Em frente a Lisboa, na outra margem do Tejo, Almada vê desaguar ali cidadãos nacionais e migrantes que procuram um teto, gerando uma pressão que a autarca Inês de Medeiros diz ser "gigantesca".
Mais de três décadas passadas do lançamento do Programa Especial de Realojamento (PER), centrado na erradicação de barracas, estas construções clandestinas estão a voltar a preencher manchas territoriais no país. Almada tem, como realça a presidente da autarquia, um dos maiores núcleos nacionais, e no último ano e meio viu crescer um aglomerado na encosta esquerda do Tejo, a jusante do pilar da Ponte 25 de abril. Um dos reflexos de uma pressão “gigantesca” sobre a habitação, como define a presidente da câmara, Inês de Medeiros.
Sem poder intervir num terreno que pertence ao Estado central, sob gestão do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), a autarca diz, em entrevista ao ECO/Local Online, que “como houve uma omissão total durante um ano e meio, aquilo tomou as proporções que tomou”. Das 50 pessoas num momento inicial identificado pela autarquia, passou-se para mais de 600 famílias, lamenta.
Perante um crescimento significativo da procura por habitação, com cidadãos nacionais e migrantes em busca de um lar a preços mais comportáveis, a câmara vem desenvolvendo ações para realojar cidadãos de bairros ilegais e tem em curso a construção de imóveis, aproveitando verbas de programas públicos como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), nos quais inscreveu 52 milhões de euros de candidaturas.
O portefólio municipal tem crescido também com o exercício do direito de preferência nos negócios de venda de imóveis, aproveitando uma prerrogativa atribuída pela legislação às autarquias.
Se mais oferta não existir para a população é, em parte, devido à alteração de regras do Estado para estes instrumentos de apoio à habitação, acusa a socialista, que em 2017 tomou uma câmara historicamente comunista por pouco mais de 300 votos (num universo de votantes superior a 65 mil almadenses), e este ano termina o seu segundo mandato, ganho de forma folgada, com mais de sete mil votos de distância.
Para já, Inês Medeiros não esclarece se correrá a um terceiro mandato (se aceitar ir a jogo, terá pela frente o presidente da junta do Laranjeiro e Feijó, Luís Palma, candidato da CDU que sucede a Maria das Dores Meira naquela posição). Logo no início da entrevista, avisou: “Não vou fazer anúncios aqui”.

Em Almada, de 2020 para 2023, as rendas de habitações subiram mais de 20% e os preços de venda mais de 30%. Qual o estado da arte da habitação?
Almada e, de uma maneira geral, a Península de Setúbal, tem algumas particularidades. Como sabemos, o último grande programa de habitação pública foi o PER. Almada não chegou a cumprir 50% do PER, ficou muita coisa por cumprir. Temos alguns dos núcleos de habitação indigna maiores. Mas também temos uma série de outros problemas, como AUGI (Áreas Urbanas de Génese Ilegal), núcleos destacados.
Quando assumimos o poder e surgiram as primeiras políticas – e bem, de habitação, ainda antes do PRR, a Porta de Entrada, as estratégias locais de Habitação – fizemos todo o levantamento […] e sabíamos que tínhamos pela frente um processo complicado, mas com uma temporalidade que estava prevista.
O 1.º Direito era uma comparticipação do Estado, não a 100%, sabemos, mas a 60%, 80%, consoante a tipologia. Entretanto, dá-se a pandemia e, no rescaldo, surge o PRR, onde o Estado português também aí, e bem, aposta na habitação. Só que o PRR, ao contrário do PER – há programas PER que ainda não estão finalizados, nem sequer fechados, estão a fechar agora – tem um tempo muito curto, quatro, cinco anos.
Qual é a dificuldade? Não é só para Almada, mas para todos os municípios. A grande dificuldade é que perdemos imenso tempo a adaptar o novo programa ao anterior programa. Em Almada tínhamos já candidatado uma centena de fogos ao Porta de Entrada, obrigaram-nos a refazer as candidaturas todas por duas vezes, porque iam mudando de plataforma, e entretanto as regras iam mudando.
Perdeu-se um tempo infinito. As respostas começaram a ser dadas a poucos meses do final do prazo. Mesmo assim, candidatámos todos os projetos que achávamos mais urgentes, cerca de 52 milhões de euros, aquilo que considerávamos fazível neste tão curto espaço de tempo.
Fala-se muito de falta de habitação e na necessidade de voltar à construção massiva de edifícios, após anos de escassa atividade. No caso de Almada, achou-se que já estava tudo construído, já era suficiente?
Vou ser franca, eu acho que não é uma questão de Almada. É um problema transversal à Península de Setúbal e é um tipo de gestão autárquica. Há uma série de situações que não se compreende como se arrastaram tanto tempo.
Não é apenas a situação dos chamados bairros de barracas, porque o PER tinha como primeira missão acabar com as barracas. Acabou praticamente em todo o país, na margem sul não acabou. Em Almada não acabou.
Estamos a regressar a essa chaga das barracas?
Almada tem, provavelmente, ainda dos maiores núcleos do país, que é o Segundo Torrão [na Trafaria]. Tinha dois grandes núcleos, o Segundo Torrão e as Terras do Lelo. Por uma questão de emergência, nós já conseguimos realojar, demolimos uma centena de fogos, são cerca de 60 / 70 famílias do Segundo Torrão que foram realojadas.
Das Terras do Lelo, conseguimos realojar mais de 60 famílias. Era o bairro ali na entrada da Costa da Caparica, conseguimos agora acabar com ele. Por isso é que, depois, Penajóia tem um sabor tão amargo.
Penajóia, um terreno do IHRU nas traseiras da Pousada da Juventude, junto à ponte, tem aparecido nas notícias nos últimos meses. As barracas de alvenaria parecem cogumelos. Quando haverá solução?
Penajóia há um ano e meio não existia. Basta ir ao Google e vê-se o que existia, umas casinhas de umas pessoas que faziam agricultura, não tem nada a ver. Quando começou Penajóia, a Câmara Municipal fez um primeiro levantamento. Na altura eram cerca de 50 pessoas. Remetemos ao IHRU, avisando. Foi tudo muito rápido.
Em poucos meses, houve um primeiro boom de construção. Nós fomos imediatamente lá, fizemos levantamento das pessoas, que estão devidamente identificadas e entregámos ao IHRU, que ficou não apenas de continuar esse levantamento, mas tentar travar aquela construção desenfreada e arranjar soluções. Apesar de tudo, aquilo são terrenos do IHRU, não são da câmara. A questão nem se coloca agora. Como houve uma omissão total durante um ano e meio, aquilo tomou as proporções que tomou.
Quando começou Penajóia, a Câmara Municipal fez um primeiro levantamento. Na altura eram cerca de 50 pessoas. Remetemos ao IHRU, avisando. Foi tudo muito rápido. Em poucos meses, houve um primeiro boom de construção […] Apesar de tudo, aquilo são terrenos do IHRU, não são da câmara. A questão nem se coloca agora. Como houve uma omissão total durante um ano e meio, aquilo tomou as proporções que tomou.
É um terreno com muitos hectares, onde há espaço para muito mais construção ilegal.
Quantos hectares tem, não sei, mas sei o que disse o senhor ministro, que eram 600 famílias. A inação paga-se caro.
Sabe se houve algum levantamento feito pelo IHRU?
O senhor ministro disse que já tinham feito o levantamento. Nós não o conhecemos. Portanto, não vou avaliar algo que não conheço. Nós fomos chamados para um grupo de trabalho criado pelo IHRU. Na primeira reunião, a câmara foi chamada pela associação de moradores, nem sequer fomos chamados pelo IHRU.
Portanto, foi a associação de moradores que pediu para a câmara estar presente, e esteve, e tem estado presente. Apesar de o IHRU estar sempre a dizer que estava a negociar com a câmara, a realidade é essa, a primeira reunião para a qual fomos chamados foi graças à associação de moradores, não ao IHRU.
É difícil conceber que possamos estar de novo a ver surgir bairros de barracas.
O nosso grande compromisso era acabar tão breve quanto possível com estes núcleos de barracas, que não são sequer legalizáveis nem reabilitáveis. Há esta ilusão de que se pode reabilitar e adaptar, há teorias do que foi feito no Brasil, muito na América do Sul. Mas neste caso, não são situações que possam sequer ser equacionadas.
Nem é de saber se é desejável ou não. Tenho a minha opinião, não me parece muito desejável. Mas admitindo esta ideia de comunidade, no nosso caso, nem sequer são realizáveis.
Referiu o Segundo Torrão, na Trafaria. Quantas habitações há ali?
São mais de duas centenas, de certeza. Já para não falar de outro tipo de dificuldades que também é considerada habitação indigna, embora as casas não tenham nada a ver, que é todo o sistema das AUGI, que não têm estrada, não têm infraestruturas mínimas, não têm espaço público.
E em Almada ainda havia outra particularidade, os chamados núcleos destacados, onde as pessoas tinham avos indivisos, um sistema mais complicado ainda. Almada conseguiu aproveitar toda a lei e sistema de regularização das AUGI. Isso foi uma das nossas outras prioridades, tentar ao máximo legalizar, regularizar, e nalguns casos infraestruturar espaços.
Na Charneca, que é a nossa maior freguesia, basta andar por lá e vê-se que não foi infraestruturada ao longo de décadas.
É presidente desde 2017. Que soluções tem para apresentar?
Nós pedimos ao Estado, ali na zona da Trafaria – a Trafaria não tem muito por onde crescer – a zona do antigo quartel. No nosso Plano Diretor Municipal, tínhamos identificado uma zona onde conseguiríamos fazer uma urbanização de habitação pública, mas até podíamos fazer um sistema misto, de renda apoiada, renda acessível e até eventualmente uma zona para aquisição.
Mas como aquilo está junto às matas nacionais, não conseguimos, e então pedimos ao Estado. Aquele bairro na periferia, o Segundo Torrão, são muitas décadas, aquilo tem 40 anos. Há, de facto, um sentido de grande comunidade ali. Há o Primeiro Torrão, o Segundo Torrão, a Madame de Faber, tem ainda casas que eram do Montepio, é tudo muito variado.
Há uma parte importante da comunidade da Trafaria que vive naquele bairro em melhores ou piores condições. Nós gostaríamos de conseguir ter espaço. Fomos pedir património devoluto do Estado para conseguir fazer naquela zona o tal projeto.
O Estado central tem um programa que entregou, até agora, 49 imóveis às autarquias, para estas reabilitarem. Já tentou por essa via?
Não me interessa quantos já entregou. Interessa-me saber quantos pedidos lá têm.
E quando foi entregue o vosso pedido?
Antes do PRR.
Não há resposta?
Não há resposta. Começaram por colocá-la como sendo para uma residência de estudantes, o que seria absurdo. Nós temos grandes projetos de residência de estudantes que são uma necessidade, não haja dúvida, mas mais perto da universidade ou então até no centro de Almada, isso parece-nos fazer sentido.
Portanto, aquilo passou para o IFFRU e depois, só agora, recentemente, é que passou para o IHRU, segundo as indicações que nos deram. Estamos a aguardar, como muitas vezes aguardamos o Estado em permanência.
E o que fizeram entretanto?
No nosso caso, a nossa estratégia incluía reabilitação, construção e aquisição. Aliás, fomos evoluindo. Começámos por apostar na reabilitação. Rapidamente percebemos que não seria suficiente, que não era exequível. Como não havia regulamento de atribuição de casas, também não havia registo de quem estava nas casas. A situação da habitação em Almada era bastante sui generis, para não dizer pior. A realidade que estamos a viver agora é outra.
Mesmo quando foi do pior, era possível fazer um diagnóstico, traçar uma estratégia, ter um plano e avançar. A nossa estratégia de habitação está claramente a ser ultrapassada pela chegada maciça de nova população à procura de casa. Nova população de maneira geral, mas também uma grande quantidade de pessoas à procura de casa.
Pessoas que ou vêm de outros municípios, também acontece, e também pessoas que vêm num processo migratório, e que vêm porque têm trabalho para isso, porque foram chamadas para isso, e é importante que venham, mas de facto, vêm sem garantia de habitação mínima e digna que se exige quando se pede às pessoas para vir.
No âmbito do PRR, vários municípios aproveitaram um mecanismo que permitia também comprar casas no mercado e arrendar a preços controlados.
Nós fizemos a mesma coisa, mas temos falta de habitação até para adquirir. Ao todo, adquirimos cerca de 50. Vamos adquirindo à medida que elas iam surgindo, usando o direito de preferência.
E ir a câmara diretamente ao mercado?
Enfim, negociação direta, nós também fizemos isso. É uma espécie de hasta pública. Abrimos uma call, se quiserem, chegámos a fazer isso, abrir uma espécie de hasta pública para comprar. Na altura comprámos três. Como vê, não foi muito frutuoso. Conseguimos ser muito mais eficazes na parte do direito de preferência.
A população tem aumentado bastante?
E é por isso que neste momento temos um problema transversal, no caso de Almada, vem acumular aos outros problemas já existentes – quando eu dizia que há um gosto amargo, com Penajóia, é porque para nós é uma verdadeira satisfação e orgulho ter acabado com as Terras do Lelo, ter conseguido realojar condignamente toda a gente, em casas onde estão condignamente realojados, estão contentes, estão felizes, não estão numa situação precária ou provisória.
E ao mesmo tempo que conseguimos resolver de um lado, sentimos – nós, como o Seixal, Sesimbra, Loures, uma série de municípios da AML que estão a sentir esta dificuldade – que, por um lado, estamos a fazer um esforço grande, mas a procura é gigantesca.
A nossa estratégia de habitação está claramente a ser ultrapassada pela chegada maciça de nova população à procura de casa. […] Também pessoas que vêm num processo migratório, e que vêm porque têm trabalho para isso, porque foram chamadas para isso, e é importante que venham, mas de facto, vêm sem garantia de habitação mínima e digna que se exige quando se pede às pessoas para vir.
Sem casa, as pessoas em desespero procurarão um teto, qualquer que seja.
Todos nós sabemos que a habitação não se resolve nem com um programa de quatro anos, nem com uma única solução, um milagre. Acho que a habitação se resolve com planos do Estado. Independentemente da disponibilidade e da vontade que os municípios sempre têm, é fundamental ter um programa do Estado, que não pode ser apenas uma caixa financiadora – essa, se funcionasse, já não era mau.
No caso da habitação, até deveria haver uma reflexão metropolitana. Mas tem de se resolver de outra maneira, que é travando, de facto, a especulação louca e o aumento de preços. E aí já não estamos a falar de migração, ou melhor, estamos a falar de migração interna de pessoas num mercado de arrendamento inexistente, totalmente inexistente e de valores proibitivos para a classe média.
Os concelhos limítrofes estão a ser arrastados pelos preços de Lisboa, onde um T2 a 1.500 euros já é um sonho.
Esse é baratinho… já estamos a chegar aos 2.000 euros. E continuamos numa aposta, que me parece louca, de construção de habitação de luxo. E eu não sei para quem é que ela se destina.
O Governo e alguns autarcas defendem que é aí que entra a Lei dos Solos, que por força do PS teve algumas alterações, designadamente no conceito de preço moderado…
Sabe quanto era o preço moderado em Almada, pela fórmula? Eram mais de 4.000 euros. Onde é que isto é moderado? Almada tem realidades muito diferentes, temos uma zona muito cara.
Mas a Lei dos Solos valerá algo aqui?
Em Almada não vai ter aplicabilidade. Temos poucos terrenos rústicos, aqueles que temos têm regimes de proteção reforçados. Há uma coisa que é complicada na lei dos solos, a ilusão que faz passar de que os municípios passam a ter o poder, e é isso que me incomoda cada vez mais, porque os municípios assumem as responsabilidades, assumem as competências…
O Estado, apesar desta aparência de descentralização da decisão e da gestão, tem a pretensão de saber melhor defender o território do que os próprios municípios – isso pode ter sido verdade há uns anos, porque o poder local democrático não existia nos primórdios da democracia –, mas, neste momento, considero que a maior parte dos municípios, pelo menos graças às CIM, CCDR, via poderes regionais, têm muito mais capacidade para gerir o território que as entidades nacionais.
Há uma luta necessária dos municípios contra o poder central?
Temos poderes sem rosto que também não propõem, ou seja, não apontam soluções. Dentro de todos as sociedades há sempre os pequenos grandes inquisidores em potência.
Cada vez mais, temos desafios ecológicos, de desenvolvimento sustentável, de grande fluxo para os grandes centros urbanos, problemas de habitação, de mobilidade. O grande exemplo disso é o calvário que todos os municípios estão a viver com as revisões dos seus planos diretores municipais.
Como está o vosso PDM?
Almada tinha uma situação especial. O PDM de Almada ainda é da primeira geração, de 93, foi publicado em 97 e desde então nunca mudou. Um PDM é suposto ter uma validade de dez anos.
Nós formulámos a proposta de revisão, que teve, numa primeira instância, um parecer positivo, condicionado, com a necessidade de afinar certas matérias que foram identificadas. Entretanto, as regras também têm vindo a mudar sistematicamente. A última portaria saiu em setembro. Sai uma portaria nacional e são os municípios que têm que voltar a refazer todo o trabalho.
A certa altura, os serviços apanharam um susto com um parecer a dizer que devíamos rever todo o trabalho que estava feito relativamente à Costa da Caparica, toda a cidade, porque afinal aquilo era regime florestal. Alguém tinha encontrado um decreto muito antigo, que neste caso era um decreto régio, do Rei Dom Carlos.
As alterações a meio do jogo prejudicam-vos?
Eu já contei esta história, para não acharmos todos que isto é apenas um autarca a queixar-se no abstrato. A certa altura, os serviços apanharam um susto com um parecer a dizer que devíamos rever todo o trabalho que estava feito relativamente à Costa da Caparica, toda a cidade, porque afinal aquilo era regime florestal. Alguém tinha encontrado um decreto muito antigo, que neste caso era um decreto régio, do Rei Dom Carlos.
Foi um susto, tínhamos de rever tudo, nada do que tínhamos proposto era possível, nem aceitável, porque, a menos que o Governo decidisse anular o decreto régio que ainda estava em funções, aquelas entidades, afinal, não podiam aprovar nada.
A muito custo, com muita paciência – e eu tenho que agradecer, de facto, quando eu digo que as autarquias são incomparáveis com o Estado Central – lá foram pacientemente e lá encontraram um decreto de 1951, assinado pelo Salazar, que anulava o decreto régio.
Outros dramas: agora temos cartografia muito mais moderna, aprovada, registada, mas, anexa a uma lei qualquer, não é essa a cartografia que vale, é outra, mais grosseira, menos fina e menos exata.
Em Almada, já o disse, não há muito solo rústico com potencial de urbanização. Mas tem colegas autarcas que esfregam as mãos de contentes.
Os municípios não vão, de repente, poder começar a desclassificar, até porque a lei do solo de que estamos a falar é uma alteração a uma outra lei do solo que já tinha sido aprovada. Acho que faz sentido concentrarmo-nos nos núcleos urbanos. Temos que ter o cuidado de não passar esta ideia de que, de repente, os municípios têm o poder para desclassificar o que quiserem, e vai entrar uma série de perigos de corrupção altíssima.
Não vai acontecer porque os municípios também têm que prestar contas, e penso que a própria lei nem sequer o permite. Por outro lado, também não acho que a solução milagre para o drama da habitação seja só mais solo, solo menos caro, mais habitação acessível. Isso não vai acontecer. O mercado por si só não responde às necessidades de habitação. E todos nós sabemos que não responde.
Todos nós queremos cidades que sejam mistas, diversas e onde todos possam viver. Ninguém quer cidades que sejam exemplos de desigualdade flagrante, com o bairro dos ricos e a favela que olha para a zona rica, a cidade alta e a cidade baixa. Ninguém quer isso. Isso significa que temos que ter posições muito mais corajosas. Uma vez disse que achava, e continuo a achar, que devíamos tabelar o preço do metro quadrado e o preço das rendas. Isto levantou uma grande celeuma. Mas acho, sinceramente.
Temos que ter posições muito mais corajosas. Uma vez disse que achava e continuo a achar que devíamos tabelar o preço do metro quadrado e o preço das rendas. Isto levantou uma grande celeuma. Mas acho, sinceramente.
Tabelar para o que era há seis anos, antes da pandemia?
Há cinco ou seis anos já estava bastante alto, mas a questão não é essa. Nós temos de tomar decisões que sejam equilibradas. Por um lado, não queremos, naturalmente, frustrar ou impossibilitar o investimento privado, como é óbvio. Eu defendo um mercado dinâmico, mas sempre defendi que o Estado deve ser regulador desse mercado, porque se não é uma selva.
Há várias formas de o fazer. As grandes respostas em França da habitação pública é um sistema de construção e mesmo de gestão que envolve o público e o privado. Podem-lhe chamar PPP da habitação, a mim o que me interessa é essa articulação, essa colaboração seja equilibrada.
No Reino Unido fazem-se PPP com sucesso há décadas.
E em França. Volto a dizer, o problema não é o modelo em si, é as condições que se acorda para esse modelo, isso é que levanta questões. São empresas de direito privado com capitais públicos, outras são empresas privadas, que constroem e gerem. E é isso também que tem permitido que haja habitação pública dentro das cidades e não fora das cidades. E que se consiga construir uma cidade una.
Mesmo o modelo da cooperativa é uma PPP, chamem-lhe o que quiserem. Agora, na cabeça das pessoas, como tivemos tão más experiências com algumas delas, com tanto prejuízo para o Estado, há esta ideia de que tudo é prejudicial.
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Pressão na habitação em Almada: “Estamos a fazer um esforço grande, mas a procura é gigantesca”
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