Mais do que casas…

  • Silvia Jorge e Jorge Gonçalves
  • 11 Novembro 2024

Mais do que construir casas, há que construir habitat. Para isso, há que planear mais e melhor.

Tomamos de empréstimo o título da exposição em exibição no MUDE – Museu do Design, Lisboa, para refletir sobre o anúncio do Governo de construir cerca de 60.000 casas até 2030. Embora esta promessa represente um contributo para enfrentar a grave crise de acesso à habitação em que vivemos, torna-se essencial, neste momento, abordar também algumas das preocupações que dela resultam.

Construir territórios, não apenas casas

Como escreveu o arq. Teotónio Pereira (1969), o desafio não é apenas criar habitações para o maior número, numa lógica simples de somatório de casas, mas sim criar territórios devidamente pensados e equipados. Mais do que fogos, falamos também de transportes, espaço público, equipamentos e serviços adequados. Mais do que casas, falamos das relações e potencialidades presentes na ideia da cidade dos 15 minutos, onde a relação espaço-tempo determina o acesso e a qualidade dos serviços prestados. Mais do que casas, falamos de habitat.

Para isso, há que planear mais e melhor. O artigo 65º da Constituição da República Portuguesa é claro ao juntar “habitação” e “urbanismo” como um binómio indissociável. Em lugar de uma visão fragmentada e focada na urgência, o momento exige retomar os instrumentos de planeamento de escala local, como planos diretores municipais, de urbanização e de pormenor, para garantir uma intervenção pensada, integrada e inclusiva, que não passa necessariamente por alargar os perímetros urbanos, como anuncia o chamado Simplex Urbanístico.

Pensar Nacional, Intervir Local

A execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que relançou as políticas públicas de habitação em Portugal, tem vindo a mostrar um país diverso e a diferentes velocidades. São sobretudo os municípios mais preparados técnica e financeiramente que conseguem aceder ao financiamento disponível e concretizar as respetivas estratégias locais de habitação. Por sua vez, nem sempre são os casos de maior precariedade e vulnerabilidade habitacional os que obtêm resposta, dando-se prioridade ao número de soluções e à rapidez de execução.

Para contrariar esta tendência, há que clarificar e repensar as prioridades, reconhecendo que o financiamento disponível e as metas assumidas – no PRR e no próprio Programa Nacional de Habitação lançado em janeiro deste ano – ficam aquém das necessidades reais. O problema da habitação é sistémico e estrutural e exige respostas diferenciadas, em função das especificidades e dos recursos disponíveis nos municípios.

Conhecer o problema para melhor intervir

O momento é único. Há financiamento e um consenso generalizado: é preciso promover mais e melhor habitação em Portugal. Mas como, onde e para quem? Reconhecer e delimitar as atuais dinâmicas demográficas e desafios territoriais e societais ajudará certamente a encontrar respostas. O último Censos aponta para um país em perda populacional, envelhecido e com um excedente de casas, face ao número de famílias. O número de fogos vagos – alojamentos familiares desocupados e que, no momento do recenseamento, estavam disponíveis para venda, arrendamento ou demolição, por exemplo – supera em muito as carências habitacionais.

Mais do que construir, há que reabilitar e revitalizar o tecido construído, não negligenciando a sustentabilidade social, económica e ambiental. Mais do que construir, há que garantir uma melhor gestão do parque habitacional, incluindo o de propriedade pública.

Mais do que construir casas, há que construir habitat.

  • Silvia Jorge
  • Arquiteta, investigadora do CiTUA – Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa
  • Jorge Gonçalves
  • Geógrafo, investigador do CiTUA - Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa

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