A terra do colete encarnado nunca foi fértil para a direita, e quando o PSD candidatou uma comunista, "deu" a Câmara ao PS. Mas agora, e apesar de Bugalho e Núncio, é o Chega que pode virar o jogo.
Cidade que é Vila no nome, parte da Área Metropolitana de Lisboa mas inserida no Ribatejo, dormitório com mais de 100 mil pessoas, Vila Franca de Xira (VFX) concilia campo e território emparedado na estratégia industrial iniciada há mais de um século. Sem alguma vez abrir espaço à direita nas autárquicas, Vila Franca de Xira começou comunista e, em 1997, optou pelo PS. O incumbente e recandidato Fernando Ferreira é apenas o quinto presidente desde 1976 e o terceiro no consulado socialista de 28 anos.
Já a direita democrática nunca somou votações dignas de registo, mesmo quando apresentou como candidata uma ex-comunista que renegou o PCP e se aliou a Cavaco Silva. Em 2025, 202 anos após o ataque dos Absolutistas à primeira Constituição do país na Vilafrancada, o Chega, descrito amiúde como partido antissistema, conseguiu ser o partido mais votado nas legislativas de 18 de maio e perfila-se como o primeiro grande entrave ao domínio da esquerda.
Do lado da direita democrática, e apesar da pouca expressividade eleitoral histórica, PSD e CDS, desavindos, apostam em dois nomes com projeção nacional, precisamente na primeira eleição em que o Chega vai a votos com aspirações de ser Governo em Vila Franca.

Pelo PSD, que dispensou o CDS e se juntou à Iniciativa Liberal, surge Sebastião Bugalho como mandatário do candidato David Pato Ferreira – o eurodeputado tem intercalado Bruxelas com mais de 40 autarquias do país onde aparece para manifestar o seu apoio a candidatos do partido, como fez com Marco Almeida em Sintra, por exemplo.
Já o CDS, preterido pelo PSD, foi buscar o vice-presidente Paulo Núncio para candidato num concelho onde já foi vereador entre 2005 e 2009, antes de entrar no Governo de Passos Coelho e Paulo Portas para secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Mais à direita, José Barreira Soares, vereador e recandidato do Chega. Entre os que se propõem a presidente da autarquia estão ainda a bloquista Catarina Lourenço (médica e professora universitária que tem assumido o lugar de deputada na Assembleia Municipal), o estudante Daniel Ferreira como candidato do Livre e a comunista Cláudia Martins.
Zita Seabra, “abre-latas” para a ascensão do PS
Para quem parte de Lisboa pela EN10, pelo IC2 ou pela Linha do Norte, a linha de prédios praticamente ininterrupta desde Loures até Alverca faz adivinhar um município com elevada densidade populacional, mas Vila Franca fica-se por um terço do número de habitantes por quilómetro quadrado do que apresenta Loures ou Sintra, um quinto da densidade de Cascais, menos de 15% dos valores de Oeiras, abaixo de 10% de Odivelas e pouco mais de 5% da Amadora.
Este não é, de facto, um território fácil de descrever. Painel disforme, o território tem linhas contínuas de prédios de habitação em altura a conviver com fábricas de cimento e químicos. Pelo concelho há o trânsito caótico da EN10, pedreiras de calcário, margas e basalto, a Plataforma Logística Lisboa Norte (onde haverá um cais fluvial de mercadorias que promete tirar 400 camiões por dia da A1) e uma base aérea que muitos defenderam como a solução para o “Portela+1” (incluindo, há oito anos, o atual ministro das Finanças).
Pressionado a encontrar soluções, o autarca que lidera a Câmara contra-argumenta com a obra feita pelo PS e com projetos como o que está a articular com Loures para requalificação da zona crítica entre Bobadela (Loures) e Alhandra, bem como com a reabilitação que vem sendo feita, e em que se incluem parques verdes, o caminho ribeirinho programado para ligar Vila Franca ao Parque das Nações e a reabilitação em curso na cidade, na qual o ícone é a Fábrica das Palavras.
Fábrica das Palavras – Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira
Fernando Ferreira será, contudo, o primeiro socialista a enfrentar um “perigo” eleitoral que não o do PCP. Os comunistas foram aqui Governo até à eleição de Maria da Luz Rosinha em 1997, ano de grandes vitórias socialistas face aos comunistas em que também se destacou Joaquim Raposo na Amadora. Se vencer a 12 de outubro, o PS superará 30 anos de poder em Vila Franca.
O atual presidente e recandidato, Fernando Paulo Ferreira, foi de vice-presidente de Alberto Mesquita em 2013 a candidato a presidente em 2021, quando o autarca decidiu não se recandidatar a terceiro mandato. Pelo meio, ainda liderou a Assembleia Municipal no mandato de 2017 – quando, por uma nesga, o Bloco de Esquerda elegeu o primeiro vereador externo à tríade PCP/PS/PSD – e esteve como deputado na segunda legislatura de António Costa.

O bloquista Carlos Patrão, que tentou alterar a designação da Ponte Marechal Carmona – Presidente da República do Estado Novo -, “caiu” da cadeira de vereador logo em 2021, com a eleição do agora recandidato do Chega, José Barreira Soares.
Um dos pontos de interesse para 12 de outubro é saber até que ponto o Chega pode beneficiar das dificuldades eleitorais que o PCP venha a sentir. O partido de Paulo Raimundo tem nestas eleições um teste importante, tanto pela trajetória de quebra dos últimos anos, quanto pela ascensão do Chega.
O partido já conta na sua história com uma derrota perturbadora neste concelho.
A candidatura de Daniel Branco, presidente durante 17 anos, chegou a fazer a festa da vitória após o fecho das urnas em 1997, mas viria a ser superado pelo PS de Rosinha por menos de 600 votos num total de quase 50 mil votantes no concelho. A desempatar ficou o PSD, que apesar dos escassos 15,6%, alcançou um mandato a que Rosinha recorreu para governar em maioria.
O presidente derrotado acabou por se mudar para o outro extremo da A9/CREL, Oeiras, onde foi eleito vereador. O próprio já disse que os eleitores social-democratas em Vila Franca optaram pela socialista Maria da Luz Rosinha como protesto contra Zita Seabra e isso valeu a vitória ao PS. Ressentimento ou não com a ex-comunista que se tornou aliada de Cavaco Silva, realidade é que, face a 1993, o PSD perdeu um mandato e o PS ganhou um.

Chega sempre a crescer
Desde que Ventura chegou ao Parlamento como deputado único, em 2019, o Chega cresceu em todas as legislativas também no concelho de Vila Franca: em 2022 foi terceira força, com 9%; em 2024 duplicou a votação e ultrapassou a AD; em 2025 já nem o PS segurou esta ascensão, perdendo a liderança do concelho para o Chega.
Em Vila Franca de Xira espera-se com expectativa por 12 de outubro para saber se a Câmara historicamente socialista e comunista assinalará os 50 anos de eleições autárquicas com o candidato do Chega, José Barreira Soares, na cadeira de presidente.
Eleito vereador em 2021 e um dos 60 deputados eleitos para São Bento a 18 de maio, o cabeça de lista do Chega quer o lugar de Fernando Ferreira, e disse-o claramente na apresentação, no final de agosto: “Se nas legislativas ficámos à frente do Partido Socialista, não ganhar a Câmara será uma derrota”. A vitória não foi retumbante, mas chegou: 152 votos em 79 mil votantes.
Se ganhar a eleição, deixará o Parlamento, mas não quer viajar sozinho: “Lisboa está apinhada de pessoas. Assim que eu começar a mexer no concelho, muita gente vai querer deixar de viver em Lisboa para passar a viver em Vila Franca”, assegurou, numa entrevista online há dias.

Já no que toca à CDU, força de Governo no município ribatejano nos atos eleitorais até 1997, existe a expectativa de conhecer o resultado da erosão dos anos recentes, sobretudo desde a invasão da Ucrânia por parte da Rússia em 2022.
Para a comunista Cláudia Martins, professora com 42 anos, a perda de relevância do seu partido já lhe custou um lugar em São Bento. Nas legislativas de 2024, a CDU colocou-a em terceiro lugar na lista do círculo eleitoral de Lisboa, após o líder Paulo Raimundo e o histórico António Filipe, atual candidato a Belém.
Ao longo do século, a coligação do PCP e do PEV elegeu sempre quatro ou cinco deputados pelo círculo de Lisboa, exceção feita a 2022, ano da maioria absoluta do PS de António Costa. Assim, à luz dessa eleição, o terceiro lugar de Cláudia Martins para 2024 deixava dúvidas. Na noite eleitoral da primeira vitória de Luís Montenegro, a CDU confirmou a redução da sua base eleitoral e a agora candidata a Vila Franca de Xira não passou da porta do Parlamento.
A candidata ao concelho mais a oeste da região do Ribatejo transporta o peso adicional da história do partido neste município, apesar de em 2021 não ter ido além dos 22%, que lhe valeram três dos nove vereadores, contra cinco do PS, dois da coligação de direita e um do Chega.
“Os últimos 27 anos de gestão PS na Câmara Municipal, com o apoio do PSD, resultaram na degradação das respostas essenciais para um concelho saudável, vivo e qualificado”, acusa o PCP.
Os comunistas depositam a esperança de travar a quebra dos últimos atos eleitorais na professora de 42 anos, membro da Juventude Comunista aos 14 anos, vereadora na Câmara entre 2017 e 2021 e eleita há quatro anos para a Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Alhandra, São João dos Montes e Calhandriz – onde o anterior autarca comunista, Mário Cantiga, de quem era vogal, passou para o lado socialista.
Nas autárquicas de 2017, quando André Ventura ainda era só o candidato do PSD em Loures, o PCP amealhou 16.479 votos em Vila Franca. Em 2021, já com o Chega no boletim, ficou pelos 11.432. Se a estes somarmos os 4447 eleitores que escolheram o Chega, pode induzir-se uma perda do PCP a favor do Chega.
Do ponto de vista teórico, e observando a transumância de voto verificada em ex-bastiões comunistas, poderá ser no terreno da ex-atleta de futsal do Alhandra Sporting Club que a candidatura de Barreira Soares, praticante de kickboxing, tem potencial para fazer brotar uma presidência de Câmara.

De Bruxelas a Vila Franca, Bugalho é trunfo para um desconhecido nacional
O que leva Sebastião Bugalho a sair de Bruxelas para ser mandatário da candidatura de David Pato Ferreira? À pergunta do ECO/Local Online, o eurodeputado destaca a juventude do candidato, ponto em comum consigo. “Ambos somos candidatos a lugares habitualmente mais seniores e é um sinal do PSD apostar assim na juventude. Todo o distrito de Lisboa no PSD é bastante coeso e as pessoas conhecem-se. O David é uma pessoa com talento, que não é só conhecido em Vila Franca“, explica o mandatário.
Amigo de longa data de Bruno Ventura, deputado em São Bento oriundo de Vila Franca de Xira e cabeça de lista à Assembleia Municipal, Bugalho foi convidado a juntar-se à candidatura. “Só quem não me conhece poderia ficar surpreendido com a minha disponibilidade para estar ao lado dos que querem servir as suas comunidades”.
David Ferreira “encabeça um projeto de ousadia, em certa medida até de ruptura, e identifico-me muito com isso. É um jovem que podia fazer o que entendesse da vida, mas escolheu entregar-se ao serviço à sua comunidade, num terreno difícil”; realça Bugalho. Já no que o liga ao concelho, aponta os amigos que ali encontraram casa para constituir e fazer crescer a família. “É cada vez mais um destino escolhido pela nossa geração para ir morar e viver“.
De facto, o candidato do PSD e IL, embora pouco conhecido a nível nacional, consegue reunir nomes destacados dos dois partidos. Na sua apresentação estiveram a seu lado o deputado Rodrigo Saraiva e os candidatos social-democratas Carlos Martins (Portimão), Marco Almeida (Sintra) e Nuno Piteira Lopes (Cascais). Oeiras não se fez representar, mas Pato Ferreira tinha o município “laranja” em mente, na crítica feita a Fernando Paulo Ferreira: “A mediocridade da gestão, a falta de visão e de estratégia, faz com que atravessar a CREL pareça mudar de país. Entrar em Oeiras e sair em Alverca parece uma viagem no tempo para um Portugal da década de 90”.
As relações há muito deterioradas entre o cabeça de lista social-democrata em 2021 e 2025 e a histórica líder centrista de Vila Franca, Filomena Rodrigues (cabeça de lista do CDS à Assembleia Municipal), levaram Pato Ferreira a recusar integrar uma lista com o tradicional parceiro do PSD.
Nuno Melo chamou então o seu colega de direção Paulo Núncio. “Há 50 anos que Vila Franca de Xira vive sob o domínio da esquerda. Nestas eleições, cada voto no CDS será um voto para libertar o concelho deste garrote rosa/vermelho”, afirmou Núncio, em declarações ao jornal Observador.
Aficionado de tauromaquia, usou, na apresentação da sua candidatura à terra do colete encarnado, linguagem que remete para esta arte, ao explicar não ter ligado a quem o alertou para a dificuldade do CDS neste concelho: “é exatamente por isso que aqui estou. Porque um político não escolhe os combates fáceis […] É nas praças difíceis que se veem os verdadeiros forcados da política“.
Só que a faena autárquica será ainda mais desafiante para os centristas: se em 2021 faziam parte da coligação Nova Geração, com PSD, PPM e MPT, uma frente de direita que se ficou pelos 14,8%, este ano vão a votos a solo. Adicionalmente, há um novo elemento que parece poder captar em qualquer arena, o Chega.
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Autárquicas em Vila Franca de Xira: a lezíria de esquerda onde o PSD chamou Bugalho e o Chega ambiciona a presidência
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