A ironia da IA ser um conjunto de vieses humanos

  • João Calado
  • 17 Maio 2024

Estaremos nós a facilitar tanto, ao ponto de criarmos IA baseada nos nossos vieses, enquanto ignoramos o que nos torna verdadeiramente humanos e diferentes da nossa criação, a procura de perspetivas?

Na era da Inteligência Artificial (IA), onde as máquinas aprendem a imitar os processos de pensamento humano, podemos perguntar se “A IA dominou a arte do pensamento?”, ou talvez, de forma mais filosófica, “São ainda os humanos os paladinos do pensamento, ou cedemos esse título às entidades que fabricamos?”.

Enquanto uns estão maravilhados e outros assustados com os avanços da IA, é interessante notar que estes sistemas são treinados segundo um imenso leque de dados, refletindo os vieses e suposições dos seus criadores. Posto isto, quando perguntamos à Siri, à Alexa ou ao Google Assistant, estamos apenas a interagir com um espelho das suposições coletivas que criaram aquela entidade. Nós, homo sapiens sapiens, os seres racionais, ao longo do nosso dia fazemos suposições sem questioná-las. Tomamos milhares de decisões de forma inconsciente seguindo essas suposições. Vemos o mundo através da nossa própria lente, raramente parando para considerar perspetivas alternativas. É aqui que a IA, com a sua abordagem baseada em dados, pode potencialmente superar-nos.

Mas, é isto que acontece?

Ora, a IA, com toda a sua sofisticação, ainda é escrava da programação e dos dados que a alimentam. Carece, portanto, de uma habilidade que até hoje é apenas humana, a capacidade de questionar as suposições e de entender as nuances dos vieses. Assim sendo, enquanto a IA pode processar informações mais rápido do que qualquer humano, será que compreende as informações que está a processar? No atual ecossistema em que vivemos, tanto os humanos como a IA têm as suas forças e fraquezas quando se trata de pensamento. Os humanos destacam-se na capacidade de questionar e entender o contexto, já na IA, realce ao processamento de grandes quantidades de dados de forma rápida e precisa. No entanto, a ironia está no facto de que, enquanto nos esforçamos para desenvolver uma IA que possa pensar rapidamente, muitas vezes, nós próprios falhamos na aplicação de um sentido crítico aquando das interações com a IA. Aceitamos as respostas dos sistemas de IA sem contestar as suposições e vieses que as fundamentam.

À medida que continuamos a avançar na era da IA, pois é uma onda que temos de saber navegar, rejeitar esta ideia é querer parar a natureza evolutiva com as mãos, há a necessidade do fortalecimento da importância do sentido crítico. Pessoalmente, mesmo retirando a IA da equação, julgo que somos pouco pensadores, raras são as vezes em que avaliamos as situações de forma profunda e racional, aceitando facilmente o que nos dizem sem indagar e procurar novas soluções ou factos. Claro que para isso é preciso treino e é preciso sairmos da zona de conforto, é necessário questionarmos, não sendo obrigatório o conflito. O facto de sermos um povo apaziguador leva-nos a gostar do conformismo e facilitismo, sendo o extra mile um destino longínquo daquele que é entregue pelos nossos profissionais e líderes.

Estaremos nós a facilitar tanto, ao ponto de criarmos IA baseada nos nossos vieses, enquanto ignoramos o que nos torna verdadeiramente humanos e diferentes da nossa criação, a procura de perspetivas alternativas?

  • João Calado
  • diretor de marketing na SGS Portugal

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