Black vs Green: excesso ou equilíbrio?
Há um enorme espaço a ocupar entre sermos todos vegan ou hippies. Entre o tímido green, o fake green, o black fraude ou o puro black, há muitos outros matizes para equilibrar o mercado e os excessos.
Algumas importações de conceitos são mais felizes do que outras. A da Black Friday parece-me uma das infelizes, especialmente nos tempos que correm e para o futuro que precisamos.
A Black Friday está a confundir-se com as promoções, que em Portugal já são sui generis: prolongamos no tempo um mecanismo que é suposto acontecer num dia, num fim de semana, numa semana. Uma profusão de marcas – dos perfumes, aos livros, à eletrónica, aos equipamentos para a casa, às viagens -, utiliza o incentivo da Black Friday durante semanas, nalguns casos, um mês ou mesmo num período seguido até ao Natal.
Na minha vida de publicitária escrevi algumas vezes sobre conceitos de preço, como as promoções. Uma promoção era uma ferramenta de marketing para baixar o preço de determinados produtos durante umas horas, um dia, um fim de semana, uma semana. Para escoar stocks, divulgar uma novidade, antecipar a concorrência, provocar um pico de vendas, gerar experimentação. Ora o que aconteceu no nosso país? O fenómeno das promoções instalou-se, passou a fazer parte do sistema, para nunca mais desaparecer, desde há décadas. Excetuando o evento negro de uma cadeia num célebre dia 1 de maio já bem distante, as promoções nos supermercados tornaram-se permanentes, banalizaram-se, com descontos de 40 a 50% em quase todos os produtos, em rotação. Espero que isto não venha a acontecer com a Black Friday.
Não sou de todo contra o consumo, sou contra o consumo desenfreado, excessivo. Afinal, trabalhei nesta atividade, com marcas, durante quase 40 anos, procurando uma coisa chamada diferenciação ou “valor”. Há 12 anos, introduzi na agência o conceito de consumidor-cidadão ou de consumo inteligente.
Alguns números sobre a BF a nível global:
- 80% dos produtos comprados acabam em aterros;
- A produção de roupas compradas na BF consome 1,5 biliões de metros cúbicos de água;
- As compras geram mais de 1 milhão de toneladas de plástico em packaging que vai para o lixo.
Faltam seis anos e um mês para 2030, ano em que Portugal e o mundo têm compromissos e targets locais, nacionais e globais muito concretos e ambiciosos para combater as alterações climáticas, preservar a biodiversidade, melhorar a vida da humanidade através do Acordo de Paris e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, consagrados universalmente em 2015. Temos estratégias e planos de ação de economia circular nacionais e globais, por oposição ao modelo linear: um modelo económico verde, exequível, inovador, e relativamente fácil de implementar, sem necessidade de racionamentos, privações, sacrifícios.
E nesta busca de novos modelos que sejam rentáveis, mas simultaneamente não conflituem com o desígnio de um bem comum, o nosso planeta, as empresas têm uma responsabilidade e um papel fundamentais. Não basta parecer, é preciso ser. Apareceu uma Green Friday tímida, algumas marcas já estão a incorporar a sustentabilidade no seu ADN, mas ainda são incipientes em número e em iniciativas concretas, visíveis, com verdadeiro impacto e demonstração na tão necessária e urgente transformação.
Há tantas oportunidades de vender de forma inteligente, responsável, interessante, captar e cativar antigos e novos clientes, mudar a narrativa de uma vez por todas, cocriar, ousar.
A começar por produtos feitos com matérias-primas mais sustentáveis. A tecnologia com a quantidade de consumo de recursos naturais e o lixo eletrónico que gera, ou o vestuário, são dos setores mais poluentes, mas em simultâneo, as categorias que mais vendem na Black Friday.
Por que não fazer descontos, mas apenas – ou substancialmente maiores -, nos equipamentos energeticamente mais eficientes? Nos produtos sazonais? Nos produtos mais saudáveis? Juntar pequenos devices tecnológicos que ajudem à medição ou à poupança na venda de produtos (ex. um temporizador de água com um gel de banho)? Fazer alguns banhos de floresta em vez de uma viagem de avião? Alugar em vez de comprar? Adiar uma compra não necessária?
Há tantas formas de ser green, sem enganar, dissimular, ganhando dinheiro, tendo margens e lucro, estimulando a criação de uma verdadeira cadeia de valor com impacto social, em que todos ganham. Que bom seria adotarmos um green permanente, compensando e substituindo um black pontual.
Pequenos passos do lado do consumidor-cidadão. Passos um pouco maiores do lado das empresas, e ainda maiores, do poder local e central. Sem demagogias, hipocrisias, moralismos, fundamentalismos, catastrofismos. Como costumo dizer, há um enorme espaço a ocupar entre sermos todos vegan ou todos hippies. O que equivale a dizer, entre o tímido green, o fake green, o black fraude ou o puro black, há muitos outros matizes para equilibrar o mercado e os excessos.
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