Media

Relação hostil de Trump com os media não é novidade. Recorde alguns episódios do mandato anterior

Rafael Ascensão,

Trump tem adotado medidas com impactos significativos para os media. Mas a má relação do Presidente norte-americano com o setor não é nova. Recorde algumas das posições do mandato anterior.

O recém-empossado Donald Trump e a sua administração têm adotado medidas com impactos significativos e negativos para os media. No entanto, não se pode dizer que seja propriamente uma notícia inesperada, uma vez que não é novidade. A má relação do presidente norte-americano com os órgãos de comunicação social não é de agora, tendo sido também bastante expressiva no seu mandato anterior.

Recentemente, a decisão de Donald Trump de congelar a atividade da agência norte-americana para o desenvolvimento internacional (USAID, na sigla inglesa) — que tem por objetivo o desenvolvimento de programas para ajuda externa — afetou o setor do jornalismo, desde logo pelo facto de muitos órgãos de comunicação em países que atravessam contextos mais complicados dependerem desta ajuda e financiamento norte-americanos.

O orçamento de mais de 268 milhões de dólares (cerca de 258 milhões de euros) aprovado em 2025 para apoiar media independentes e o livre fluxo de informações a nível internacional através da USAID ficaram assim congelados, numa decisão que, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), mergulhou organizações não governamentais (ONG), órgãos de informação e jornalistas numa “incerteza caótica”.

Na mesma linha, uma porta-voz da Casa Branca também anunciou que o Governo dos Estados Unidos vai suspender os seus contratos com meios de comunicação, depois de Elon Musk — grande apoiante de Donald Trump — e os seus aliados terem apontado gastos com estes contratos.

“Parece que milhares de milhões de dólares foram roubados à USAID [agência norte-americana para o desenvolvimento internacional] e a outras agências, muitos dos quais indo para meios de comunicação de notícias falsas como ‘recompensa’ pela criação de histórias boas sobre os democratas“, disse numa publicação o próprio Donald Trump nas redes sociais.

O Presidente norte-americano referiu ainda que o Politico parece ter recebido oito milhões, questionando se o The New York Times também terá recebido algum dinheiro e que outros jornais também terão beneficiado. “Este pode ser o mais escândalo de todos, talvez o maior da história! Os democratas não se conseguem esconder deste [escândalo]. [É] Demasiado grande, demasiado sujo“, conclui na publicação.

Mais recentemente, a Casa Branca também impediu o acesso de um jornalista da Associated Press (AP) a um evento na Sala Oval, após exigir que a agência de notícias alterasse o seu estilo de escrita e passasse a adotar o nome de “Golfo da América” em vez de “Golfo do México”, conforme a renomeação ordenada por Donald Trump.

Mas se Trump e a sua administração parecem ter baterias apontadas à comunicação social, a mira há muito que já havia sido fixada no seu alvo. Durante o seu primeiro mandato (2017-2021), foram muitas as quezílias entre o republicano e a imprensa, com Trump a atacar frequentemente os media e os seus profissionais, recorrendo a expressões como “fake news”, “inimigos do povo”, “desonestos”, “corruptos”, “más pessoas” ou mesmo “escória humana”.

Estas críticas eram dirigidas em especial a meios de comunicação que cobriam a sua administração de forma crítica, estando marcas como a CNN, o The New York Times ou The Washington Post entre os mais visados dos ataques de Trump.

Trump chegou mesmo a defender que as licenças de transmissão de alguns canais, como a NBC ou CNN deveriam ser revogadas. “As notícias tornaram-se tão partidárias, distorcidas e falsas que as licenças devem ser contestadas e, se apropriado, revogadas”, escreveu no ex-Twitter (agora X), pressionando a FCC (Federal Communications Commission) a tomar medidas, o que acabou por não ter consequências.

Note-se que a ameaça de retirar as licenças a canais televisivos foi depois também reiterada diversas vezes por Donald Trump durante a sua segunda campanha eleitoral. Durante este período, Trump também ameaçou rotineiramente jornalistas e meios de comunicação, incluindo 108 ameaças verbais num período de quatro semanas, conforme avançou a RSF.

Em 2023, Trump postou inclusive um vídeo nas redes sociais prometendo colocar a FCC sob o controle total da Casa Branca. “Trarei as agências reguladoras independentes, como a FCC e a FTC, de volta à autoridade presidencial, conforme a Constituição exige”, disse Trump, algo que no entanto ainda não foi concretizado e que, para o ser, enfrentará um grande desafio legal.

Além disso, e ainda durante a sua primeira campanha eleitoral, Trump terá “tentado” impedir a fusão da AT&T com a Time Warner (dona da CNN), o que foi encarado como uma tentativa de prejudicar um meio de comunicação crítico da sua administração. Num comunicado à imprensa de 2016, a campanha de Trump observou que a AT&T “agora está a tentar comprar a Time Warner e, portanto, a CNN, extremamente anti-Trump. Donald Trump nunca aprovaria tal acordo”.

Já depois de Trump se ter tornado presidente, o Departamento de Justiça contestou mesmo a fusão das empresas, visando forçar a venda da Turner Broadcasting, que controlava a CNN, como condição para a aprovação do acordo. No entanto, depois de dois casos perdidos nos tribunais federais, a fusão acabou mesmo por acontecer no início de 2019.

Durante a administração de Donald Trump também houve um crescimento no assédio aos jornalistas que entravam no país por parte de agentes da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (U.S. Customs and Border Protection), com vários jornalistas e fotógrafos a queixarem-se de ter sido parados, interrogados e revistados, tendo nalguns casos os profissionais ficado detidos por várias horas, segundo o Comité para a Proteção dos Jornalistas.

O Presidente republicano tentou também, embora sem sucesso, retirar credenciais de imprensa da Casa Branca a alguns media e jornalistas. Em 2018, por exemplo, a Casa Branca chegou mesmo a suspender a credencial do jornalista Jim Acosta, da CNN, após uma troca de palavras acaloradas com Trump numa conferência de imprensa. A decisão acabou por ser revertida após diversas pressões e do resultado de uma ação judicial intentada pela CNN.

Os tradicionais briefings diários para a imprensa também não ocorreram durante muitos meses seguidos na Casa Branca até à crise pandémica, quando estes começaram a ser feitos pelo próprio Trump e pelo vice-presidente Mike Pence.

Também por altura da pandemia, Donald Trump tentou minimizar o perigo do vírus através de ataques à cobertura jornalística. “Notícias falsas de baixa audiência MSDNC (Comcast) e CNN estão fazendo todo o possível para fazer o Coronavírus parecer o pior possível, incluindo causar pânico nos mercados, se possível”, escreveu a 26 de fevereiro de 2020, sugerindo que a MSNBC seria aliada do Partido Democrata.

Já em março do mesmo ano, o presidente norte-americano criticou artigos jornalísticos que expunham ineficiências do seu governo no combate à pandemia. “A media de notícias falsas está a fazer tudo o que é possível para nos fazer parecer mal. Triste!”, escreveu uma vez, além de dizer também que a imprensa era “muito desonesta” na cobertura que fazia em relação à resposta do governo à pandemia e defendendo que os jornalistas prejudicavam o país.

Trump e a sua administração também divulgaram informação e dados enganadores, falsos ou sem base científica, especialmente sobre temas relacionados com fraudes eleitorais, imigração ou a pandemia de Covid-19, promovendo teorias da conspiração, como a de que Barack Obama não teria nascido nos EUA ou de que o coronavírus poderia ser tratado com medicamentos não comprovados. Só nos seus primeiros três anos enquanto líder dos EUA, Donald Trump terá feito 16,241 alegações falsas ou enganadores, segundo o Washington Post.

Apesar de tudo isto, a principal consequência dos ataques de Trump parece estar relacionada com a corrosão da credibilidade da imprensa norte-americana junto de milhões de cidadãos dos EUA, em especial junto dos seus apoiantes.

Um estudo do Pew Research Center em 2019 veio demonstrar que a larga maioria dos republicanos desconfiava consistentemente da maioria dos media (exceto de meios apoiantes de Trump, como a Fox News), sendo que os meios que Trump mais criticou foram os que viram maiores aumentos na desconfiança. A percentagem de republicanos que disseram que desconfiavam da CNN, por exemplo, aumentou de 33%, em 2014, para 58%, em 2019. No caso do The Washington Post e do The New York Times, foi registado um aumento de 17 e 12 pontos percentuais, respetivamente, durante o mesmo período.

Além disso, metade dos adultos dos EUA disse em 2019 que notícias e informações inventadas eram um problema muito grande no país, em percentagens maiores do que aquelas que disseram o mesmo sobre outras questões como sobre racismo, imigração ilegal, terrorismo ou sexismo. Cerca de dois terços afirmaram também que notícias e informações inventadas tiveram um grande impacto na confiança pública no governo (68%), enquanto metade ou mais disseram que tiveram um grande efeito na confiança dos americanos uns nos outros (54%) e na capacidade dos líderes políticos fazerem o trabalho (51%).

A relação “hostil” de Donald Trump com os media ficou tão evidente que levou inclusive a Federação Europeia de Jornalistas (FEP), após a eleição do republicano para o seu segundo mandato a Casa Branca, a defender que a União Europeia (UE) devia proteger melhor a comunicação social, lembrando que esta é pedra basilar da democracia.

A retórica hostil de Donald Trump para com os jornalistas e os meios de comunicação social não deve levar os governos europeus a abandonar as suas obrigações de garantir a segurança dos jornalistas e de criar um ambiente propício à liberdade de expressão, incluindo a liberdade de imprensa“, sublinhou a FEP, em comunicado.

Durante a campanha para as presidenciais que o voltaram a conduzir à Casa Branca, Trump chegou mesmo a afirmar, durante um comício, que não se importaria que alguém disparasse sobre os media.

Também logo após a eleição de Trump, Elon Musk, dono da rede social X e um dos seus grandes apoiantes, defendeu que os media tradicionais estavam mortos, ao mesmo tempo que afirmou que “a maioria dos media tradicionais mentiu incansavelmente ao público”.

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