O Estado, sempre o Estado!

  • João Santos
  • 9:54

O que aconteceria se com o Estado como titular de um sistema de medição existisse um canal que ganhava preponderância em relação a outro? Seria a medição mais uma arma política?

Li com algum espanto uma proposta recente de um responsável por um canal televisivo que gostaria de ver o Estado a assumir uma parte dos custos de medição de audiências. Embora entenda que os operadores estão a enfrentar crescentes encargos e uma concorrência cada vez mais feroz e fragmentada, a proposta representa uma abordagem enviesada sobre o papel do Estado na economia, e em concreto na regulação dos mercados mediáticos.

A subsidiação estatal de um sistema de audiência não será capaz de resolver o problema estrutural da obsolescência técnica destes modelos, como corre ainda o risco de promover uma distorção do mercado, perpetuar ineficiências e criar um complicado precedente de financiamento público de serviços que são, por natureza e definição, ferramentas de gestão e planeamento comercial de entidades privadas.

Desde logo, é fundamental recordar que a medição de audiências, seja em televisão, rádio, digital, imprensa ou publicidade exterior, é uma necessidade operacional do setor privado. É uma atividade comercial, destinada a obter indicadores de performance, a orientar investimentos publicitários e a justificar escolhas. É o equivalente mediático aos painéis de consumo que as marcas adquirem para saberem qual a sua quota de mercado e avaliarem a sua performance comercial. Faria sentido o Continente e o Pingo Doce ou a Unilever e a Procter & Gamble solicitarem ao Ministério da Economia para subsidiar os seus dados de negócio?

Se o sistema atual de medição televisiva apresenta algumas falhas, distorções ou custos desproporcionados, a resposta não tem de passar necessariamente pelo erário público suportar os erros que não cometeu, mas sim reformular os modelos, integrar novas tecnologias e aproveitar fontes de dados alternativas e mais modernas.

O mercado tem soluções. Desde logo as plataformas de distribuição que recolhem dados de consumo extremamente granulares, e em tempo real, com um nível de detalhe muito superior ao das amostras tradicionais. E ainda com a capacidade de fornecer métricas de visualização ao segundo, identificar padrões, segmentar por perfis e integrar a análise entre conteúdos lineares e on demand. O verdadeiro desafio não está na inexistência de dados — até os há em abundância – mas antes na construção de standards comuns e auditáveis que possam substituir o modelo existente com maior transparência, menor custo e maior relevância. E liderar essa transição envolvendo os vários interessados nestas informações.

Muito se tem falado no papel do Estado na Comunicação social. E com alguma razão, enquanto garante da Democracia e do pluralismo. O que aconteceria se com o Estado como titular de um sistema de medição existisse um canal que ganhava preponderância em relação a outro? Seria a medição mais uma arma política pronta a ser arremessada para quem a titulasse? O que ganharia o Estado com este sistema? E como ficariam os outros meios? Quem iria assegurar as medições do digital? E da rádio? Seria também o Estado?

O Estado tem um papel a desempenhar estabelecendo normas técnicas que protejam a concorrência e que garantam sistemas que sejam transparentes para todos os intervenientes no mercado. Não pode, e não deve, substituir-se ao setor privado naquilo que deve ser a sua responsabilidade técnica e estratégica. A televisão, como outro qualquer setor económico, deve saber reinventar-se. E tem de passar por reconhecer que a mudança que estamos a viver não passa por manter as métricas para não alterar o modelo de negócio. Antes pelo contrário. A solução está nas mãos dos vários participantes do mercado e na sua capacidade de inovação e cooperação conjunta.

Num tempo em que os dados abundam e a tecnologia oferece respostas, cabe ao mercado liderar as mudanças e permitir que o Estado seja apenas o garante de que ela ocorre de forma livre, justa e transparente para todos os intervenientes.

  • João Santos
  • COO do WYgroup

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