Dignidade: Agora em Novo Sabor Uva
A sua estratégia é clara: inflar expectativas para, depois, culpar o sistema ou "os inimigos da nação" quando as promessas se revelarem impossíveis de cumprir. É um jogo perigoso.
A história sobre qual irei falar não tem começo nem fim. É tudo meio. Principiou antes da internet se popularizar e continuará até ao fim da humanidade (algo entre a próxima quinta-feira e meados de 3023).
A democracia, na sua essência, surgiu na Grécia Antiga, onde os cidadãos atenienses se reuniam na Ágora para deliberar e tomar decisões coletivas. A ideia era que o poder residia numa forma de governo em que a maioria decidia e todos tinham a oportunidade de participar.
Não é que os gregos se tenham enganado na qualidade do modelo proposto. Nós é que não levámos a coisa muito a sério. Acabámos por entender a democracia como algo que nos dá liberdade para sermos o ditador de um regime autoritário solitário, onde a visão de mundo de cada um é a única que vale. As redes sociais ampliaram o problema, não demorando para chegarmos no terrível lugar onde nos vemos.
Exemplo disso, foram as recentes eleições para a câmara de São Paulo, no Brasil, que trouxeram para os holofotes um rapaz chamado Pablo Marçal, uma espécie de Javier Milei com sotaque de cantor sertanejo ou um Bolsonaro mais atento aos dias de hoje. Marçal é um cruzamento perigoso entre um pastor desonesto e um diretor de marketing canalha.
A sua persona eleitoral baseia-se na manipulação emocional e no carisma performático, estratégias usadas para ganhar seguidores e vender promessas vazias. Apresenta-se como um outsider, alguém que desafiaria o sistema político com ideias “revolucionárias”. Mas, por trás da fachada, esconde-se um discurso populista que apela ao medo e ao descontentamento, mais interessado em acumular poder do que em trazer soluções (qualquer semelhança com o senhor Ventura é mera coincidência).
Além disso, Marçal explora a vulnerabilidade das pessoas, vendendo ilusões de sucesso fácil e transformação pessoal, enquanto se posiciona como líder espiritual, coach de vida e político não profissional. Utiliza técnicas de marketing agressivo para construir uma imagem messiânica, prometendo libertar os seus seguidores de todas as frustrações, desde as pessoais às económicas.
A sua estratégia é clara: inflar expectativas para, depois, culpar o sistema ou “os inimigos da nação” quando as promessas se revelarem impossíveis de cumprir. É um jogo perigoso, onde a democracia é apenas o cenário para a sua performance autoritária.
O personagem que Marçal veste é, em essência, um traje à medida para quem se vê como um produto político pronto para o consumo (disponível para quem esteja disposto a ignorar a mais pequena noção de integridade).
Como um sabonete disposto a mudar a embalagem e o perfume para agradar ao mercado, Marçal adapta-se ao gosto de um eleitorado frustrado (sempre há ricos e pobres nesta categoria; o ressentimento não escolhe classe social), vendendo um “novo começo” ou um “restart” em tudo isso que está aí.
É uma fórmula testada e que quase funcionou em São Paulo, onde Marçal ficou a apenas 1% dos votos de garantir um lugar na segunda volta. Desta vez não deu, na próxima, dará?
Ou como diria o meu tio Olavo, parafraseando o Millôr Fernandes: “Em política, o marketing não é tudo. Mas pode ser um substituto para a dignidade”.
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