• Especial por:
  • Alexandre Batista

Lei dos solos: PS e PSD aproximam posições para viabilização no Parlamento e Oeiras admite expropriações

Votação da lei de alteração do uso dos solos vai ao Parlamento a 24. Autarcas apoiam o aumento do poder sobre os solos. Isaltino Morais, grande defensor da medida, está pronto a expropriar terrenos.

O Partido Socialista concorda com a alteração de uso de solo rústico para solo urbano por decisão das autarquias, ainda que exigindo adaptações. A medida, da autoria do Governo, até teve validação do Presidente da República, mas, numa reviravolta política fomentada por um simples artigo de opinião, ganhou via direta para discussão e votação na Assembleia da República (AR), o que acontecerá a 24 de janeiro.

A posição socialista, afirmada nesta terça-feira pela líder parlamentar, Alexandra Leitão, unida à vontade do PSD, que apoia o Governo, chegará para assegurar a maioria parlamentar que levará adiante a alteração do uso dos solos. Com o líder parlamentar do PSD a mostrar, no mesmo programa radiofónico onde falou Alexandra Leitão, abertura para negociação, o envio inesperado para o Parlamento poderá significar apenas uma revisão do Decreto-Lei aprovado pelo Governo de Luís Montenegro em dezembro.

“Não temos nada contra, antes pelo contrário, da atribuição de competências aos municípios nestas e noutras matérias”, salientou a dirigente do PS no programa Conselho de Líderes, da TSF, nesta terça-feira. Contudo, alertou, apesar da ausência de “objeção de princípio ao diploma”, este “precisa de algumas alterações importantes”.

O envio do Decreto-Lei para o Parlamento foi espoletado no primeiro dia útil do ano, quando a arquiteta Helena Roseta apelou aos deputados da República, num artigo escrito no Público, para que se unissem e levassem o diploma a discussão no hemiciclo.

“A minha questão é que não passa pela cabeça de ninguém que una matéria tão importante não passe pelo Parlamento”, explica Helena Roseta ao ECO/Local Online. “O que é preciso é trabalhar sobre o diploma. Ou pura e simplesmente revogá-lo, ou melhorá-lo”, assinala, afirmando que “não é aceitável” alterar os usos do solo “fora do Parlamento, à socapa”. Algo que, defende, foi feito com a publicação da lei em Diário da República no dia 30 de dezembro.

Ainda a 2 de janeiro, dia da publicação do artigo de opinião, os deputados do Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN responderam afirmativamente ao apelo de Helena Roseta e juntaram-se, dando início ao caminho que levou a que, nesta terça-feira, fosse marcada a discussão para dia 24 da lei que, nos últimos dias de 2024, veio dar espaço à transformação de solos rústicos em urbanos por simples decisão do Executivo do município, validada pela Assembleia Municipal.

Situações há em que ambos os órgãos estão com a mesma força partidária, o que, em teoria, coloca a alteração de uso do solo na mão de um presidente de câmara. Um dos pontos do país onde tal foi ditado pelas autárquicas de 2021 é Oeiras. A candidatura Isaltino – Inovar Oeiras obteve oito dos 11 vereadores na câmara e 18 em 33 deputados na Assembleia Municipal, pelo que o Decreto-Lei 117/2024 aprovado pelo Conselho de Ministros e promulgado pelo Presidente da República em dezembro, lhe coloca ‘a faca e o queijo na mão’ para tornar solo rústico em urbano no seu município.

“Em Oeiras, em 2012 comprava-se terrenos com potencial construtivo a 400 euros por metro quadrado, agora são, no mínimo 1600 euros”, nota Isaltino Morais, em conversa com o ECO/Local Online. Quando o Decreto-Lei 117/2024 for aplicado, os terrenos rústicos em Oeiras com potencial urbano irão ser comercializados a um décimo desse valor, assegura o autarca. A Câmara irá adquirir estes terrenos, e quem não quiser vender, será expropriado, assegura Isaltino Morais. “Ao contrário do que dizem, não será feito o que o dono do terreno quiser.

Ao contrário do que dizem, não será feito o que o dono do terreno quiser. Vamos conseguir negociar estes terrenos entre 100 e 200 euros o metro quadrado.

Isaltino Morais

Presidente da Câmara Municipal de Oeiras

Alexandra Leitão assegura que o PS não está contra a atribuição de competências aos municípios, nem tem “objeção de princípio ao diploma” do uso dos solos, mas o partido considera que “este precisa de algumas alterações importantes. Numa declaração que agradará aos autarcas socialistas, realça: “não embarco nas críticas que têm sido feitas ao nível da corrupção dos autarcas, que fique bem claro. Mas obviamente que a reclassificação do uso dos solos deve ter critérios rigorosos em nome de valores como o ordenamento do território. Pode ser feita, mas tem que ser feita para objetivo muito claro, de pôr casas mais baratas no mercado”.

Isaltino Morais, autarca de um dos concelhos onde o preço médio da habitação é mais elevado, relembra, criticando veementemente, a Lei 31 de 2014, que veio exigir uma clarificação do uso dos solos entre urbanos e rústicos, terminando com a figura do terreno urbanizável. Uma decisão do Governo de Pedro Passos Coelho, que, acusa, levou à escassez de terrenos para construção e ao consequente encarecimento do solo, sobrecarregando o preço das casas novas. Foi, assegura, “uma revolução nefasta para o mercado de habitação”, culminando em “casas ao triplo do preço”.

No sentido contrário, Helena Roseta enaltece o trabalho feito pelo Governo do PSD e CDS há dez anos, sob a égide do ministro Jorge Moreira da Silva.

Considerando as alterações à lei dos solos promovida pelo atual Governo “fogachos sem medir consequências”, a arquiteta e voz consagrada em políticas de urbanismo em Portugal recorda o que acontecia desde antes da Democracia, e só travado em 2014.

O solo urbanizável foi a grande jogada que se fez em Portugal. Antes do 25 de abril, fazia-se um loteamento, pedia-se à câmara para urbanizar o terreno sem planos nem orientações. Paralelamente, e porque mesmo assim a habitação não chegava para todos, o território foi apropriado ilegalmente”, recorda, aludindo a muitos dos bairros criados durante décadas sem o devido enquadramento com políticas de território. “Urbanizável era uma palavra equívoca, entre rural e urbana, e que estava na expetativa de vir a ser urbano. Com a lei de 2014, ou é urbano ou rústico”, explica Helena Roseta.

Nessa altura, as câmaras tiveram cinco anos para classificar os terrenos urbanizáveis de uma das duas formas, prazo que foi sendo prorrogado consecutivamente. “A 31 de dezembro [de 2024], terminou o prazo que os municípios tinham para fazer reclassificação. O atual Governo achou que não parecia bem [voltar a prorrogar o prazo] e fez nova legislação”, acusa.

A arquiteta recua ao simplex urbanístico dos últimos meses do Governo de António Costa, há um ano, e nota que nessa altura se conferiu a possibilidade de transformar terrenos rústicos em urbanos apenas para propriedade pública. Agora, alarga-se essa possibilidade a propriedade privada.

Helena Roseta preferia ver a aposta na requalificação de edifícios e no uso daqueles que estão devolutos, até porque, acusa, no diploma atual “não é exigida fundamentação séria” para alterar o uso. “O território é muito díspar. Devia perguntar-se aos municípios se o perímetro urbano está esgotado”.

Sobre a recuperação de edifícios em mau estado de conservação para satisfazer necessidade de habitação, alternativa defendida por alguns dos críticos do Decreto-Lei que irá ao Parlamento no dia 24, Isaltino Morais assegura que “recuperar um prédio degradado no centro da cidade custa duas ou três vezes mais do que os preços a custos controlados”. Apontando a um exemplo concreto, identifica os dois edifícios novos que autarquia está a finalizar, com preços de venda a rondar os 2.000 euros o metro quadrado.

Apesar da falta de crença de Isaltino Morais na adesão de privados à construção a custos moderados em terrenos atualmente rústicos, Hugo Ferreira, presidente da associação dos promotores imobiliários (APPII), elogia a medida do Governo, classificando-a como “necessária e positiva”, apesar de considerar que só acompanhada da redução do IVA e da simplificação de processos de licenciamento poderá ter efeito no aumento da oferta de habitação a preços moderados. “No médio e longo prazo, o preço dos terrenos tenderá a baixar”, considera o representante dos promotores imobiliários, apontando um desenho do diploma à medida das áreas metropolitanas, onde há escassez de solo urbano.

Referindo-se à criação de um teto para o preço de venda das casas novas construídas sobre solo atualmente rústico (125% da mediana do município, até um máximo de 250% da mediana nacional), Hugo Ferreira nota que o controlo de preços pelo Decreto-Lei é feito “à saída, na venda” do imóvel, mas “nada se diz quanto ao preço à entrada. Se não controlamos os preços a que os terrenos entram no mercado, tenho dúvidas de que venha a funcionar no curto prazo. Assim que o terreno passa a urbano, tem outro preço”.

“Há falta de disponibilidade de solo para construirmos habitação. Agora, vamos ter mais solo disponível, mas ainda que tenhamos esse solo, sem redução do IVA na construção, esqueça a construção de habitação acessível. Ao preço a que a construção está, sem redução da carga fiscal não há habitação a preço acessível”, assegura o responsável da APPII.

Há falta de disponibilidade de solo para construirmos habitação. Agora, vamos ter mais solo disponível, mas ainda que tenhamos esse solo, sem redução do IVA na construção, esqueça a construção de habitação acessível. Ao preço a que a construção está, sem redução da carga fiscal não há habitação a preço acessível.

Hugo Ferreira

Presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII)

Em sentido contrário, Manuel Tereso, presidente da federação das cooperativas de habitação (Fenache), defende que “não é por falta de terrenos urbanos e urbanizados que há falta de habitação em Portugal. O problema é o custo desses terrenos. Os Planos Diretores Municipais (PDM) têm terrenos que dão para várias vezes a população do país. O Estado tem muitos terrenos. Em Lisboa, para milhares de fogos. Não se percebe bem a necessidade de transformar solos rústicos em solos urbanos”.

Manuel Tereso realça a diversidade do território e o facto de haver concelhos do país com zonas já urbanizadas e que “só estão à espera dos prédios”, os quais não surgem devido à falta de procura. Olhando para a atividade dos seus associados, que conseguem fazer, em Lisboa (onde não existem terrenos classificados como rústicos, assegura Helena Roseta, o mesmo acontecendo no Porto, segundo confirmou a autarquia ao ECO/Local Online), um T2 com garagem para venda a 205 mil euros, o presidente da Fenache indica que o preço máximo do terreno para viabilizar construção a custos controlados é de 30 mil euros por fogo, o que representa 300 euros por metro quadrado.

Valor que vem ao encontro da pretensão de Isaltino Morais para avaliação dos terrenos rústicos do seu concelho que passem a urbanos, assim o Parlamento valide o Decreto-Lei do Executivo de Luís Montenegro. “Vamos conseguir negociar estes terrenos entre 100 e 200 euros o metro quadrado”, afirma o autarca, apontando o interesse da câmara em adquirir “todos os terrenos rústicos” de Oeiras que sirvam o propósito da construção de habitação pública. “Quem satisfaz a necessidade dos pobres e da classe média é o Estado”, defende.

“É importante que o PS e o PSD não se sintam reféns desta extrema-esquerda”, defende Isaltino Morais. “Felicito o Governo por ter feito esta alteração legislativa e espero que no Parlamento o PS e o PSD sejam capazes de estar à altura da situação”.

Pelas palavras de Alexandra Leitão e Hugo Soares na antena da TSF nesta terça-feira, os dois partidos não se mostram, para já, desalinhados com este desafio.

A socialista deixou claras duas exigências do seu partido para viabilizar o diploma do Governo na votação de dia 24. Desde logo, o valor máximo das novas habitações terá de ser reduzido. Pela lei do Governo, “considera-se preço moderado aquele que está em 125% da mediana. Ou seja, considera-se um preço que está 25% acima da mediana. Os preços das casas já estão tão elevados que não nos parece que se possa considerar moderado um preço que ainda é acima da mediana. Para nós, é algo com que não podemos concordar”, salientou Alexandra Leitão.

Entre os autarcas ouvidos pelo ECO/Local Online, Hugo Pereira, presidente do município de Lagos — um daqueles onde é mais caro comprar casa –, valida a preocupação da líder parlamentar do seu partido. “Tendo como referência os valores medianos de venda de habitação em território nacional para o segundo trimestre de 2024 e a tendência crescente do valor de venda (trimestralmente publicado pelo INE), a aplicação [em Lagos] desta alteração ao regime resultará num valor excessivo. Nesse sentido, o município manifestou a sua preocupação junto da ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses), sendo que a aplicação deste diploma poderá não ter os efeitos pretendidos no que respeita à realidade do território de Lagos”, explica.

O presidente da câmara de Lagos salienta que a 13 de dezembro enviou o seu parecer à ANMP. A associação veio, nesta terça-feira, anunciar uma posição coincidente com a da líder parlamentar do PS. “Nós entendemos que esta visão de colocar nos municípios mais responsabilidades vai no sentido positivo, mas há ainda algumas melhorias que podem ser feitas ao diploma e aguardemos que isso possa acontecer agora, em sede da Assembleia da República”, afirmou Luísa Salgueiro, presidente da ANMP, citada pela Lusa.

Alexandra Leitão salienta ainda a necessidade de assegurar que a reclassificação de uso dos solos se faça “numa lógica de contínuo urbano”, junto de agregados já existentes, “segundo um critério de contiguidade. Parece-nos uma regra importante de repor”. A deputada nota que a criação do que chama de ilhas urbanizadas sem contiguidade com o perímetro urbano aumentará custos de infraestruturas e culminará em desordenamento territorial.

Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, admite: “dos reparos que o PS faz, alguns deles parecem-me sensatos. Parece-me que podemos olhar para essas matérias. Espero que o processo legislativo no Parlamento seja rápido e expedito”.

A 24 de janeiro, a medida chegará ao Parlamento. Os 14 deputados que promoveram o envio do Decreto-Lei de dezembro, relativo ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), para o Parlamento, dizem que este surge ao “arrepio do conhecimento científico sobre o desenvolvimento e expansão dos perímetros urbanos” e denunciam ilegalidade ambiental, à luz da legislação europeia.

Recorde-se que PS e PSD, unidos, asseguram a promulgação da lei. Os dois partidos somam 156 dos 230 deputados (e há que contar ainda com dois deputados do CDS). Considerando os 80 deputados da coligação que apoia o Governo, a abstenção do PS também permite viabilizar o diploma, mesmo que os 50 deputados do Chega e os oito da Iniciativa Liberal se juntem aos 14 do Bloco de Esquerda, Livre, PCP e PAN.

  • Alexandre Batista

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