Os media “não falam o suficiente, podem e deviam falar mais”

Carla Borges Ferreira, Diogo Simões,

A cooperação entre grupos de media, o papel dos reguladores e do Governo, inclusive na nova legislação para os media, e os desafios do áudio, em entrevista a Salvador Ribeiro, CEO da Bauer Portugal.

Se queremos um mercado transparente, temos que saber dialogar com todos“. A convicção é de Salvador Ribeiro, CEO da Bauer Media Áudio Portugal, dona da Rádio Comercial, M80 ou Smooth FM, e refere-se tanto à relação com outros grupos de media como com as agências, os reguladores ou o Governo.

Portugal era dos poucos países que não tinha alinhado standards de áudio digital, e foi feito. Quando o objetivo é claro, a conversa é muito fácil”, dá como exemplo.

“A concorrência faz-se na produção de conteúdos, na disputa da atenção e na disputa do mercado publicitário. Na distribuição não se faz concorrência, concordo“, retira também das palavras de José Luís Ramos Pinheiro, administrador do Grupo Renascença Multimédia, que em fevereiro, em entrevista ao +M, sugeria uma maior aproximação entre grupos e a criação de um agregador nacional de podcast. Dos reguladores, Salvador Ribeiro espera que venham a tornar-se “um ponto de encontro” dos operadores e que queiram “criar valor no mercado”.

É um processo de maturidade, um processo e um caminho que temos que fazer. Vivemos num mercado que é maduro e, num mercado maduro, o papel dos reguladores é muito mais na promoção da criação de valor do que propriamente na vigilância ou numa fiscalização”, aponta. Em termos de legislação para a comunicação social, prometida para os próximos meses, Salvador Ribeiro encontra uma oportunidade para se “agilizar, flexibilizar, de tornar mais dinâmico este mercado”.

A concorrência hoje em dia é completamente diferente, a concorrência pela atenção, que significa mercado publicitário, é completamente diferente e, portanto, temos aqui algumas oportunidades para, ao mesmo tempo, tratar do equilíbrio editorial dos grupos, combinado com uma maior sustentabilidade financeira”, defende.

Os três pilares da estratégia de negócios da Bauer Media Áudio Portugal, os desafios da monetização do digital e em particular do áudio, a cooperação entre grupos de media, o papel dos reguladores e do Governo são alguns dos temas abordados na entrevista e aos quais pode assistir/ouvir na íntegra, em vídeo ou podcast.

Estará a dar-se a possível entrada da MediaForEurope em Portugal, através da compra de uma posição de controlo na Impresa. A Bauer também está em Portugal desde 2022, quando comprou as rádios então do grupo Media Capital e, em 2024, a A Bola foi comprada pelo grupo suíço Ringier. Portugal é um mercado atrativo para os grupos de media internacionais porquê?

Portugal tem um mercado de media muito inovador e, nesse sentido, tem marcas e negócios que são atraentes para empresas estrangeiras.

Sem falar em grandes casos concretos, aquilo que a Bauer viu na operação de rádio da Media Capital foi uma operação sólida, com marcas e pessoas capazes de a levar para um outro nível. Aquilo que a Bauer nos trouxe foi a proximidade com mercados em algumas áreas mais maduras do que o português e também a capacidade de virem ver, e já agora tirarem ideia, de coisas que fazemos bem, e muitas vezes melhor, do que se faz lá fora.

Nesse sentido, era uma aproximação natural. Olhando para trás, trouxe-nos uma cultura nova, muito menos hierarquizada, muito mais ágil, trouxe-nos um plano estratégico importantíssimo, trouxe-nos novas formas de trabalhar. Acho que são ingredientes muito importantes para o sucesso desta empresa, não só na sua posição relativa no mercado português, onde somos líderes, mas sobretudo para ainda ter mais capacidade de inovar e de trazer produtos que possam satisfazer mais os nossos públicos, os nossos ouvintes.

Bem-vindos, quem vier com novas práticas, práticas diferentes, quem vier com inovação e quem vier acrescentar valor ao mercado. É bom para os colaboradores das empresas, é bom para os auditórios, os telespetadores e é muito bom para os anunciantes.

O que vê na vinda da Bauer pode ser generalizado? Portugal é um mercado pequeno, porque motivos um grande player internacional pode querer uma televisão ou um jornal desportivo português?

Acho que, sobretudo, aquilo que se quer são empresas que tenham marcas fortes e que tenham uma relação com os seus consumidores muito próxima. A título de exemplo, todas essas empresas têm e não vejo nenhuma preocupação em movimentos como esse. É perfeitamente natural. Bem-vindos, quem vier com novas práticas, práticas diferentes, quem vier com inovação e quem vier acrescentar valor ao mercado.

É bom para os colaboradores das empresas, é bom para os auditórios e é muito bom para os anunciantes, se isso quiser dizer projetos de media, projetos editoriais, mais robustos, mais sólidos e com capacidade de oferecer mais inovação. Parece-me um movimento natural.

Salvador Ribeiro, CEO da Bauer Media Audio Portugal, em entrevista ao ECO/+M Henrique Casinhas/ECO

Tentando perceber do lado do comprador, Portugal pode de alguma forma servir quase como balão de ensaio para mercados maiores ou mais maduros?

Sim, depende das áreas. Os países de língua portuguesa têm também mercados de media muito maduros. Em Portugal já assistimos a alguns processos de internacionalização alavancados na língua.

Nenhum deles correu particularmente bem.

Percebe-se que a media, a produção de conteúdos, tem muito a ver com o nosso background cultural, as nossas experiências passadas, as nossas referências culturais e, portanto, não é automático. Mas se é verdade que há casos que não correram bem, é verdade também que há casos que foram promissores. A língua portuguesa é uma oportunidade, não acho que seja uma oportunidade imediata e obrigatória.

Países como o Brasil têm um mercado de media muito desenvolvido e os países africanos de língua portuguesa têm culturas muito vincadas. Quando temos a tentação de transpor modelos, quase como copy+paste de modelos que funcionam em Portugal para os outros países, com certeza que não nos damos bem.

97% desta chamada geração Z consome semanalmente conteúdos em áudio. E isto para nós é uma oportunidade enorme.

No caso da Bauer, Portugal é ou foi visto como porta de entrada para mercados de língua portuguesa?

Não, Portugal é o foco. Já sabíamos, antes da aquisição da Bauer, que temos este mercado para trabalhar e que temos uma diáspora que é muito importante, e muitas vezes não a trabalhamos ativamente, mas sabemos bem o impacto que os nossos programas têm nas pessoas que estão emigradas e a ligação que estabelecem ao país através dos nossos programas.

É um mercado muito relevante, estamos a falar de mais 10 a 15% da população portuguesa, não é de deitar fora. Esse mercado da emigração também é um foco para os conteúdos que desenvolvemos.

E com o áudio digital é muito mais fácil.

Com o áudio digital é muito mais fácil. A transformação que estamos a fazer torna tudo muito mais fácil.

Portugal tem algum desafio concreto, ou alguma especificidade, em relação aos outros mercados nos quais a Bauer está?

Tem. A nossa capacidade de criar eventos tem sido muito apreciada e muito monitorizada por colegas nossos de outros países. Eventos não só para as nossas marcas, mas também para marcas terceiras, parceiras que venham connosco. É essa capacidade, quase numa lógica de agência, que estamos a oferecer no mercado.

É uma área que está a crescer. Quanto é que representa?

É uma área que está a crescer e que faz parte do nosso plano. A Bauer não está cotada, não gosto de falar de números, mas é relevante. Já começa a ser relevante e, sobretudo, aquilo que me anima é que tem um plano de expansão.

Divulgaram em setembro um estudo sobre a geração Z. O que destaca como o mais importante?

É um estudo que se insere numa lógica de querer estreitar ainda mais relações e criar conteúdos para estas gerações, que são os nossos consumidores de estações para públicos mais novos, como é a Cidade FM, mas são os consumidores dos projetos futuros. Há resultados muito interessantes.

Por exemplo, é dito que essa geração não consome rádio. Não é verdade. Consome de uma forma diferente, com a atenção muito mais dispersa, mas a verdade é que 97% desta chamada geração Z consome semanalmente conteúdos em áudio. E isto para nós é uma oportunidade enorme. A grande maioria consome música, mas os podcasts estão a crescer, têm uma grande interação, e 90% usa inteligência artificial regularmente.

Isto traduz-se num desafio grande para empresas como a nossa, na senda de criação de conteúdos, mas também na criação de plataformas para que possam consumir esses mesmos conteúdos. Não quer dizer que tenhamos que nos reinventar completamente, o que quer dizer é que temos que conhecer e produzir conteúdos para essa geração.

Em termos de ordem de preferências, para percebermos que não estamos muito longe daquilo que é o consumo das atuais gerações, 61% prefere conteúdos de humor e entretenimento, 45% consome conteúdos de viagens, desporto e fitness, 41%, moda e beleza, 39%.

Sabemos que o mercado de podcasts está a crescer, era preciso dar-lhe alguma visibilidade. Era preciso, sobretudo, conferir-lhe critérios que pudessem, em termos de standard, ser referência para o mercado.

Negócios e finanças 24%, acrescento.

Negócios e finanças, 24%. Se tivermos sempre presente que estamos a falar destas novas gerações, que têm alguns comportamentos diferentes das gerações anteriores, afinando a forma como lhes chegamos, estamos perfeitamente aptos a servi-los ainda melhor.

Como vão afinar?

Isto são ingredientes muito valiosos, para que as nossas equipas de conteúdos escolham os conteúdos e para que a empresa, no seu todo, afine as plataformas em que distribuir. Não vou revelar muita coisa da nossa estratégia de conteúdos, é aí sobretudo que se faz a concorrência, com outros operadores.

E concorrência pela atenção é muito séria, é uma concorrência local, nacional, mas é uma concorrência de plataformas globais, muito robustas, com uma oferta muito atrativa. Mas estas conclusões são muito importantes para a nossa estratégia futura.

Querem ser a “casa do áudio”, mais do que um grupo de rádio. No essencial, qual a diferença?

Somos o grupo mais importante de rádio, líderes de mercado, temos concorrentes fortes e à altura, que muito apreciamos e que nos dão estímulo para todos os dias tentarmos fazer melhor. Queremos ter essa posição no áudio. Vemos à frente que o consumo de áudio digital tem tendência para crescer, e cresce em todos os mercados europeus, e queremos ser a referência na produção de conteúdos de áudio.

Aí concorrem com os players internacionais e com todos os outros grupos nacionais. Este ano foi lançado pela primeira vez um ranking de podcasts, elaborado pela Marktest, e surgem na terceira posição, atrás da Impresa e do Observador.

É uma iniciativa muito importante da Marktest. Sabemos que o mercado de podcasts está a crescer, era preciso dar-lhe alguma visibilidade. Era preciso, sobretudo, conferir-lhe critérios que pudessem, em termos de standard, ser referência para o mercado.

A Marketest adotou os critérios IAB para a validação de downloads em podcast. E esses quatro players – Bauer, Renascença Multimédia, Impresa e Observador – surgem como os fundadores desse ranking, aberto a todos os outros players que quiserem participar.

Esses grupos estão a fazer um ótimo trabalho, o grupo Impresa, o grupo Observador e a Renascença também, e nós queremos ser a referência. Queremos ser uma casa aberta para quem tenha ideias, para quem queira lançar conteúdos relevantes no áudio, o possa fazer.

Se, por um lado, posso concordar que faça sentido termos um agregador português, por outro lado, não tem que ser só português, podemos estar em agregadores que têm outros produtos em outros mercados.

José Luís Ramos Pinheiro, administrador do Grupo Renascença Multimédia, dizia-nos em fevereiro, que os media se deviam unir mais, sugerindo por exemplo um agregador nacional de podcasts. “Há processos em que temos que concorrer entre nós e há muitos outros processos em que concorremos com as outras grandes plataformas. E aí, os media têm que se saber unir mais do que têm sabido nos últimos anos e têm de perceber onde está verdadeiramente a sua concorrência, nalguns patamares”, afirmava. Teria vantagem?

Não sei, a resposta a essa pergunta é depende. Acho que a concorrência faz-se na produção de conteúdos, na disputa da atenção e na disputa do mercado publicitário. Na distribuição não se faz concorrência, concordo, daí termos algumas iniciativas de tentativa de colaboração da indústria nessa área.

A Bauer tem uma estratégia clara de distribuição. Passa também pela existência de agregadores e nós estamos, com a indústria, a dias de lançar um agregador. Enfim, não vou ser eu a dar essa notícia em primeira mão, é um movimento que também existe noutros países,

A proliferação de devices, de tecnologia, a questão dos carros, há tanta oferta e oferta diferente, que temos que ter a capacidade de estar em todo lado. Se, por um lado, posso concordar que faça sentido termos um agregador português, por outro lado, não tem que ser só português, podemos estar em agregadores que têm outros produtos em outros mercados.

Aquilo que retiro dessas palavras é que a concorrência não se faz na distribuição e com isso concordo, independentemente de cada um poder ter a sua estratégia.

E em relação ao agregador que vai ser lançado?

É um agregador que junta alguns operadores neste mercado português, está em preparação e é um movimento natural [Radioplayer] . Com a proliferação dos connected cars é natural que também surjam essas iniciativas.

Colaboração da indústria… Os media falam o suficiente?

Acho que não falam o suficiente, acho que podem falar e deviam falar mais. Muitas vezes há aquilo que pode ser designado como ‘o síndrome do mercado pequeno’.

E nós vemos a colaboração da indústria, como algo inevitável e algo fundamental para o desenvolvimento do mercado. Temos trabalhado com alguns organismos, algumas associações, na criação de standards de áudio digital. Portugal era dos poucos países que não tinha alinhado standards de áudio digital, e foi feito. Quando o objetivo é claro, a conversa é muito fácil.

Como é preciso alinhar com os anunciantes e com as agências também algumas matérias, algumas métricas, isto a favor de um mercado que seja transparente. Se queremos um mercado transparente, temos que saber dialogar com todos.

Vivemos num mercado que é maduro, e num mercado maduro o papel dos reguladores é muito mais na promoção da criação de valor do que propriamente na vigilância ou numa fiscalização.

E o papel dos reguladores e do Governo?

Aquilo que se passou a 28 de abril, o apagão, mostra não só aos operadores, como aos governantes, como aos reguladores… devia funcionar como um abre olhos. Garantir a distribuição é fundamental.

Temas como a garantia de funcionamento dos centros emissores, ou sinergias que possam ser feitas para não desperdício de recursos, são importantíssimos. O Governo tem um papel importante nessa promoção. Acho que os reguladores têm um papel também importante na criação de valor.

Gostava de ter uma atenção muito focada dos reguladores na criação de valor dos operadores. É para aí que temos que caminhar, é um processo e acho que é para aí que temos que caminhar. Isto são tudo temas que nos unem. São temas que deviam unir a indústria, não só a rádio, mas a indústria dos media.

E os reguladores estão atentos e despertos?

Acho que sim, acho que estão atentos. É um processo de maturidade, um processo e um caminho que temos que fazer. Vivemos num mercado que é maduro e, num mercado maduro, o papel dos reguladores é muito mais na promoção da criação de valor do que propriamente na vigilância ou numa fiscalização. Tem muito mais esse papel, gerador de encontros e promotor de sinergias.

Que tem acontecido?

Que não tem acontecido, tenho esperança que venha a acontecer. É natural, num processo de amadurecimento do mercado.

Ou seja, para ficar claro, até agora não tem acontecido, mas acredita que pode vir a acontecer?

Desejo seriamente que venha a acontecer. É aquilo de que o mercado precisa.

O que era mais importante, do ponto de vista da regulação?

Temos desafios que têm a ver com a distribuição, mais uma vez. É preciso olhar para alguma legislação da publicidade e para a aplicação dessa legislação. Do ponto de vista regulatório, temos imensas áreas para tocar.

Agora, independentemente das áreas, o regulador tem que ser esse ponto de encontro, devia ser esse ponto de encontro dos operadores. E querer criar valor no mercado. Este é o que eu acho que é o grande desafio para os reguladores, para este e para aqueles que possam vir daqui a uns tempos.

Assista à entrevista:

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