Cumprir a promessa das marcas

  • Pedro Pimentel
  • 11 Novembro 2024

As marcas são, nunca esqueçamos, valor económico. Uma marca que não comunica, é uma marca que se branqueia, sendo que a consolidação da relação com os consumidores se faz no território da comunicação.

O contexto atual coloca às marcas um desafio complexo: como adicionar os pês da proximidade e da personalização a negócios de larga escala, tendencialmente massificados e desenvolvidos com objetivos de efetiva omnicanalidade. A evolução da tecnologia, a captura de um crescente volume de dados, a fragmentação da comunicação e a progressiva dificuldade em distinguir verdade e propósito num espaço de comunicação saturado (e, muitas vezes, poluído) introduzem uma dimensão ética a esse desafio.

Há poucos dias fui convidado pelo André Zeferino, um amigo de longa data e com uma longa carreira e obra publicada na área do marketing, para realizar uma curta intervenção no evento de lançamento do seu mais recente livro “Marketing Governance: a inovação ética e responsável num mundo em mudança”, que vos convido, desde já, a ler. O desafio colocado pelo André foi o de discorrer, ainda que de forma breve, sobre a eterna promessa das marcas (no século XXI).

Tendo como parceiro de conversa o radialista Fernando Alvim, uma ‘máquina’ de comunicação, foi impossível seguir o guião que levava ‘bem estudado’, mas que, ainda assim, serviu de base para esta reflexão…

A começar pela base, a de que um mundo sem marcas seria um mundo sem referências, um mundo sem identidade e sem cor, um mundo sem diversidade e sem escolha e que as marcas devem, desde logo, distinguir características e ajudar a identificar os produtos, assentando num conjunto de valores e benefícios, demonstrando posicionamento, gerando reputação e implicando promessa, propósito e tempo, mas exigindo – em simultâneo – cumprimento (dessa promessa), coerência e consistência.

As marcas são, nunca esqueçamos, valor económico. Uma marca forte converte-se num valor acrescentado efetivo dos produtos, sendo certo que um produto indiferenciado é muito menos valorizado. Uma marca forte transmite história, saber fazer, qualidade, diferenciação, e quanto mais poderosa a marca, mais o preço se dissocia do custo.

Por isso, boas marcas constroem e adicionam valor e elas são, hoje em dia, o ativo mais valioso das empresas. Atualmente, o património físico é relevante, mas não fundamental, a sua capacidade produtiva pode deslocalizar-se, mas a relação marca-consumidor não é transferível e tem um valor insubstituível.

As boas marcas distinguem-se pela forte componente de inovação e por investimentos significativos em I+d+i, pela voz ampliada por uma comunicação assertiva e por uma reputação construída passo a passo e que se constitui como um seguro de vida que lhes permite enfrentar e ultrapassar as dificuldades maiores de um mundo complexo e desafiante.

As boas marcas devem possuir um amplo conhecimento do consumidor e do mercado e demonstrar a sua especialização como fator de diferenciação, devem responder às necessidades dos seus públicos e antecipar os seus desejos e anseios, devem ter o desejo permanente de criar necessidades, construir tendências, definir estilos de vida.

Associamos as boas marcas a muitas fases e momentos das nossas vidas e as marcas que foram importantes numa dada altura, dificilmente são abandonadas pelo consumidor, gerando confiança, valor emocional e um halo protetor, convertendo-se em verdadeiras companheiras de viagem dos consumidores, os quais, quando têm dúvidas, se ‘agarram’ a elas, funcionando como uma garantia nos períodos de crise e de dificuldades.

A evolução do comportamento humano e dos padrões de compra e de consumo, obrigam marcas e empresas a uma constante adaptação, sendo que elas se devem assumir como eixo central da sustentabilidade, na sua mais ampla acepção, mostrando ação em áreas tão díspares como o fair sourcing, a análise de ciclo de vida ou o cálculo de pegada de carbono.

Devem mostrar-se genuinamente preocupadas com a dinamização de emprego, a criação de riqueza e o efetivo desenvolvimento dos seus círculos de influência, mostrando responsabilidade, solidariedade, comunicação transparente e inclusão, assumindo um papel inalienável na dinamização da cultura, das artes e do desporto.

As boas marcas são fundamentais no apoio às comunidades onde se inserem e respondem, de forma assertiva, aos desafios demográficos e ao fenómeno da longevidade, assentando a sua ação numa efetiva transgeracionalidade.

Mas às boas marcas não basta a adaptação. É necessário trabalhar para a sua constante renovação, mostrando, desde logo, velocidade e agilidade na reação às alterações do mercado, mas também perseverança e resistência em áreas como a sustentabilidade, a inovação ou a responsabilidade social

Construindo, no seu seio, equipas com agilidade, flexibilidade e heterogeneidade, que saibam adequar-se aos requisitos atuais da gestão de pessoas, mas preparadas para enfrentar os desafios do mercado e reagindo às suas dinâmicas, progressivamente assentes em eficiência operacional, racionalização de sortidos e renovação de portefólios, sem esquecer que ao controlo estrito dos custos, se deve associar a antecipação de potenciais disrupções do mercado, deslizando do usual just-in-time para um necessário just-in-case

Essa renovação passa também pela capacidade de enfrentar, de forma positiva, a rotação da pirâmide demográfica, com forte impacto na segmentação do mercado, na oferta e nos formatos de compra e de consumo. Na prática, a quebra da população reduz o mercado, a redução da natalidade e o envelhecimento afunila-o, mas a longevidade e o fenómeno da imigração geram um amplo conjunto de oportunidades.

Num universo, como o do FMCG, em que há uma distinção clara entre clientes e consumidores, é fundamental manter um modo de sedução permanente com os seus clientes, usando todas as fichas no jogo da prateleira que se faz entre marcas, perfis e funções distintas, mas em que a escolha e a decisão recai sempre sobre o dono do linear.

Essas fichas passam pela inovação e diversidade, pela diferenciação e experiência, pela conveniência e reputação, mas devem ser reforçadas com dois trunfos de peso: a geração de tráfego nos espaços comerciais e a construção de rentabilidade

Em simultâneo, as boas marcas devem manter-se numa relação séria com o consumidor, colocando-se ao seu lado nos bons, mas também nos maus momentos, com produto e mensagem a focarem-se nas suas preocupações e não esquecendo que a fórmula vencedora passa, inequivocamente, por uma combinação entre inovação e relevância.

Essa relação pode permitir converter cada consumidor num embaixador, reforçando a componente emocional, a autenticidade da ligação e uma conversação clara e empática, estabelecida nos vários territórios em que esses públicos se movimentam.

Hoje, mais do que a publicidade, é o testemunho, a partilha e a experiência que melhor valorizam as boas marcas, tendo sempre presente que ‘atrás’ de cada consumidor, há uma pessoa, progressivamente mais vocal, poderosa e empoderada. Por isso, mais do que com os consumidores, é com as pessoas que as boas marcas devem conversar.

A constante adaptação e a progressiva renovação são essenciais para que as boas marcas insistam na sua promessa e a cumpram, de forma entendível pelos seus públicos.

As boas marcas são sinónimo de liberdade de escolha, sendo que, muitas vezes, o consumidor escolhe de entre o que o retalhista previamente escolheu. Há, pois, que defender a diversidade e personalização como garantias básicas para que haja liberdade de escolha. As boas marcas são aspiração e inspiração e um valor básico da democracia.

As boas marcas existem, porque existem pessoas exigentes. Nas suas vestes de consumidor, elas são colocadas na intersecção entre produto, acessibilidade e conectividade, mas enquanto seres humanos elas são impactadas pela empatia, pela criatividade e pela reputação.

Uma marca que não comunica, é uma marca que se branqueia, sendo que a consolidação da relação das boas marcas com os seus consumidores se faz no território da comunicação, a qual ajuda a elevar produtos e marcas, vencendo a indiferença. A atual omnicanalidade do consumidor implica uma verdadeira omnicanalidade comunicacional

Uma marca que não inova, é uma marca no rumo inexorável para a irrelevância, convertendo-se numa marca amorfa que apenas sobrevive pela rotina e pela perda de valor e que tem crescente dificuldade em captar novos consumidores e reter os atuais, desaparecendo, progressivamente, do seu cérebro, do seu coração e da sua carteira.

Finalmente, uma marca que não adota uma boa governança perde influência e impacto. Uma governança adequada é fundamental para garantir o alinhamento, a responsabilidade e a conformidade das práticas num ambiente cada vez mais complexo, é essencial para padronizar abordagens e manter a consistência, garantindo que todos estejam focados nos mesmos resultados, mantendo um alinhamento estratégico entre empresa, marca e mercado e gerando a clareza, a agilidade e a adaptabilidade que permitem obter sucesso nos negócios.

Em síntese, as boas marcas são as que forçam os limites, que ultrapassam as expectativas, que alargam os horizontes. As boas marcas têm sempre uma meta: melhorar a vida dos seus públicos. E possuem um objetivo claro: peçam-me pelo meu nome

Como induz André Zeferino no seu mais recente livro, ao marketing, aos seus profissionais e aos seus mecanismos de governança, cabe manter a inovação ética e responsável num mundo em mudança e, para fazer cumprir a promessa das marcas, cabe encontrar o rumo certo num oceano de obstáculos nem sempre visíveis: construir um diálogo cúmplice e contínuo sem ultrapassar os limites da intrusão, mostrar inovação e diferenciação sem abdicar de demonstrar a correspondente relevância, gerar magnetismo e aspiração sem ceder à tentação de parecer mais do que ser.

  • Pedro Pimentel
  • Diretor-geral da Centromarca

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