A menina que ficou infeliz…
Criar, num momento importante para o setor, uma polémica que causa desunião vai contra tudo o que se pretende. Aos envolvidos diretamente, era exigido bom senso. Ninguém o teve.
No ano passado, uma reputada instituição bancária decidiu lançar uma campanha de apoio à seleção feminina de futebol. A campanha narrava a história de um pai apaixonado por futebol que desejava ter um filho rapaz, mas a quem nasceu uma menina. A filha, no entanto, destacou-se nas camadas jovens de futebol, atingindo a seleção nacional e marcando um golo num jogo decisivo. No momento de celebração, colocou a bola dentro da camisola e gritou: “É uma menina”. O pai, cheio de orgulho, celebrou com a filha. Muitos de nós vimos e recordamos este filme.
Recentemente, encerraram-se as votações para um dos mais prestigiados certames de criatividade em Portugal – os Prémios do Clube de Criatividade de Portugal (CCP). Contudo, o júri da categoria de publicidade decidiu anular a participação deste filme, considerando-o “machista”, segundo relatos divulgados publicamente.
A direção do CCP manteve-se neutra, afirmando que o júri é soberano e que não interfere nas suas decisões. Esta postura gerou controvérsia, levando a agência responsável pela campanha a retirar todas as suas outras submissões do concurso.
Portugal é um estado de direito regido por leis, incluindo o Código da Publicidade, que regula o que é permitido nesta área. Quais são, então, as linhas vermelhas no que diz respeito à comunicação comercial? Este é o ponto crucial da discussão. Todas as campanhas publicitárias têm um propósito comercial e um patrono – o cliente. Esta campanha passou por todas as avaliações necessárias, satisfez o cliente, e não infringiu o Código da Publicidade, pois não foi proibida em nenhum meio. É, portanto, uma campanha íntegra e séria.
O CCP convidou oito profissionais para avaliar a criatividade das campanhas apresentadas. O objetivo era identificar quais das campanhas escolhidas previamente pelos associados do clube mereciam destaque criativo. Este júri tinha o poder de considerar a campanha como criativa ou não. No limite, poderia decidir que a campanha não era criativa e, por isso, não merecia reconhecimento. Estaria totalmente no seu direito.
No entanto, o júri foi mais longe. Assumiu o papel de juiz e carrasco, e, em vez de avaliar apenas a criatividade, decidiu julgar a interpretação da campanha. Como não gostou da mensagem, considerou-a machista e retirou-a da shortlist. A questão que se coloca é: com que direito?
Não tenho ligação com a agência que levou a campanha a concurso, nem com o cliente para quem foi feita. Estou solidário com ambos, pois as interpretações são subjetivas. Onde uns veem machismo, eu vejo empoderamento. Nenhum de nós está mais certo ou errado que o outro; é uma questão de perspetiva pessoal.
A publicidade em Portugal é um setor tradicionalmente pouco unido. Como cliente, debati várias vezes esta questão com outros colegas. Um setor será mais relevante quanto mais unida for a sua voz. Criar, num momento importante para o setor, uma polémica que causa desunião vai contra tudo o que se pretende. Aos envolvidos diretamente, era exigido bom senso. Ninguém o teve. Tornaram-se apenas veículos da tendência de normalização da proibição que permeia várias áreas da nossa vida e sociedade. O pluralismo e a democracia que o suporta merecem melhor.
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