"Sabemos, há agendas mobilizadoras que nem sequer vão ter sucesso porque já há desistências", diz Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP. Ouça o podcast 'ECO dos Fundos'.
Toda a complexidade, demora na decisão e custos levam muitas empresas a considerar que é melhor encontrar outras fontes de financiamento alternativas aos fundos comunitários. Há “cada vez mais empresas a ponderar não recorrer a fundos comunitários”, revela o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro. Uma opção que é também justificada pelo facto de, com a descida das taxas de juro, o crédito bancário ser mais atrativo.
Luís Miguel Ribeiro avança que “há agendas mobilizadoras que nem sequer vão ter sucesso porque já há desistências” entre os membros dos consórcios e que o problema não se cinge às agendas da energia. No ECO dos fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus, o responsável defende que os avisos para as empresas devem estar abertos em contínuo e que os “processos de tomada de decisão têm de ser mais céleres, mais simples e depois mais rigorosos no acompanhamento e na fiscalização” para evitar fraudes.
Apesar da reprogramação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o responsável duvida da capacidade de executar todos os investimentos da bazuca. “Há concursos que ficam desertos, e empresas desistem de concursos que ganharam”, conta o responsável. Mas acredita que o Orçamento do Estado vai mesmo financiar os projetos que caíram por não haver garantia de que ficariam prontos até 2026.
Uma das grandes bandeiras do PRR, foram as agendas mobilizadoras, um casamento aparentemente perfeito entre indústria, empresas e universidades, com a promessa de criar novos produtos exportáveis. Isso não está a acontecer?
Do ponto de vista da conceção, as agendas mobilizadoras é o modelo, diria, quase perfeito. Porque, como disse, concilia a academia, os centros tecnológicos, aqueles que acrescentam valor ao conhecimento produzido, que são as empresas. Tudo isso é um modelo praticamente perfeito e é o que defendemos há muitos anos. A questão depois coloca-se ao nível da burocracia. A burocracia é um dos grandes problemas que temos em Portugal, não só para o sucesso de programas como este, muito bem desenhados, cuja dotação foi necessário reforçar bastante, porque a procura foi muita, programas que são para potenciar e promover a inovação, absolutamente fundamental e crucial para a competitividade das nossas empresas. Mas, por outro lado, são processos burocráticos. A demora e o atraso na implementação vêm pôr tudo isto em causa. Ora, a burocracia é um dos grandes entraves, não só ao sucesso desses projetos, mas à produtividade no país. É fundamental que se tente minimizar — ia dizer eliminar, mas isto é impossível — esta burocracia.
Quais são as principais queixas que lhe chegam dos associados?
As queixas são exatamente estas. Estes atrasos põem não só em causa, como sabemos, há agendas mobilizadoras que nem sequer vão ter sucesso porque já há desistências, várias desistências.
Quer dar-me um exemplo?
Não queria particularizar porque temos um princípio…
As agendas de energia?
Também, e há outras.
Há outras?
Temos esse princípio de não divulgar aquilo que os nossos associados nos transmitem, mas há e são públicos os casos de agendas que estão comprometidas; de outras que vão funcionar, mas há alguns parceiros que saem. Mas, sobretudo, aquilo que os nossos empresários e associados nos dizem é que, por vezes, e cada vez mais estão a ponderar, não recorrer a programas comunitários. Porque todo o processo, toda a complexidade, toda a demora na decisão, tudo aquilo que isto implica, os custos, fazendo contas, por vezes, é melhor encontrar outras fontes de financiamento que não este apoio de fundos comunitários.
Toda a complexidade, toda a demora na decisão, tudo aquilo que isto implica, os custos, fazendo contas, por vezes, é melhor encontrar outras fontes de financiamento que não este apoio de fundos comunitários.
Com a descida das taxas de juro, os empréstimos da banca são mais simples e mais céleres?
Também, também. E ainda não temos outras fontes de financiamento muito desenvolvidas em Portugal, como os business angels, o capital de risco e outros. O Banco Fomento parece que agora há uma grande vontade que venha, de facto, a funcionar, e se isso acontecer, será mais um desafio acrescido para a execução dos fundos comunitários, porque as empresas estão a ponderar, muitas delas, se devem concorrer ou não. Mas o custo que tem toda a elaboração destes processos, toda a execução destes procedimentos, tudo aquilo que tem de se dar resposta e que é solicitado, as empresas, de facto, estão a ponderar, deixar muitas vezes de concorrer a apoios.
Além de uma outra questão: os avisos para as empresas devem estar abertos em contínuo. Não faz sentido que uma empresa esteja à espera que abra um aviso para se candidatar ou um apoio para uma área da empresa que é necessária naquele momento, ou porque há uma encomenda mais exigente e que é preciso reforçar o investimento, ou porque a empresa quer desenvolver uma nova área de investimento, um novo produto, um novo serviço, devem estar abertos em contínuo os avisos para as empresas. Já está previsto no Acelerar Portugal, reivindicámos isto ao ministro da Economia, ele ouviu, acedeu e está lá colocado. Agora, ainda não está em prática. E voltamos sempre à mesma questão, que é o tempo que as coisas demoram no nosso país. A Europa sofre do mesmo problema. É por isso que, neste momento, temos dificuldades face a outros blocos económicos que têm uma outra celeridade no processo de decisão.
E como é que se acelera? Alguma solução fácil e imediata?
Os processos de tomada de decisão têm de ser mais céleres, mais simples e depois mais rigorosos no acompanhamento e na fiscalização.
Para evitar as fraudes?
Exatamente para evitar isso. Ou seja, temos de ser mais céleres no processo de abertura de avisos, mais céleres no processo da análise das candidaturas, da aprovação e depois rigor durante o processo de implementação e no processo de toda a execução dos programas.

Com a dimensão de recursos humanos que existem nos organismos intermédios isso é possível?
Tenho que concordar consigo. De facto, às vezes, não é por falta de vontade desses organismos, pode até não ser por incapacidade. E não é certamente, porque há pessoas que sabem e conhecem e têm experiência. Mas depois o que nos dizem é que não têm pessoas para fazer o trabalho todo, quando têm de fazer análise de candidaturas, não podem fazer análise de pedidos de reembolso. Quando se faz análise de pedidos de reembolso, não podem fazer análise de pedidos de saldo. Ou seja, têm de estar sempre a selecionar. Neste momento, a prioridade é o PRR. Ou seja, o P2030 está a ficar para trás. O Compete tem a pior execução do PT2030 em termos comparativos com outros programas, porque há uma definição de algumas prioridades que, com a falta de recursos, ficam outros para trás. Isto não deve ser um trade-off entre vamos apostar aqui e vamos deixar ali. Este volume de recursos que temos da União Europeia devia estar a ser aplicado com celeridade, com eficácia, para que isto se traduza depois numa evolução daquilo que é a nossa capacidade competitiva à escala global.
Temos em cima da mesa uma reprogramação do PRR, entregue em Bruxelas em fevereiro, da qual foram retirados todos os investimentos em risco de não poder ser concluídos a tempo, até em 2026. Acredita que esses investimentos vão ser feitos, sobretudo se ficarem dependentes de financiamento do Orçamento de Estado?
Não diria só do Orçamento de Estado.
É verdade que as fontes de financiamento alternativas são Banco Europeu de Investimento, Portugal 2030 e Orçamento de Estado.
Gostava de subscrever a sua afirmação, mas mesmo aí tenho dúvidas. Primeiro, a questão da contratação pública, que condiciona muito a execução dos investimentos financiados apoiados pelo PRR. Segundo, a dificuldade em termos de recursos humanos necessários e suficientes para que as empresas possam cumprir com os prazos a que se candidataram. E terceiro, toda esta demora na análise, na validação, etc. Duvido que isso nos vá permitir que, depois desta reprogramação, o que ficou seja tudo executado. Espero que sim, gostava muito que sim, mas sinceramente tenho dúvidas. Continuo a ter informação de concursos que ficam desertos, de empresas que, a certa altura, desistem e saltam fora de concursos que ganharam. Tudo isto é muito complicado para depois se poder cumprir, porque estamos a falar de um ano e pouco que temos. Devemos recordar para que é que a União Europeia criou o PRR. Já passou a pandemia, felizmente, há muito tempo, e continuamos aqui, a discutir a sua implementação, o que significa que isto de facto são processos muito lentos, não é só em Portugal, como na Europa.
Continuo a ter informação de concursos que ficam desertos, de empresas que, a certa altura, desistem e saltam fora de concursos que ganharam. Tudo isto é muito complicado para depois se poder cumprir, porque estamos a falar de um ano e pouco que temos.
Portugal nem compara mal com os restantes países europeus. Mas em relação aos investimentos que saltaram do PRR, acha que o Orçamento de Estado vai ter capacidade para os executar?
Sim, acho que sim. Acho que o problema não será por falta de dinheiro. Hoje as contas públicas estão mais saudáveis. Não é por aí que se compromete a execução ou a implementação dos projetos. Será por outras questões: pela burocracia, pela falta de recursos humanos, por algum desajuste entre o valor que se põe a concurso e aquilo que é a realidade, os custos que as empresas hoje têm. Devemos ter presente que as nossas empresas estão a esmagar margens em muitos setores de atividade porque há custos que aumentaram e os valores que põem a concurso muitas vezes não são valores possíveis para uma boa execução das obras lançadas a concurso ou de processos de equipamentos, contratação de outros serviços.
Falou da pandemia, à semelhança do que aconteceu nesse período, em que muitas empresas portuguesas tiveram capacidade de se reinventar para oferecer produtos adequados a esses tempos, vamos ter agora uma segunda oportunidade de reconversão da indústria nacional para oferecer produtos na área da defesa?
Não tenho dúvidas que sim. Temos de olhar para este desafio da defesa numa perspetiva alargada. Estamos a falar num setor têxtil que pode e deve fornecer equipamentos e fardas e outros elementos para a indústria da defesa. Estamos a falar no setor do calçado, que pode desenvolver novos produtos para esta indústria da defesa; na metalomecânica; no agroalimentar; em setores tecnológicos e altamente evoluídos. As pessoas muitas vezes não têm noção que é uma indústria altamente tecnológica, muito desenvolvida, e que vai desafiar as nossas empresas a desenvolverem novos produtos, novos serviços, com mais valor acrescentado. Esta aposta da indústria da defesa tem duas vertentes, a estratégica da Europa e a questão económica, do potencial de negócio que isto vai trazer. Estamos a falar em setores que têm estado com alguns desafios acrescidos e até algumas dificuldades, e que podem ter novas oportunidades. Por setor da defesa lembramo-nos dos tanques de combate, dos canhões, das armas, mas tudo isso tem muitas componentes e é aqui que devemos entrar — na perspetiva das componentes, onde devemos desenvolver uma capacidade de resposta e competitividade, com muita tecnologia tendo aqui a academia e as empresas um trabalho em conjunto. Acredito que vai permitir utilizar muitos recursos que não vão ser executados o PRR, isto já foi também assumido pela Comissão Europeia.
Essa incapacidade de executar a totalidade do PRR vai acabar por salvar a política de coesão? Na negociação do próximo quadro comunitário de apoio está a equacionar-se a possibilidade de encolher o orçamento da coesão para financiar essa vertente da defesa.
Esse caminho de diminuir os recursos para a política da coesão é um caminho que vai acontecer, já tem vindo a ser…
É uma inevitabilidade?
Acredito que seja uma inevitabilidade. Se me pergunta se acho que isso é bom para nós, não acho.
Para nós Portugal ou nós Europa?
Para nós, Portugal. E também para nós, a Europa, porque há muito trabalho ainda a fazer dentro da União Europeia para que esta coesão, de facto, exista. E há muitos desequilíbrios que é preciso combater. E estes desequilíbrios combatem-se com estes programas, que visam criar alguma igualdade entre os grandes Estados.
Até mesmo para tentar eliminar a armadilha do desenvolvimento.
Exatamente. Mas mesmo dentro do nosso país ainda há muito trabalho a fazer ao nível da coesão. Por isso, se me pergunta se concordo ou se acho bem que haja esta alocação de recursos da coesão para outras prioridades, de facto, gostava que isto não acontecesse. Mas compreendo. E sendo um orçamento da União Europeia, que é sempre de recursos limitados, é preciso fazer opções.

Uma das opções do PT2030 foi excluir as grandes empresas do acesso aos fundos, exceto quando coligadas com PME. É um erro estratégico, tendo em conta o efeito que as grandes empresas têm de arrastamento?
Acho. Exatamente por isso que acabou de dizer. Conheço muitos casos de PME que conseguiam ter oportunidades de negócio, de exportar, de colocar os seus produtos noutros países, ter oportunidades de negócio, porque grandes empresas conseguiram abrir as portas e conseguiram criar essas condições. Por isso, acho um erro que as grandes empresas não sejam objeto de apoio. Todos dizemos que é importante que as microempresas passem a pequenas, que as pequenas passem a médias, que as médias passem a grandes. Mas vão crescer para quê? Para ter menos apoios? Para ter mais dificuldades? Para ter mais carga fiscal? Para ter mais burocracia e menos apoio? Não faz sentido. Temos de ter um discurso e uma prática coerente. Se é importante termos empresas maiores? É, ninguém tem dúvidas disso. Então temos de apoiar. Se me pergunta se é nas mesmas condições… Devemos definir as condições. É importante que as grandes empresas sejam apoiadas. E esse apoio devia ser potenciado em função do trabalho e das oportunidades que queriam para as empresas mais pequenas. Prejudicar as empresas por serem maiores, acho um erro de princípio que não devia acontecer.
Gostaria de ver na reprogramação do Portugal 2030 essa situação corrigida?
Quando nos solicitam a nossa posição sobre isso, sempre dissemos que as grandes empresas não devem ser excluídas, devem ser apoiadas, naturalmente, devem-se criar as condições, o contexto em que esse apoio deve acontecer. Mas, na minha opinião, esse apoio deve até ser potenciado em função das portas e oportunidades que elas abrem para as empresas, para as PME nacionais.
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