
Flexibilidade ou oportunismo
Neste mundo difícil e imprevisível, o papel do CEO tem de ser repensado. E como Elon Musk aprendeu recentemente, a reputação não é um ativo acessório e incontaminável. É o diferencial estratégico.
Recentemente almocei com um amigo, headhunter de profissão, homem experiente e atento à sociedade e ao que realmente move e motiva os CEO das nossas empresas. O almoço andou à volta do tema do que necessitam hoje para executar a sua missão e de quanto mudaram nos últimos tempos essas necessidades.
A verdade é que hoje vivemos num mundo mais polarizado do que nunca e onde os líderes empresariais são frequentemente chamados a posicionarem-se sobre temas que ultrapassam, e muito, o contexto que tínhamos sobre a gestão. A profunda clivagem que hoje existe em temas sociais, culturais e políticos levam marcas e empresas a terem de assumir decisões e posturas — ou, como diz o meu amigo, muitas vezes a fingir que o fazem…
Naturalmente que a discussão teve de abordar a questão recente das taxas americanas e da necessidade de os Estados Unidos terem de, independentemente do presidente, implementar um programa de austeridade, neste caso disfarçado, pois o seu atual líder de maneira alguma o iria querer admitir. Mas a verdade é só uma, se o nosso país tivesse 7% de déficit nas contas públicas, 120% do PIB em dívida pública, a que acresce quase mais 70% de divida privada, as campainhas em Bruxelas há muito que já tinham voltado a tocar.
No meio desta reflexão acrescentei que já há empresas e marcas americanas a abandonarem os seus programas de Diversidade, Equidade e Inclusão. E isto a reboque das decisões do Presidente que fez o mesmo em organismo públicos e nas, até agora intocáveis, Forças Armadas.
A certa altura da conversa, o meu amigo foi taxativo: “Os princípios, o DEI, a solidariedade social… isso pouco importa. Os CEO abordam o ESG apenas porque os fundos de investimento o exigem. Ponto.” Fiquei a pensar na dureza desta afirmação. E na facilidade com que se conseguem confundir conceitos e princípios que me parecem fundamentais: flexibilidade com ausência de valores, pragmatismo com cinismo e adaptação com oportunismo.
Nunca duvidei, nem por um segundo, que a flexibilidade é uma qualidade admirável e muito importante para qualquer liderança. A capacidade para conseguir entender o contexto, rever estratégias e ajustar prioridades, são críticas neste mundo instável em que vivemos. Mas flexibilidade não pode nunca ser confundida com ausência de convicções. Um líder que muda de posição consoante o vento do poder ou do comentário público não é ágil nem flexível. É apenas amoral. E isso terá um custo para a sua organização, pois essa postura vai ter uma leitura interna — nomeadamente na fragilização da cultura e da desconfiança das suas pessoas — e uma externa, comprometendo o mais importante fator de construção de uma marca, a consistência.
Já aqui escrevi que a polarização do mundo está a fazer surgir novas espécies de marcas — MAGA e WOKE — que são sintoma disso mesmo. Cada vez mais vemos empresas que estão a abandonar as suas anteriores políticas defendendo uma visão mais conservadora do mundo. Do outro, estão outras que defendem valores sociais e ambientais no seu posicionamento. Não faltará muito para que estas sejam as visões de blocos económicos que irão lutar com as armas que têm. Um pela imposição de tarifas económicas, outra pela legislação de práticas ambientais e sociais. O resultado será o mesmo, uma maior dificuldade para as marcas chegarem aos seus consumidores de outros mercados que não sejam o seu de origem.
É neste mundo difícil e imprevisível que o papel do CEO tem de ser repensado. A liderança contemporânea vai exigir mais do que apenas excelência operacional. Irá exigir uma capacidade ímpar de ler o mundo e do entender. O timoneiro muda de rumo para fugir à tempestade, mas mantém o destino como objetivo. É ainda mais importante que exista coragem e consistência para que não o perca de vista. E como Elon Musk aprendeu recentemente, a reputação não é um ativo acessório e incontaminável. É, antes, o diferencial estratégico.
As empresas não precisam de ser nem militantes nem ativistas. Mas precisam de saber exatamente quem são e o que querem ser. O CEO, não tem de ter todas as respostas prontas para serem respondidas. Ninguém lhe pedirá isso. Mas pede-se que tenha clareza nos princípios que guiam as suas decisões.
A verdadeira flexibilidade não está no mudar por mudar, nem no abdicar de tudo. Está no saber adaptar-se mudando a rota, mas não o destino. E tudo o que nos tem de nortear são os valores, seja para as marcas, seja para as pessoas. Quando os perdemos ou os trocamos, estamos a desistir de aquilo que mais nos distingue: A dignidade.
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