As causas das marcas

  • Elgar Rosa
  • 7 Julho 2025

Num mundo em que os valores contam, o silêncio deixa de ser neutral para se tornar ruído. E os consumidores, que hoje têm um microfone na mão, estão demasiado atentos.

Naquela quarta-feira de 14 de maio de 2025, Ben Cohen, fundador da Ben & Jerry’s, sabia quais as consequências de interromper a audiência do senado para gritar “Congress kills poor kids in Gaza by buying bombs and pays for it by kicking kids off Medicaid in the U.S.” Ben referia-se ao apoio militar americano a Israel. Foi removido do Capitólio pela polícia e preso. Mas Cohen tinha noção que não era apenas ele que ali estava. A sua marca e os seus consumidores também ali estavam, preenchendo mais uma página de uma longa vida de ativismo.

Bem sei que não somos todos Ben & Jerry’s, mas temos de ouvir mais os estudos. Sprout social (2024), Ipsos (2020), Kantar (2020). Todos revelam números esmagadores sobre a preferência dos consumidores relativamente a marcas que se posicionem publicamente em relação a assuntos sociais ou políticos. Já aqui escrevi sobre isto e não me vou repetir, mas a verdade é que o conflito no Médio Oriente trouxe novos layers para a importância de as marcas serem claras quanto aos seus valores e tomarem posição pública em assuntos relevantes.

O verdadeiro dilema das marcas está em assumir posições num mundo polarizado, onde uma opinião num determinado sentido parece hostilizar o “extremo” oposto. O silêncio, uma espécie de neutralidade muda, parece ser a melhor opção, ainda que por vezes se torne ensurdecedor.

É evidente que nem todas as marcas devem assumir posições sobre tudo. Devem fazê-lo em circunstâncias concretas: quando a causa estiver alinhada com os seus valores; sempre que os seus públicos esperarem esse posicionamento; sempre que o silêncio possa ser interpretado como suspeito; e, em alguns casos, quando a posição for acompanhada de ações concretas.

Nem todas as marcas são a Ben & Jerry’s, e ainda bem. A intervenção no espaço social não tem de ser sob a forma das campanhas da Nike sobre racismo, os investimentos da Patagónia em matéria ambiental, o desenvolvimento de produto da Lego no tema de inclusão e diversidade ou o apelo do Airbnb para acolher desalojados de guerra. Nem tão pouco o compromisso social da nossa bem portuguesa Delta.

Dito isto, precisamos de mais marcas cujos valores vão além de cuidadosos textos no site. Marcas que assumam posições e até intervenções em áreas que se relacionem com o seu negócio e com os seus valores, seja em que causa for: direitos da criança, migrações, direitos das pessoas LGBTQIA+, igualdade de género, combate à violência de género, guerra, causa ambiental, erradicação da pobreza, apoio à população idosa, valorização do interior do país, etcétera, etcétera, etcétera.

Não se pede às marcas que sejam ativistas. Pede-se que sejam coerentes. Num mundo em que os valores contam, o silêncio deixa de ser neutral para se tornar ruído. E os consumidores, que hoje têm um microfone na mão, estão demasiado atentos.

  • Elgar Rosa
  • Fundador e diretor executivo da Pure

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