“Banco de Fomento tem de mudar e ser mais próximo das necessidades das empresas”, diz presidente da CCDR Centro

A presidente da CCDR Centro alerta que as agendas mobilizadoras poderão não ser executadas a tempo. Isabel Damasceno em entrevista no podcast 'ECO dos Fundos'.

A presidente da CCDR Centro considera que “o Banco Fomento tem de afinar os seus procedimentos” para se aproximar “daquilo que são as necessidades das empresas”. Em entrevista ao ECO dos Fundos, o podcast semanal do ECO sobre fundos europeus, Isabel Damasceno admite ter receio que as agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não sejam concluídas a tempo e considera que os programas do Portugal 2030 vão acabar por ter de sofrer uma reprogramação devido aos atrasos da bazuca.

Isabel Damasceno considera que “nunca houve essa proximidade” e manifesta o desejo que, com a entrada da nova administração de Carlos Leiria Pinto e Gonçalo Regalado mude essa situação. “Tenho alguma esperança de que a coisa mude. Objetivamente, tem de mudar“, sublinha.

A presidente da CCDR Centro reconhece que era “interessante para as empresas e para a competitividade” se a taxa de IRC descesse mais do que um ponto percentual, a descida possível após o acordo com o PS para viabilizar a proposta de Orçamento. “O Orçamento de Estado, ou a política, é a arte do possível”. “Os objetivos políticos eram mais importantes, neste momento, do que qualquer taticismo para fazer descer“, disse quando questionada se a política acabou por fazer desperdiçar uma oportunidade que teria sido benéfica para o tecido empresarial.

A responsável admite ter “algum receio” que a execução das agendas mobilizadoras “não seja eficaz a tempo e horas” e aponta o dedo ao facto de algumas agendas terem uma ambição desmedida e a conjuntura também não ajudar.Receio que se [as agendas] não tiverem sucesso, não digo todas, mas pelo menos um número interessante das agendas mobilizadoras até 2026 (o prazo que temos), possam desmotivar o interesse neste projeto. O que é uma pena”, frisou.

Os atrasos o PRR, segundo Isabel Damasceno, serão “um motivo fortíssimo para podermos introduzir a possibilidade de uma reprogramação” dos programas do Portugal 2030. E sim, também o facto de ainda não estar muito adiantado, porque, no fundo, o nosso 2030 acabou por se arrastar do ponto de vista de início. Pelo atraso com que acabou o 2020, isto tudo está em cadeia.

O ex-líbris do Centro é indústria. Gostaria que o Centro tivesse mais dotação para apoiar as empresas?

Não. A percentagem maior da dotação do Centro 2030, dos 2,2 mil milhões de euros, cerca de 52 a 53% são para a competitividade, de uma maneira geral. Pode não ser para a empresa diretamente, mas também para as áreas de acolhimento empresarial, etc. Acho que é suficiente para o programa ter um equilíbrio territorial.

Uma das grandes alterações do PT2030 foi afastar as grandes empresas dos apoios, a não ser que venham com PME, num regime de copromoção. Isso prejudica a região e a competitividade nacional?

É evidente que era muito bom que fosse possível tudo. As pequenas, as micro ou as médias, as grandes. Isso era o ideal. Mas não sendo possível, porque foi regra imposta pela Comissão Europeia, prefiro ter dinheiro para apoiar as micro, as pequenas e as médias do que as grandes, porque efetivamente o tecido empresarial da região é destas empresas. O nosso tecido empresarial é das médias, das pequenas e das microempresas. Esta é que é a nossa realidade.

Esse é o retrato nacional. Mas as empresas precisam ganhar escala. Ter mais médias empresas, passar as médias a grandes, porque de outra forma a economia do país não avançará…

É bom que isso aconteça, mas também não é preciso que seja tudo grande. Acho que é isto que equilibra o tecido empresarial e a própria competitividade. Uma grande empresa — infelizmente já tivemos experiências dessas no país — se por qualquer razão se resolve deslocalizar, tem uma consequência enorme na região onde estava instalada: em termos de desemprego, sociais, em todos os aspetos. Já as pequenas e médias conseguem equilibrar-se melhor perante as conjunturas internacionais e as pandemias, etc, etc. E isso acaba por dar um equilíbrio e uma sustentação económica e social às regiões. Portanto, volto a dizer, é importante haver grandes empresas.

Mas há poucas grandes empresas.

Há poucas grandes empresas e considero que para o país era bom, que tivesse mais.

Que instrumentos fazem falta para as empresas ganharem escala?

Há uma certa tendência para o isolamento. Elas não se associarem. Não criarem…

É uma questão de mentalidade mais do que ausência de instrumentos financeiros?

Sobretudo, é uma questão mentalidade. Eu acho.

É por isso que os instrumentos que o Banco de Fomento, por exemplo, põe à disposição, parecem não cativar o interesse das empresas? Ou o problema está na forma como o banco funciona?

Há uma responsabilidade mista. Há uma tendência natural a não procurar este tipo de apoios, por uma questão de mentalidade e de cultura. Mas acho também que o Banco Fomento tem de afinar os seus procedimentos.

Há uma tendência natural [das empresas] a não procurar este tipo de apoios, por uma questão de mentalidade e de cultura. Mas o Banco Fomento tem também de afinar os seus procedimentos.

O que é que gostaria de ver mudado no banco?

Mais próximo daquilo que são as necessidades das empresas. Não houve essa proximidade.

Não houve desde nunca?

Nunca houve.

Sentiu algum tipo de mudança com a mudança da CEO Beatriz Freitas para Ana Carvalho?

Acho que nunca houve.

E está expectante com a nova administração?

Esperemos. A esperança, é a última coisa a perder. Portanto, tenho alguma esperança de que a coisa mude. Mas tem de mudar. Objetivamente, tem de mudar.

Senão o banco não cumpre as suas funções?

Senão, não cumpra a sua missão.

Gostaria de ter visto no Orçamento de Estado uma revisão em baixa mais significativa da taxa de IRC?

É interessante para as empresas e para a competitividade. Mas o Orçamento de Estado, ou a política, é a arte do possível. E portanto foi o possível. Mas se fosse possível uma, uma percentagem maior era melhor.

Politicamente perdeu-se uma oportunidade? Ou melhor, a política acabou por fazer desperdiçar uma oportunidade que teria sido benéfica para o tecido empresarial?

Os objetivos políticos eram mais importantes, neste momento, do que qualquer taticismo para fazer descer.

Acabou por ser preferível descer menos o IRC e termos um Orçamento aprovado do que entrámos numa crise institucional?

Tal e qual, interpretou direitinho aquilo que eu quis.

Receia que no próximo Orçamento se acabe por viver em duodécimos porque se vai voltar a colocar a mesma situação?

É muito tempo para fazer essa futurologia. As coisas na vida mudam de um dia para o outro e na política então, com uma rapidez enorme. Vamos aguardar. O que importa agora é termos Orçamento. É importante para tudo: para o país para a economia, para as famílias, para tudo. E se tivermos Orçamento, vamos executá-lo e depois logo se vê o que é que vai acontecer para o ano.

Isabel Damasceno, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), em entrevista ao podcast "ECO dos Fundos" - 31OUT24
“Os objetivos políticos eram mais importantes, neste momento, do que qualquer taticismo para fazer descer” o IRC, diz Isabel Damasceno, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, em entrevista ao podcast ECO dos Fundos.Hugo Amaral/ECO

Com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) criou-se o modelo das agendas mobilizadoras. Grandes empresas que se associam em consórcios com outras empresas, universidades e politécnicos. Gostava que esta lógica se perpetuasse nos fundos europeus?

É uma lógica muito interessante e teoricamente gostaria que sim, que houvesse sempre oportunidade de ter alguma verba para agendas mobilizadoras no futuro. Tenho, por outro lado, algum receio é que a sua execução não seja eficaz a tempo e horas, que é o grande problema do PRR, como todos sabemos.

Particularmente nas agendas mobilizadoras.

Particularmente nas agendas mobilizadoras, porque é muito mais fácil, apesar de tudo e das dificuldades, fazer uma obra física (uma escola, um centro de saúde, uma residência de estudantes, etc). Apesar das dificuldades, que são várias, de mão-de-obra, de empreiteiros de toda a ordem, até de materiais, do que levar à prática as agendas mobilizadoras, porque, tal como o nome indica, são muito mais imateriais. São mais de interesses, de parcerias, de redes. Receio que se não tiverem sucesso, não digo todas, mas pelo menos um número interessante das agendas mobilizadoras até 2026 (o prazo que temos), possam desmotivar o interesse neste projeto. O que é uma pena, porque o projeto está bem idealizado, é muito interessante. Gostaria de lhe dar continuidade, mas vamos todos aqui torcer para que corra bem.

As agendas foram mal desenhadas, com consórcios excessivamente grandes que os tornam ingeríveis? Ou foi um problema de vicissitude, por exemplo nas agendas da energia assentes no hidrogénio que ainda não tem a maturidade devida?

Há as duas coisas. Há agendas em que houve uma ambição desmedida de fazer uma rede enormíssima, com parceiros que nunca mais acabam, e depois é muito difícil conciliar interesses e vontades. E esse foi um problema. É muito mais fácil concluírem-se até 2026 agendas muito mais equilibradas do ponto de vista de parcerias, mais pequenas. E depois, a conjuntura também não ajuda. Aí tem razão, há uma tipologia de agendas que também vão sofrer com essas consequências todas

Receio que se não tiverem sucesso, não digo todas, mas pelo menos um número interessante das agendas mobilizadoras até 2026 (o prazo que temos), possam desmotivar o interesse neste projeto. O que é uma pena.

No fim, em 2026, Portugal vai acabar por não conseguir executar os 22,2 mil milhões a que tem direito?

Estou em crer que se não conseguir mesmo, mesmo os 22,2, que consiga valores muito aproximados. Mas vai ser um esforço de toda a gente, de todos os parceiros muito difícil.

Na sua região, se houver agendas mobilizadoras que vão ficar pelo caminho, ou pelo menos não conseguem a totalidade dos objetivos a que se propuseram, já pensou o que é que lhes vai fazer para tentar ajudá-las? Sendo projetos válidos, com um impacto dinamizador na economia, o que vai tentar fazer para as ajudar?

Só há duas hipóteses ou tentar encontrar soluções dentro do Orçamento de Estado, que é sempre complicado, como é imaginável. Ou então termos dentro do nosso próprio programa 2030 e encontrar soluções para lhe dar continuidade ou para permitir que elas terminem. Provavelmente, dependendo do andamento, das conclusões, de como vai acabar o PRR, provavelmente terá de haver, a prazo, uma reprogramação dos nossos programas para poderem vir absorver algumas coisas do PRR, que possam, aqui ou ali, ter corrido menos bem.

Já tem sinalizados alguns projetos que vão precisar desse faseamento que Bruxelas agora permite, precisamente para essas circunstâncias em que a parte do projeto que não encaixa no PRR depois ser executado com verbas do Orçamento do Estado, do PT2030 ou empréstimos do BEI?

Por exemplo, também é outra alternativa.

Já tem na sua região projetos sinalizados?

Por enquanto não temos sinalizado.

Não têm nenhum investimento sinalizado?

Temos a noção que poderá haver. Não está propriamente sinalizado: ‘este projeto, de certeza que não vai conseguir acabar-se no PRR, mas nós que estamos a acompanhar muito perto, temos uma noção de que haverá uns três ou quatro que dificilmente acabarão.

A reprogramação do Portugal 2030, dependente do PRR, será mais fácil pelo facto de o novo quadro comunitário estar a iniciar-se tão tardiamente?

Acredito que sim. E há aqui um motivo forte. Se for, por incapacidade, impossível mesmo, total de terminar no PRR, há aqui uma justificação para se poder fazer essa reprogramação. Sabemos que Bruxelas nunca assume muito bem às reprogramações dos programas. Por eles começava-se de uma maneira e acabava-se como está. Mas acho que haverá aqui um motivo fortíssimo para podermos introduzir essa possibilidade de uma reprogramação. E sim, também o facto de ainda não estar muito adiantado, porque, no fundo, o nosso 2030 acabou por se arrastar do ponto de vista de início. Pelo atraso com que acabou o 2020, isto tudo está em cadeia.

E que se introduz um PRR pelo meio.

Introduziu um PRR pelo meio.

Com a mesma dimensão de um quadro comunitário normal.

Tal e qual. Em simultâneo, estávamos a terminar o 2020, que ainda está neste momento em fase de encerramento formal, administrativo, de contas, etc. Estamos a arrancar o 2030 e temos o PRR como um objetivo até 2026 e temos no 2030 objetivos exigentíssimo para 2025.

A aplicação da regra do N+3.

Da regra N+3, a chamada regra da guilhotina que se não se consegue executar, é dinheiro a devolver e ninguém quer fazer isso. Temos aqui, a curto prazo, objetivos muito, muito exigentes, para os quais temos de estar todos muito atentos.

Isabel Damasceno, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), em entrevista ao podcast "ECO dos Fundos" - 31OUT24
“A proximidade ajuda não só a distribuir melhor o dinheiro como a controlar a sua execução”, defende Isabel Damasceno, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), em entrevista ao podcast ECO dos Fundos.Hugo Amaral/ECO

Já se fala no pós-2028, ou seja, no quadro comunitário seguinte, com a entrada em funções da nova Comissão Europeia. Gostaria de ver uma alteração da lógica de atribuição dos subsídios, passando a utilizar a lógica que se aplica agora o PRR, ou prefere uma continuidade das regras que são utilizadas ao nível da Política de Coesão?

Muito melhor as regras que atualmente se utilizam, das regiões e da distribuição por regiões.

Porquê?

A proximidade ajuda não só a distribuir melhor o dinheiro como a controlar a sua execução. Um dos grandes problemas do PRR — que não é altura de o corrigir, porque agora o que nos interessa é executar e estamos todos focados nisso — foi a sua centralidade. Foi um programa pensado para ser gerido pelos organismos das administrações centrais. Houve agora uma correção, aqui ou ali, no caso das escolas, também já estamos a gerir o programa Escolas do PRR. Mas, inicialmente, tudo isto estava centralizado. A Administração Pública Central estava preparada para uma coisa destas e a verdade é que tem tido dificuldades na sua gestão E por outro lado, a máquina de fundos está montada nas regiões com muita experiência de há muitos anos. Portanto, continuo a achar que é um erro se vierem a pensar no 2030 futuro numa gestão centralizada.

Quando diz que a máquina dos fundos está montada a nível regional, receia que em auditorias futuras, quer seja do Tribunal de Contas, quer do Tribunal de Contas Europeu, que se venham a detetar mais erros e fraudes ao nível da bazuca do que aquelas que, se normalmente detetar, iam ao nível da Política de Coesão?

Não, acho que não. A centralidade não significa que vão encontrar mais erros. Isso não. Acho é que para se executar um programa desta dimensão que é equivalente a um programa dos normais, é preciso haver uma grande experiência, uma máquina muito oleada na questão dos avisos, das submissões e aprovações de candidaturas, pagamento. Esta máquina toda. E os serviços da Administração Central que ficaram com estas incumbências, nas várias áreas, não tinham prática destas atividades. Enquanto nas regiões esta prática vem montada desde os primeiros quadros comunitários.

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