No marketing em paralelo com a música, Inês Fonseca, da Johnnie Walker, na primeira pessoa
Passo a passo, Inês Fonseca foi construindo uma carreira no marketing a par da atividade musical, que sempre a acompanhou.
Inês Fonseca é head of marketing da Johnnie Walker para o sul da Europa (Espanha, França, Grécia, Portugal e Itália) há mais de três anos, tendo começado a trilhar o seu percurso nesta área em 2007. Mas muito antes do marketing, já a música fazia parte da sua vida — tanto académica como profissionalmente –, pelo que ainda hoje vai conciliando as duas profissões: se num dia está a liderar a estratégia de marketing da marca de whisky no sul da Europa, no outro está a gravar um disco ou a dar um concerto.
Tendo crescido numa casa em que “a forma de expressão e quase de relação é através da música” — a sua mãe é a violinista e política Idália Serrão e o seu pai o guitarrista clássico Silvestre Fonseca — Inês Fonseca sempre viu a sua vida girar em volta da música.
Estudou música clássica durante quase duas décadas, canta desde os quatro anos, compõe desde os 12 e fez dobragens (a cantar) em várias séries e filmes de animação. Como exemplo dá as dobragens que fez nas cenas em que cantou pelas personagens Kiara, no filme “Rei Leão II”, e Mirim, no filme “O Príncipe do Egito”.
Ou seja, foi trilhando um caminho no mundo da música, tanto de forma académica como profissional. Mas, perto de atingir a maioridade e de ter de escolher um futuro, a mãe aconselhou-a, “pelo sim pelo não”, a estudar outra coisa em paralelo com a música.
“E foi uma escolha muito difícil, porque música foi a única coisa que eu tinha aprendido a estudar com afinco. Foi todo um processo de descobrir aquilo de que eu poderia gostar. Acabei por estudar marketing no ISCTE, uma disciplina que fui descobrindo e pela qual me fui apaixonando, porque achei que poderia misturar várias das coisas que eu mais gostava, como arte, literatura, poesia e matemática“, diz em conversa com o +M.
O ISCTE foi para si “a melhor escola possível”, quem lhe “abriu as portas” e quem lhe deu a sua “primeira grande lição”. Numa altura em que muitas empresas pediam recomendações aos professores universitários para integrar alunos em alguns estágios, houve um professor que a recomendou, mesmo sendo uma aluna “mediana”.
“Aquele professor, embora eu não fosse dos alunos que tinham melhores notas, via que eu tinha qualquer coisa. Não tinha as notas, mas tinha qualquer coisa. E é uma lição que ainda hoje me acompanha de como o talento nem sempre se mede com as escalas tradicionais“, recorda.
Foi graças a esse “empurrão” que fez o seu primeiro estágio na Coca-Cola, tendo depois feito outro estágio na Central de Cervejas. Entrou de seguida na Nobre como gestora de produto e, após quatro anos, rumou em 2012 para Espanha, não por uma “jogada profissional” mas por que se tinha “apaixonado por um espanhol”.
Na procura por trabalho em Espanha acabou por entrar na Lego, como brand manager para Portugal e Espanha, naquele que foi o seu primeiro trabalho ibérico e onde esteve durante quase cinco anos. Foi durante esse período que foi seis meses para São Paulo, no Brasil, para montar a estratégia e formar a equipa para um projeto que a marca queria desenvolver.
Quando regressou a Espanha integrou a McDonald’s como marketing manager no mercado espanhol. Dois anos depois foi liderar o marketing da Subway em seis países da zona do Mediterrâneo, até que entrou para o grupo Diageo. Primeiro assumiu a responsabilidade de reposicionar a marca J&B, até que lhe entregaram a direção de marketing da Johnnie Walker, onde continua até agora, liderando, a partir de Madrid, o marketing da marca de whisky em Portugal, Espanha, França, Grécia e Itália.
E numa verdadeira “conciliação” entre as suas duas profissões, quando Inês Fonseca assumiu a função de diretora de marketing da Johnnie Walker, a ideia passava por desenvolver uma estratégia para a marca através do olhar de um músico, o que depois acabou por “dar origem a uma série de coisas”.
Entender o significado do famoso slogan da marca, “keep walking”, foi a primeira pedra na construção da sua estratégia. “O que quer dizer é que muitas vezes nós estamos confortáveis no nosso lugar, estamos bem, mas não acontece nada. Mas, de vez em quando, há pessoas que dão o passo que é mais corajoso, que é incómodo, e é graças a esses passos que essas pessoas avançam e fazem com que os outros avancem também. É esse progresso coletivo que o ‘keep walking’ defende e percebi que tinha uma ligação muito natural ao caminho que fazem os artistas“, diz.
“Depois de pensar imenso sobre diferentes insights que poderiam dar origem à estratégia, acabámos por aterrar nesta ideia de que na indústria musical parece que há um caminho ou uma noção de sucesso específica, que se nós não tivermos parece que estamos a fracassar. Tem de se ter uma editora e encher uma grande sala de espetáculos e tudo o resto parece que é não avançar, quando na verdade, na música e na vida, há milhões de maneiras de avançar“, explica.
Foi esta ideia que deu assim origem à estratégia que a marca desenvolveu na música. O objetivo passava por “dar um novo significado ao sucesso, mostrar que em vez de um caminho de sucesso na música, é possível criar infinitos caminhos, porque havendo infinitos caminhos, há infinitas pessoas que estão a avançar, ninguém está a parar e isso era muito fiel ao nosso keep walking“, refere ainda a diretora de marketing de 38 anos.
A ideia acabou por ganhar vida essencialmente através de uma série documental com oito episódios de meia hora de duração. “E foi todo um sucesso, em tempos em que nos dizem que só podemos fazer coisas de cinco segundos porque as pessoas não aguentam mais. Foi uma série espetacular em que pudemos mostrar caminhos de vários artistas super diferentes, noções de sucesso muito diferentes e correu-nos muito bem”.
Quanto à comunicação da Johnnie Walker, Inês Fonseca entende que esta é “muito pensada“, funcionando como um “puzzle onde diferentes peças trabalham diferentes objetivos“. “Diria também que mais do que estar obcecada com o como, os formatos, os meios ou a IA, é uma comunicação que nasce sempre de um lugar muito honesto, muito consistente, muito coerente com aquilo em que a marca acredita e defende. Diria que isso é o nosso farol e tudo o resto é uma consequência natural“, acrescenta.
Sendo responsável pelo marketing em cinco países europeus, Inês Fonseca diz que são notórias algumas diferenças. Desde logo, Portugal, a par de França, destaca-se como um dos países em que mais whisky se bebe. Além disso, Portugal é também o mais tradicionalista no consumo, uma vez que a generalidade dos portugueses consumidores de whisky o faz sem misturas, enquanto noutros países, como em Espanha, é habitual misturar o whisky com outras bebidas, como Coca-Cola ou Ginger Ale.
E estas diferenças, embora possam não parecer, são algo muito importante de ter em conta. “Quando estamos a gerir vários países é muito importante entender e adaptar as marcas aos países. Não é só traduzir as coisas, é preciso fazer mesmo um trabalho quase psicológico/sociológico de entender as culturas, entender as pessoas, as suas dores, sonhos e passado, porque se não entendermos essas ‘pequenas grandes’ coisas é depois muito difícil fazer um trabalho que seja realmente relevante e que ligue mesmo com as pessoas“, diz a responsável, que lidera uma equipa também ela muito “multicultural”, composta por uma pessoa espanhola, outra grega e outra francesa.
Em termos de agências, a Johnnie Walker trabalha em Portugal com a PHD, enquanto agência de meios, e com a Staff Global, em termos de festivais e eventos.
Passo a passo, Inês Fonseca foi assim trilhando a sua carreira no marketing a par da atividade musical, sendo que hoje em dia continua a fazer os dois trabalhos de maneira profissional, com discos gravados e a dar concertos.
Consegue esta conciliação “dormindo pouco, com muita organização, pouca vida social e muita ajuda”. “É a vida que eu escolhi, acho que não sei ser de outra maneira e por agora não tenciono mudar nada. A música é uma mistura de ofício e identidade, não dá para separar daquilo que eu sou“, afirma.
Além do marketing e da música, Inês Fonseca também adora o ensino. O sonho que sempre teve de dar aulas começou a ser cumprido há cerca de um ano e meio quando iniciou a sua atividade como professora na Miami Ad School Madrid. Atualmente é também co-diretora do mestrado de Estratégia de Marca.
“Adoro contar histórias, falar com os estudantes e dar aulas. Às vezes penso no quanto me faltou ao longo do meu caminho alguém que me dissesse ‘olha, não tens que ser nada de concreto, há lugar para muitos tipos de pessoas, podes ser tu e ter sucesso à tua maneira’. Adorava que alguém me tivesse trazido estas reflexões e é o que eu tento trazer sempre que posso para o mundo do ensino e das faculdades“, explica.
Para lá destes três ofícios “tão mentais e que exigem tanto do interior de uma pessoa”, adora “não fazer nada”. “Tanto o marketing como a música não são profissões que lidem com uma coisa mecânica e em que eu possa não pensar, pelo que tenho imensa necessidade de estar sozinha e não fazer nada. Deitar tempo para o lixo é o meu hobbie preferido“, relata.
Já com “um divórcio às costas de um espanhol” — que continua a ser um dos seus grandes amigos e um dos seus grandes mentores no marketing — do qual “não se arrepende nada”, Inês Fonseca tem hoje em dia um namorado, também ele espanhol e também ele músico (além de motorista de autocarros).
A viver em Madrid, o regresso a Portugal não é algo que “esteja em cima da mesa no curto prazo”, embora seja algo que queira fazer no futuro. “Conheço pessoas que foram para fora e que têm a sensação de que Portugal já fica pequenino para elas. Eu nunca tive essa sensação. Sinto um grande amor por Portugal, acho que é enorme e um dia adorava voltar. Antes de começar a namorar pus logo a condição de que para o Sérgio [o atual namorado] estar comigo tinha de estar aberto à possibilidade de um dia viver em Portugal. E ele adora a ideia, portanto um dia vou voltar”, diz.
Ao longo do seu percurso, a maior provação que tem sentido é a de conseguir “continuar a andar para a frente” sem trair quem é, os seus valores e aquilo em que acredita. Chegada a um ponto na sua vida em que se sente “de forma plena” com as suas duas profissões, e em que a respeitam e valorizam por isso, tem o “sonho” de conseguir que mais pessoas que se cruzem consigo se consigam sentir-se mais reconciliadas com elas próprias e com o seu próprio caminho.
“Penso imenso no momento da minha morte e naquilo que eu gostava de sentir e aquilo que eu gostava que as pessoas sentissem quando partir. E passa muito por aqui: gostava de sentir que não cedi naquilo que não queria ceder, que fui inteira e que fui honesta. Vivi sempre com este propósito em mente e gostava que um dia, quando partir, as pessoas me recordem como alguém que as fez sentir vistas e reconciliadas“, conclui.
Inês Fonseca em discurso direto
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1- Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
A nível nacional, “Quando for grande quero ser contabilista”, da Stream and Touch Guy. Achei brilhante dirigir a campanha aos contabilistas em vez dos contribuintes, usar o humor como veículo de emoção (em vez do clássico apelo à causa em questão), e aproveitar o poder da georreferenciação. Teve resultados brutais (+126% nas doações) e tudo isto baseado num insight muito bom: nunca nenhuma criança disse a frase da campanha. Grande exemplo do poder do storytelling.
Já em termos internacionais, destaco a campanha “Reindeer ready”, da McDonald’s (2018). Com o objetivo de tentar que as crianças pedissem mais cenouras (baby carrots) como acompanhamento, decidiram não só fazer uma campanha (muito bem integrada digitalmente), como até mudaram o nome das cenouras para “Reindeer treats”. Além de me parecer brilhante o insight (em Inglaterra deixam-se cenouras para as renas do Pai Natal, na noite de 24 de dezembro), poucas vezes vi uma ideia tão bem integrada (ao ponto de mudarem o próprio packaging e o nome do produto). Os resultados foram brutais, com um aumento de 240% nos pedidos de cenouras, entre outros resultados impressionantes.
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2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
A decisão arriscada, sem o conforto dos dados objetivos, em que entra em jogo a visão, a aposta, a intuição e a capacidade de assumir a responsabilidade, para o bem e para o mal.
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3 – No (seu) top of mind está sempre?
O “porquê” por trás de tudo o que faço e os “KPI’s de vida” que tenho. Se não trair nenhum dos dois, no triunfo e no fracasso, está tudo bem.
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4 – O briefing ideal deve…
Ser honesto, valente e com espaço para questionar, incendiar, e melhorar entre todos.
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5- E a agência ideal é aquela que…
Luta pelas suas ideias e consegue ter uma energia criativa resiliente, coisa que é todo um esforço hercúleo nesta indústria e nos tempos que correm.
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6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Diria que é mais importante arriscar – mas sempre com uma noção clara e honesta do que a marca representa, que valores tem, que “linhas vermelhas” não pode cruzar, por que propósito se levanta cada dia. Se isso estiver no sítio, o risco é sempre calculado. Mas sem risco, é tudo água morna que não ferve nem cozinha nada.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Dar-me-ia ao luxo de levar a cabo muito mais ideias criativas que não necessariamente dão resultados a curto prazo, mas que oxigenam a marca, a indústria, que desenvolvem talento criativo e o põe no mapa. É muito bom termos cada vez melhor tecnologia e medições; às vezes, penso que isso também é o maior inimigo da criatividade pura e do risco necessariamente associado a ela.
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8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
Sinto sempre que é uma espécie de bebida fresca com um sabor exótico que, sendo-nos familiar, nos faz sempre arregalar os olhos e dizer “wow! Que surpresa”.
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9 – Construção de marca é?
Paciência, verdade, identidade e sociologia.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Como também sou cantora, não vale dizer a música. Mas se não fosse nada disto, acho que gostava de ser professora ou psicóloga.
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