A definição de um produto e os cuidados com o excesso de sal na batata frita

  • Vitor Cunha
  • 11:22

Pedro Nuno Santos vive o complexo de Kamala. Na verdade, lá como cá, a mistura entre questões pessoais e públicas não faz mexer o ponteiro

Os partidos perdem eleições por um ror de razões cumulativas: falta de adesão à realidade e dificuldade em falar para os seus públicos, ou mesmo por não saberem quem são os seus públicos; lideranças frágeis; combatividade e melhor preparação da concorrência; divisões internas no partido; má comunicação, entre outras.

Pedro Nuno Santos parece ter ganho um jackpot, porque vai somando todas estas razões.

No dia 6 novembro de 2024 eu estava nos EUA, em Washington, para viver o dia das eleições presidenciais, tendo a vaga noção de que a vitória de Donald Trump seria um momento histórico, daqueles que mudam as nossas vidas. E assim tem sido, de facto: Trump é um disruptor, coveiro da velha ordem, cavaleiro do apocalipse, homem de negócios que descobriu na política uma distração do ego e uma forma de consolidar poder e riqueza pessoal. Mesmo sendo assim, Trump ganhou as eleições a Kamala, um feito extraordinário (da vice-presidente).

O Partido Democrata americano abandonou o seu povo e imaginou um outro país, mais urbano, woke, que lê o New York Times, o Politico e vê notícias nos canais por cabo. Acontece que os EUA são muito mais do que isso: o NYT é lido por uma grande elite que gosta de saber o que já sabia; a CNN em horário nobre é menos vista em todos os EUA (população de 347 milhões) do que o “Jornal da Noite” da SIC (população de 10,4 milhões).

Na verdade, lá como cá, a mistura entre questões pessoais e públicas não faz mexer o ponteiro. Pedro Nuno Santos vive o complexo de Kamala: face a um oponente que “caiu” pelas razões que caiu, nunca foi capaz de perceber que, para a maioria dos portugueses, a empresa da família de Montenegro é muito menos importante que a sua própria família, o seu futuro e o seu presente. E cá, como lá, socialistas e democratas imaginam um mundo paralelo. O vulgo imagina repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos, já dizia Maquiavel.

Neste contexto político, social e demográfico temos ainda de acrescentar um dado significativo: o mundo ocidental está mais inclinado para um dos lados. Nas eleições legislativas de 2022, PSD, IL e Chega obtiveram 39,7% dos votos; nas de 2024, 54,4%; agora, há sondagens a apontar para cerca de 58%.

[Num certo sentido, o erro da esquerda é também o erro de muitos meios de comunicação tradicional, que não perceberam os respetivos mercados e têm insistido numa agenda distante da maioria, talvez porque não perderam a ambição de serem bússola do povo ignorante. O povo ignorante respondeu na mesma moeda e deixou de votar neles e de ler jornais, ou pelo menos pagar para os ler.]

Há aqui um tema de comunicação e marketing mais amplo: quem precisa de vender um produto ou uma ideia tem de definir muito bem as suas características (mais açúcar, menos sal, consistência, etc) conhecer os mercados e os seus contextos, escolher os canais de distribuição e estar disponível para ajustar se a procura está abaixo do plano de negócios. Pedro Nuno Santos ensaiou uma aproximação com o tema da emigração e adocicou-se no discurso e no modo. Mas, mais uma vez, não contou com a esperteza do tal povo, que considerou estranha a mudança súbita: pode uma batata frita ter sabor a mel?

Nota: o mundo dá sempre muitas voltas e ainda falta uma semana para o julgamento final, mas não se vislumbra, em circunstâncias normais, uma inversão. O PCP e os sindicatos, aliás, resolveram dar uma ajuda extraordinária a Luís Montenegro ao convocarem uma greve terrível que penaliza milhões de pessoas — os de sempre, os mais pobres, porque os outros andam de automóvel. Esta greve é terceiro-mundista, desproporcional e injusta para quem precisa de trabalhar e viver e os seus responsáveis deviam prestar contas porque a irresponsabilidade tem limites.

  • Vitor Cunha
  • CEO da JLM & Associados

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