O António e o Zé

  • Rodrigo Albuquerque
  • 17 Abril 2023

Tanta oferta e novidade gera por vezes um sentimento de fear of missing out, que nos pode levar a não ter em consideração o comportamento real dos consumidores.

Para começar este artigo de forma diferente e porque os quizzes matemáticos geram sempre muito engagement nas redes sociais, vamos também começar por um breve exercício. Para o efeito, vamos pensar numa experiência num mundo naturalmente imaginário de 20 refeições seguidas, com o mesmo menu e duas personagens: o António e o Zé. Ao longo destas 20 refeições, o António comeu sempre quatro sandwiches e o Zé comeu sempre zero sandwiches. Vamos então ao quiz. Ao fim das 20 refeições, qual a média de sandwiches consumida por refeição, por indivíduo? E o que aconteceu a cada um dos personagens?

Não é difícil calcular. Em média, comeram ambos dois sandwiches por refeição. Mas, no final das 20 refeições, o Zé vai estar totalmente subnutrido, provavelmente hospitalizado. E o António estará saudável. Eventualmente sem vontade de voltar a tocar em pão pelo resto da sua vida, mas seguramente bem de saúde.

Retenham por favor esta conclusão, e já voltamos ao nosso exercício.

Nos últimos anos temos assistido a uma transformação dos hábitos de consumo de meios por parte dos consumidores. A total massificação da internet e da posse de telemóvel e, em função disso, de todas as plataformas digitais, uma taxa de penetração de TV Cabo perto de 100%, OTTs, podcasts, entre vários outros, levaram a um aumento exponencial dos pontos de contacto com os consumidores. E, naturalmente, as marcas querem estar onde estão os seus consumidores.

É muito comum, tanto em conversas com amigos, como mesmo em ambiente profissional, ouvirmos que “lá em casa já não se vê TV linear, só Netflix” ou “já nunca oiço rádio linear, só Spotify” para logo de seguida vir a rápida extrapolação para o comportamento de toda a população: tal como eu… atualmente já ninguém vê televisão, ou, hoje em dia, já ninguém ouve rádio linear.

É natural querermos ver em quem nos está mais próximo um exemplo do comportamento de toda a população, ou até de um determinado grupo, como, por exemplo, a também tentadora conclusão de que todas as crianças se comportam como os nossos filhos, ou que todos os seniores se comportam como os nossos pais.

Mas de facto não é assim. Somos um país com mais de 10 milhões de pessoas, com comportamentos diferentes. Neste contexto, torna-se cada vez mais relevante uma análise rigorosa aos números e um distanciamento grande entre o nosso comportamento individual e o comportamento do grupo-alvo que queremos analisar.

A boa notícia é que nem temos de pensar muito, porque atualmente a transformação que referi também nos deu novos estudos, ferramentas e análises que nos permitem conhecer melhor o nosso consumidor.

Então, vejamos. De acordo com o “Global Web Index”, os portugueses consumiram em 2022 uma média diária de 5h32m de TV linear, mais 30 minutos que em 2019, o ano anterior à pandemia. Ouviram em média 1h33m de rádio linear, praticamente o mesmo tempo que em 2019, e ocuparam 2h26m do seu tempo em redes sociais, mais 15 minutos do que em 2019. De acordo com este mesmo estudo existem em Portugal um total de 1,8 milhões de contas de serviços de TV por streaming (OTTs), sendo o tempo médio diário despendido nestas plataformas de aproximadamente 1 hora. No que respeita a áudio, existem cerca de 3,4 milhões de utilizadores de plataformas de streaming, com uma média diária de consumo de 1h18m.

Números, de facto, bem diferentes de algumas perceções generalizadas. As OTTs não estão a impactar negativamente o consumo de TV linear, tal como o consumo de música através de serviços de streaming também não está a fazer decrescer o consumo de rádio linear.

Mas, existe de facto um gap geracional no que respeita ao consumo de meios. Aplicando então a conclusão do nosso quiz inicial, sabemos que a média diária de consumo de TV linear são 5h32m, mas na faixa etária +65 anos este valor é de 7h29m e na faixa etária 15-24 é de 3h28m. Por oposição, no digital o comportamento é inverso. Já no que respeita a rádio o consumo é superior dentro das faixas etárias que constituem a população ativa, o que é expectável, uma vez que o consumo de rádio é maioritariamente feito através de auto-rádio.

É aqui que reside então um dos grandes desafios da atualidade para as marcas e para as agências. Em perceber como se constroem estas médias. Porque, cada vez mais, “one size, doesn’t fit all”. Ou seja, para targets mais generalistas, uma solução de mensagem, media mix, formatos, entre outros, focada em insights com base em comportamentos médios, provavelmente não vai ser eficaz, pois arrisca-se a deixar de fora uma parte relevante do target. Começando pelo mais mainstream, por absurdo, uma campanha totalmente assente em TV deixará de fora uma boa parte dos consumidores mais jovens e uma solução apenas assente em digital deixará de fora uma parte também muito relevante das faixas etárias mais altas. Ao nível do planeamento e plataformas digitais, que permitem segmentações, entre outros, por interesses, teremos também dentro do mesmo target comportamentos totalmente distintos.

Neste sentido, todas as variáveis, tanto a nível da definição dos planos de meios, como naturalmente também no que respeita a conteúdos, mensagens e formatos, deverão ter em consideração esta diversidade dentro de cada target, podendo mesmo optar-se por ter dentro do mesmo plano de meios vários sub-planos, com soluções adequadas a cada sub-target.

Vivemos de facto num panorama de contínua transformação, que nos abre diariamente novos horizontes e novas soluções para as marcas se ligarem aos seus consumidores. Tanta oferta e novidade gera por vezes um sentimento de FOMO (Fear Of Missing Out), que nos pode levar a não ter em consideração o comportamento real dos consumidores, sobretudo o comportamento de todos os grupos de consumidores que constituem o nosso target.

Assim, voltando ao nosso exemplo inicial. Podemos concluir que as médias são importantes numa visão macro do consumidor, mas é fundamental uma análise mais granular e precisa de cada sub-target (do António e do Zé) de modo a podermos ser relevantes e chegar a cada consumidor através do meio certo, no momento certo, com a mensagem certa.

Desse modo teríamos conseguido perceber que o António adora pão, mas com outro tipo de ingredientes e que o Zé não tocou no pão porque é alérgico ao glúten!

  • Rodrigo Albuquerque
  • Managing partner Arena Portugal

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