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Liderar a comunicar ou comunicar a liderar?
Estamos numa época perigosa: de um lado, líderes que utilizam excessivamente a comunicação como ferramenta de poder; do outro, líderes que a evitam como se fosse um fardo.
Na verdade, não é uma escolha. A função de liderança exige que se cumpram ambas. Vivemos num mundo que se está a reinventar e assistimos a lideranças que acreditam que já não têm de adaptar-se, ajustar-se ou fazer diferente do que sempre fizeram e (velhos) novos líderes que (re)criam formas de fazer, impõem um novo normal banalizando linhas vermelhas que não deviam ser ultrapassadas.
É comum ouvirmos líderes dizerem que não gostam de comunicar ou que preferem não aparecer — o típico perfil low profile. Mas esta posição comunica, por si só, uma mensagem poderosa que não pode ser ignorada: um líder que não comunica é um líder que se mantém invisível e, consequentemente, ausente.
Relembra-me a frase despropositada de um sócio da firma onde Richard Nixon trabalhou nos anos 60, antes de ser presidente dos EUA: “Somos como a mulher que só quer ver o seu nome nos jornais duas vezes: quando nasce e quando morre.”
Está tudo errado aqui. Um líder precisa de comunicar em todos os momentos importantes — liderar, informar, comentar, negociar, empoderar, motivar e, sobretudo, responsabilizar-se, independentemente do género a que pertence. Os momentos que ele enumerou na frase são os quais nem controlam a comunicação. Um líder que não comunica, não sabemos o que pensa, o que defende, o que procura, o que quer conquistar. Veja-se o exemplo do Almirante Gouveia e Melo. Sabemos o que pensa, como pensa e que ideias defende? Um líder que não comunica torna-se uma incógnita.
Estamos numa época perigosa: de um lado, líderes que utilizam excessivamente a comunicação como ferramenta de poder; do outro, líderes que a evitam como se fosse um fardo. A egopolítica é um reflexo disso mesmo — assistimos ao narcisismo a assumir o comando do poder, como vimos com Nicolás Maduro ou Donald Trump. Em qualquer liderança encontramos elevadas doses de autoestima (até quando não se quer aparecer); mas o que está a mudar é o equilíbrio entre essa autoestima, o sacrifício e a generosidade. A comunicação é muitas vezes utilizada para alimentar o ego. O ego sequestra o carisma do líder.
Como bem diz Iñaki Ortega, diretor-geral da LLYC, em Madrid, a egopolítica, embora partilhe as mesmas letras de geopolítica, não são a mesma coisa. Há muitos políticos irreverentes que ganham eleições centrados em si próprios. A geopolítica usava o soft power — cunhado pelo professor Joseph Nye, que se explica na capacidade que os países têm de influenciar outros sem recorrer a guerras, mas através da cultura ou ideologia. A egopolítica recorre ao histrionismo, ao comportamento drama queen e à busca incessante de atenção.
A egopolítica é intrínseca ao crescimento das redes sociais como ferramenta de formação da opinião pública e que amplifica este fenómeno. Mensagens provocadoras, imagens impactantes e declarações polémicas são amplificadas pela instantaneidade dos vídeos curtos e pelo poder do clickbait. É o cab/&%$#ão do ego a inflamar ainda mais através dessa visibilidade adquirida.
O que antes era exceção tornou-se norma e o sensacionalismo domina. Esta abordagem tem gerado críticas, mas também garantido notoriedade. Em Portugal, segundo o estudo que a LLYC analisou a conversação nas redes sociais pré-eleições legislativas no ano passado, André Ventura é o político que mais usa as mensagens controversas e é de longe, o que soma mais interações, em média, no Instagram e no TikTok — nesta última, aliás, não tem concorrência à altura. É também o político com mais seguidores nestas plataformas, deixando a larga distância os restantes.
No mundo empresarial, ainda não chegámos a este extremo, mas já percebemos que mesmo um líder low profile está sujeito às manchetes e ao escrutínio público, e iniciámos o ano com um caso muito recente na nossa praça pública.
As grandes empresas sabem que a comunicação é uma ferramenta poderosa e, também por isso, por vezes, temem-na. A melhor abordagem é a antecipação e a preparação: mensagens bem estruturadas, respostas cuidadosas, media trainings, deteção de riscos e oportunidades para (re)agir. Tudo comunica. A linguagem verbal e não verbal, gestos e atitudes, contam. Veja-se o exemplo de Elon Musk: o que queria comunicar com a sua polémica celebração ou cumprimento?
É essencial reconhecer o poder da linguagem corporal, um desafio que enfrento pessoalmente e creio que me vai acompanhar para o resto da vida. Aprendi que é possível treinar esta capacidade, que hoje ainda me trai por denunciar-me em algumas expressões onde gostava de ser menos latina e mais poker face. Com o tempo e trabalho conseguimos ajustar a nossa comunicação não verbal. Mas é crucial que alguém nos diga o que espelhamos — de forma profissional, sem frufrus e gaitinhas. Nós, profissionais da área estamos também cá para isso.
O desafio para o futuro é recuperar o bom senso, o pragmatismo, o consenso e o equilíbrio na comunicação. Pedro Reis, o nosso Ministro da Economia, referiu-se no final do ano passado a 2025, como o ano da responsabilidade onde a comunicação tem um papel cada vez mais chave. Vamos usá-la com essa responsabilidade e impacto para o nosso campo pessoal, para o campo empresarial e para a sociedade. Como dizia Chris Anderson: “Não vivemos numa era de mudança; vivemos numa mudança de era.” Liderar a comunicar e comunicar a liderar é o caminho para um mundo melhor e, que esse seja, um admirável mundo novo.
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