Bastava que não estragassem

  • Pedro Pimentel
  • 26 Março 2025

Aos nossos responsáveis governativos e aos principais responsáveis políticos exigia-se, antes de qualquer outra coisa, que não estragassem.

Na sequência do chumbo na Assembleia da República da Moção de Confiança apresentada pelo Governo e da queda do Executivo, o país foi confrontado com a convocação, para o próximo dia 18 de maio, de eleições legislativas antecipadas. Um desfecho que uma dose mínima de sentido de estado, uns pozinhos de maturidade e bastante menos egocentrismo teriam certamente evitado. Um cenário que, colocando de parte o irritante sentido tático de curtíssimo prazo e deixando de lado a mera sobrevivência política de algumas lideranças partidárias, nem sequer se colocaria.

Este processo tem tudo para estragar uma conjuntura que se apresentava como razoavelmente otimista para Portugal.

No final de 2024, um amplo conjunto de dados macroeconómicos colocavam Portugal numa situação bastante positiva, seja quando olhada por si só, seja, muito especialmente, quando confrontada com a realidade que se está a viver na generalidade dos países europeus e das economias com que mais interagimos, mas também com que mais diretamente competimos.

Os índices de confiança, seja dos empresários, seja dos consumidores, apresentavam-se anormalmente elevados e muito próximos do padrão europeu, quando — tradicionalmente — Portugal se coloca no pelotão dos mais descrentes e desconfiados.

O nosso país posicionava-se como a terceira economia da Europa com maior crescimento, apenas suplantado por Irlanda e Dinamarca e, mais relevante, bem acima das principais economias europeias.

Portugal apresentava, em paralelo com a Hungria, o mais elevado crescimento do poder de compra dos seus concidadãos, mais do que duplicando o valor equivalente de Espanha e sendo três vezes maior do que o da generalidade dos países da Europa Ocidental.

Ao longo de 2024, esse crescimento do poder de compra e do rendimento disponível foi acompanhado de um assinalável incremento dos níveis de poupança, sendo que, com exceção do invulgar período de 2020 e início de 2021 em que o salto do aforro foi alimentado pelo quadro de imobilidade que vivemos naquela fase da pandemia, será preciso recuar ao final da primeira década deste século e à eclosão da crise financeira de 2008 para se encontrar níveis semelhantes.

No último ano e apesar do impacto da crise económica em muitos dos principais países emissores e de um crescimento menos vertiginoso face a anos anteriores, o turismo voltou a crescer de forma bastante significativa, voltou a bater recordes (como o da ultrapassagem da barreira dos 80 milhões de dormidas) e foi, um ano mais, um motor essencial da nossa economia.

Não obstante o referido reforço dos níveis de poupança, o nosso país apresentou, em 2024, o mais elevado salto positivo do consumo privado desde o início do século XXI, sendo esse mesmo consumo privado a principal alavanca de crescimento do Produto Interno Bruto, compensando a anémica evolução do investimento e o comportamento menos positivo da procura externa. Acresce que, apenas por efeito de cadeia, existia a perspetiva de que o crescimento do PIB em 2025 pudesse posicionar-se acima da fasquia de 2,5%,

Depois de dois anos de descontrolo inflacionista, 2024 e este início de 2025 mostravam sinais de que o IPC se manteria em níveis civilizados e, mesmo com as ameaças externas, especialmente as com origem na América do Norte, parecia possível que uma inflação controlada, juros a níveis não muito superiores aos do início de 2022 e uma pressão fiscal um pouco menos acentuada, poderia permitir um novo ano com ganhos a nível de salários reais, de rendimento disponível e, obviamente importante para o universo do grande consumo, ganhos a nível de poder de compra.

Por tudo isto, aos nossos responsáveis governativos e aos principais responsáveis políticos exigia-se, antes de qualquer outra coisa, que não estragassem.

Que nas suas estratégias e cálculos políticos colocassem Portugal e os Portugueses, a nossa Economia e o bem-estar das nossas Populações à frente dos seus interesses pessoais. Que se mostrassem como estadistas e não como meros peões de uma partida de xadrez que ninguém tinha interesse em jogar.

O empurrar o país para eleições antecipadas, coloca Portugal em ‘banho-maria’ num período em que, como se diz atrás, os indicadores macroeconómicos eram positivos e promissores, e nos estavam a posicionar muito bem como destino de negócios, de investimentos e de pessoas.

Num período em que um Governo minoritário e sem suporte parlamentar, era — apesar disso — um oásis de governabilidade numa Europa em permanente convulsão.

Num período em que face ao turbilhão geopolítico e à sucessão de medidas geradoras de instabilidade, maioritariamente provenientes da Casa Branca, se deveria ter um Governo pronto as enfrentar, para reagir e focado na ação e não limitado pelas regras de um Governo de Gestão.

Num período que, coincidindo com o arranque da nova Comissão Europeia e com uma Agenda que se pretende de construção, de impacto e de reforço da UE no quadro global, se deveria ter, em Lisboa e em Bruxelas, um parceiro combativo, ativo e influente e não um apenas um conjunto de responsáveis essencialmente focado no combate eleitoral de maio.

É creditada a Júlio César a citação de que “há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar”. E se em pleno século XXI e mais ainda num país da dimensão e posição de Portugal esta frase parece fazer pouco sentido, ela continua a ser bem representativa desta inconsciente forma de gerir os destinos da nação, com uns quantos que — por mero cálculo político — não têm pejo para arrastar o país para um desfecho inglório, que muito poucos desejavam e que vai ter custos e resultar em oportunidades perdidas de que ninguém, à frente, se responsabilizará.

  • Pedro Pimentel
  • Diretor-geral da Centromarca

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