram congelados fornecem suporte vital a projetos que fortalecem os media, a transparência e a democracia. O presidente Trump justificou essa ordem acusando — sem evidências — que a chamada ‘indústria de ajuda externa’ não está alinhada com os interesses dos EUA. A trágica ironia é que essa medida criará um vácuo em prol de propagandistas e estados autoritários. A Repórteres Sem Fronteiras apela aos financiadores públicos e privados internacionais para que se comprometam com a sustentabilidade do media independentes”, diz Clayton Weimers, diretor executivo desta entidade nos EUA, citado em comunicado.
A organização refere que quase imediatamente após a ordem de congelamento entrar em vigor, diversas organizações jornalísticas a nível mundial que recebem financiamento norte-americano entraram em contacto “expressando confusão, caos e incerteza”.
Entre estas organizações incluem-se ONG internacionais que visam apoiar o jornalismo independente (como o International Fund for Public Interest Media) ou órgãos de comunicação de pequena dimensão que visam servir públicos que vivem sob condições repressivas em países como o Irão ou a Ucrânia.
Na Ucrânia, por exemplo, nove em cada 10 órgãos de comunicação dependem do financiamento da USAID, sendo que vários veículos de comunicação locais já anunciaram a suspensão das suas atividades e a procura por soluções alternativas, denuncia a RSF. Entre os 120 profissionais ucranianos do setor dos media inquiridos num estudo do Institute of Mass Information (IMI), 59,2% acreditam mesmo que a suspensão dos programas de apoio dos EUA para os media “pode ter um impacto catastrófico e levar ao encerramento ou redução significativa de muitos veículos de media independentes“.
De acordo com o estudo do IMI, apenas 15,8% dos entrevistados ucranianos relataram não receber subsídios de organizações americanas, sendo que 35% dos órgãos de comunicação têm assegurado 75% do seu financiamento através destes apoios. Já 15,8% disse depender desses fundos para 50 a 75% do seu orçamento, 12,5% disse que estes costumavam representar entre 50 a 25% de seu orçamento, 10% que esse número era de 25 a 10% e 4,2% disseram que esses apoios compunham menos de 10% de seu orçamento.
Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, os programas da USAID de ajuda aos media independentes apoiam organizações em mais de 30 países, “mas é difícil avaliar a extensão total dos danos causados à media global” com esta decisão de Donald Trump e do seu executivo. Segundo dados da própria USAID — que já não estão disponíveis no site uma vez que este ficou offline –, esta agência financiou em 2023 o treino de 6.200 jornalistas e o apoio a 707 veículos de notícias não estatais e a 279 organizações da sociedade civil dedicadas ao fortalecimento dos media independentes.
A RSF reforça ainda que esta decisão do governo de Trump pode “abrir a porta” a outras fontes de financiamento que podem tentar alterar a linha editorial e a independência dos media.
“Ao suspender abruptamente a ajuda norte-americana, os Estados Unidos tornaram muitos veículos de media e jornalistas vulneráveis, desferindo um golpe significativo na liberdade de imprensa“, acrescenta a organização.
Casa Branca anuncia que vai rescindir contratos com meios de comunicação
Na mesma linha, uma porta-voz da Casa Branca anunciou esta quarta-feira que o Governo dos Estados Unidos irá suspender os seus contratos com meios de comunicação, depois de Elon Musk e seus aliados apontarem os gastos com estes contratos.
“A equipa do DOGE está atualmente a trabalhar no cancelamento desses pagamentos”, disse Karoline Leavitt, referindo-se ao Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) liderado por Elon Musk. O magnata deu conta, nas últimas horas, dos pagamentos efetuados por várias agências e departamentos governamentais a órgãos de comunicação social, através do portal público “USASPENDING.com”.
Segundo foi avançado, o Governo norte-americano terá gasto mais de 8 milhões em dólares [7,7 milhões de euros] em assinaturas do Politico. Musk afirmou ainda que o The New York Times “é um meio de comunicação financiado pelo Governo” e que os pagamentos à Associated Press (AP)são “um enorme desperdício do dinheiro dos contribuintes”.
O próprio Donald Trump também já reagiu nas redes sociais. “Parece que milhares de milhões de dólares foram roubados à USAID [agência norte-americana para o desenvolvimento internacional] e a outras agências, muitos dos quais indo para meios de comunicação de notícias falsas como ‘recompensa’ pela criação de histórias boas sobre os democratas“, disse numa publicação.
O Presidente norte-americano refere ainda que o Politico parece ter recebido oito milhões, questionando se o The New York Times também terá recebido algum dinheiro e que outros jornais também terão beneficiado. “Este pode ser o mais escândalo de todos, talvez o maior da história! Os democratas não se conseguem esconder deste [escândalo]. [É] Demasiado grande, demasiado sujo“, conclui na publicação.
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