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Marcas demoram a regressar aos cinemas por “conservadorismo”

Rafael Ascensão,

Apesar da lenta recuperação, o investimento em publicidade nos Cinemas Nos cresceu cerca de 30% em 2024. No entanto, o seu peso no total das receitas publicitárias é de 6%, quando já foi de 12%.

A lenta recuperação do investimento publicitário nos cinemas, que não tem acompanhado o regresso de espectadores às salas, está relacionada com o conservadorismo das marcas, entende Miguel Magalhães. Observando que as pessoas estão a voltar ao cinema — embora no ano passado tenha sido registada uma quebra de cerca de 4% na afluência às salas de cinema Nos –, o diretor da Nos Publicidade reconhece que a publicidade “não acompanha essa velocidade de recuperação”.

Nós sentimos essa pressão, mas também sabemos que Portugal em termos de publicidade é um país moderadamente conservador, as marcas demoram tempo a alterar as suas dinâmicas. E isso não se sente só no cinema”, afirmou. Também no Playce, plataforma agregadora de publicidade endereçada em televisão, “sentimos enormes dificuldades em afirmá-lo, sabendo que é um produto extraordinário, porque as marcas demoraram muito tempo a fazer o shift“, exemplificou o responsável.

As ideias foram defendidas num debate no Nos Brand Activation Day, evento onde se propôs discutir a relação, oportunidades e desafios entre a publicidade e o cinema. O debate centrou-se, em parte, nas dificuldades que o cinema está a sentir em assegurar o regresso dos anunciantes ao grande ecrã após o abalo sofrido com a pandemia.

À margem do evento, Miguel Magalhães reforçou ao +M a ideia. O cinema sempre foi um meio muito pequeno, relativamente mal tratado, e sempre teve uma quota de investimento publicitário pequena, mas depois da pandemia passou a ter uma quota ínfima da qual tem demorado a conseguir recuperar. Isso deve-se ao conservadorismo das marcas“, disse.

“Mas achamos, acreditamos e insistimos que o cinema tem características que as marcas procuram e não encontram em lado nenhum. Há aqui todo um mundo de oportunidades para as marcas que não estão a ser aproveitadas”, acrescentou, referindo que a quota do cinema em termos de investimento publicitário andava, “nos seus melhores tempos”, à volta de 2-3% e que após a pandemia baixou para 0,5%, estando agora “pouco acima disso”.

Miguel Magalhães, diretor da Nos Publicidade.

Conseguir chegar às marcas e trazê-las para o cinema é algo que a Nos Publicidade tenta fazer no “dia a dia”, mas para isso também “é preciso que os anunciantes queiram ouvir”, observou Miguel Magalhães. “Temos boas ideias, muitas soluções, mas para isso precisamos de conseguir chegar às marcas. E o que estamos a sentir é que hoje em dia os marketeers não têm tempo para nos ouvir, o que pode fazer sentido porque vivemos num mundo horrivelmente acelerado”, disse.

O que tentamos fazer é apresentar projetos de chave na mão. Temos ativação de marca e publicidade em ecrã — que pode ser um simples spot de 30 segundos que se adapta da televisão para cinema — mas podemos também conseguir criar algumas soluções que integrem as marcas nos filmes, por exemplo”, avançou.

O responsável exemplificou com “vários projetos com cinema português” em que a entrada da marca é feita desde o momento zero até à exibição do filme em ecrã. Esta pode ser feita através de patrocínios ou da inserção da marca dentro do próprio filme, que tem de ser feita de “uma forma bem pensada” para não se fazerem “coisas artificiais”, alertou. “Há todo um mundo de soluções, é preciso é haver interesse das marcas para nós concretizarmos“, acrescentou.

Em relação ao que está a falhar na relação com as marcas, Miguel Magalhães arriscou que o problema se prende com “a multiplicidade de meios que existem e com a velocidade com que se precisa de passar as mensagens”. “O cinema constrói, é preciso tempo e investimento no sentido da ideia criativa que se põe em cinema“, referiu.

Cinema é melhor “construtor de marca”

O cinema é bom para a construção de marcas, funcionando inclusive melhor do que o digital e redes sociais, ao permitir estabelecer relações “mais evidentes” com os consumidores, defendeu também Diogo Anahory, cofundador e diretor criativo da DJ.

“Nas redes sociais há de tudo, de bom e de mau. As marcas anunciarem no cinema e em televisão é também uma mensagem de grandeza e de uma certa postura. Há uma dignidade e espetacularidade no cinema que um ecrã de telemóvel jamais consegue ter“, acrescentou.

Diogo Anahory, cofundador e diretor criativo da DJ
Diogo Anahory, cofundador e diretor criativo da agência DJ.

Mas também para os publicitários o cinema “pode ser uma bênção”, apontou Diogo Anahory. “A primeira função de um criativo ao serviço de uma marca é captar a atenção do espectador — o que hoje em dia é cada vez mais difícil pela multiplicidade de estímulos existentes — e fazer com que este se mantenha nem que seja só cinco ou dez segundos atentos ao que se está a dizer”, começou por explicar.

“E nesse sentido, o cinema facilita-nos o trabalho, porque aí estamos inteiramente focados no que estamos a ver. Não há skip ads ou interrupções. Facilita-nos imenso o trabalho enquanto criativos porque aí já temos a certeza que pelo menos a atenção vai estar focada no ecrã“, completou.

Além disso, “como a maioria da publicidade não são histórias bem contadas, há uma tendência para as pessoas fugirem dos anúncios” apontou, acrescentando que quem vai ver um filme está mais recetivo a ver um anúncio de uma marca antes do filme e que a probabilidade de a mensagem ser apreendida é maior.

Miguel Magalhães evidenciou também a afinidade que o cinema tem com o target de idades compreendidas entre os 15 e 34 anos, que é aquele “talvez o mais difícil de atingir” e que tem regressado “mais em força” ao cinema. “O cinema está na pole position para ser o meio mais indicado e ser o palco que as marcas andam à procura“, acrescentou.

“Em tempos idos faziam-se produções publicitárias para cinema. Mas hoje em dia muitas vezes os anunciantes não querem, porque não há budget, porque há outras tendências e prioridades. Já não se fazem spots como aqueles que nos lembramos da Coca-Cola ou Martini. É um território que foi perdido“, aponta Miguel Magalhães.

Ainda assim, e apesar da atravancada recuperação, a publicidades nos Cinemas Nos cresceu a dois dígitos no ano passado, na casa dos 30%. “Mas nós temos como referência 2019 — que foi o melhor ano de sempre de espectadores e de publicidade no cinema — e em relação a esse ano ainda estamos cerca de 20% abaixo em termos de investimento publicitário“, avançou Miguel Magalhães ao +M.

Na verdade, e embora a receita publicitária em cinema seja “importante economicamente para a Nos Publicidade”, o seu peso no total das receitas publicitárias da operadora é, neste momento, de apenas 6%, quando já chegou a representar 12%.

Para este ano a marca mostra-se otimista, tendo inscrito em sede de orçamento “fazer o mesmo número” que em 2019. “Os dois primeiros meses correram bastante bem, mas ainda faltam 10 meses. Temos boas perspetivas e acredito que é possível lá chegarmos. Se o conseguirmos vai ser um feito incrível, não o fazendo estamos no caminho e faremos para o ano”, concluiu Miguel Magalhães.

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