
O Dia da Mulher. Ainda temos de o assinalar?
Não adoro que esta reflexão seja feita por uma mulher. Dá-lhe o cunho do queixume, e do “lá está ela”, mas “shame on me” se não o fizesse.
Ai se temos. Infelizmente, sim. Ainda tenho pudor e temor de falar sobre isto. Quanto mais escrever, para que todos possam ler e julgar, causa-me logo ansiedade. Já não creio que seja a síndrome do impostor como a conheço e como me entra sem pedir licença, quando eu até acho que estou melhor preparada para esta. Não, creio que neste caso, não seja só esta sacana. É também, a síndrome do pudor (eu, sei, não existe, mas acabei de a batizar). E como é que se combatem esses receios e pudores? Enfrentando o touro pelos cornos e aqui terminam os paralelismos tauromáquicos, que não tenho estudos para isso. E, não, não é por não ser coisa de mulher. É porque não tenho mesmo.
O problema da diversidade de género, sobretudo em lugares de topo, é um problema social persistente, que tem raízes profundas em mecanismos inconscientes e culturais, em estereótipos que nos condicionam a todos, e em estruturas históricas que são difíceis de desfazer. Há estudos que apontam que, se não forem adotadas políticas públicas e mudanças reais nas práticas das organizações, poderemos levar mais de 100 anos para atingir uma verdadeira paridade de género. Isto porque a evolução tem sido muito lenta. Em Portugal, antes da implementação da Lei das Quotas, as mulheres ocupavam apenas 12,2% dos lugares nos Conselhos de Administração das empresas cotadas. Apesar da melhoria depois do Protocolo assinado em 2012, a evolução continua a ser muito lenta.
A realidade é que, em 2025, ainda discutimos se a diversidade, a equidade e a inclusão (DEI) são necessárias. Pior, assistimos a retrocessos preocupantes. Nos Estados Unidos, a administração Trump acaba de dar duas semanas às escolas para encerrarem programas de DEI, o que representa um revés para décadas de esforços no sentido de uma sociedade mais justa. Simultaneamente, empresas americanas são forçadas a reavaliar as suas iniciativas para garantir conformidade legal, num ambiente onde o argumento da “meritocracia” é usado para justificar a inércia e perpetuar desigualdades. Então estes programas que incentivam a diversidade estão sob ataque, como se garantir representação fosse um privilégio e não uma necessidade competitiva. Retrocessos como este não são apenas um problema das escolas norte-americanas. São um alerta global.
Eu gostava muito que a meritocracia fosse a resposta para solucionar esta questão. E, durante muito tempo, defendi que só podia ser por aí, daí ainda ter embaraço em falar deste tema. As estatísticas demonstram que não é suficiente. Como assinala Luisa Garcia, CEO de Corporate Affairs da LLYC, comprometida com a diversidade e igualdade e em mudar as estatísticas desanimadoras, esclarece que a meritocracia, tal como a imaginamos, não existe por si só. Que se lixe então a minha vergonha e vamos aos factos:
- No momento do primeiro avanço na carreira, por cada 100 homens promovidos, apenas 87 mulheres recebem a mesma oportunidade, mesmo sem diferenças na taxa de retenção entre géneros. É a maior barreira para a igualdade no mercado de trabalho identificada pela McKinsey & Company e pela Fundação Lean In.
- Homens têm 33% mais probabilidade de serem promovidos a cargos de liderança do que mulheres, segundo dados do LinkedIn (2021).
- Em setores onde as mulheres representam mais de 60% da força de trabalho nos níveis iniciais, como é o caso da comunicação, marketing ou publicidade, há uma quebra acentuada na progressão para cargos de topo, como assinala o World Economic Forum.
- 71% das mulheres em cargos de liderança recebem feedback negativo, comparado com apenas 2% dos homens, sendo que as críticas femininas tendem a focar-se na personalidade e não no desempenho. Além disso, características penalizadas nas mulheres, como assertividade, são valorizadas nos homens.
- Mulheres em cargos de topo têm 45% mais probabilidade de serem despedidas do que homens, mesmo quando os resultados das suas empresas são superiores à média, segundo um estudo publicado no Journal of Management.
- Empreendedoras enfrentam avaliações mais duras do que os seus pares masculinos: startups lideradas por homens têm 13% mais probabilidade de receber uma avaliação positiva, mesmo quando os dados analisados são os mesmos.
- Homens intervêm até 75% mais em reuniões, mas enquanto essa participação reforça a sua autoridade, nas mulheres é interpretada como falta de preparação.
Sim, o problema da diversidade de género é complexo e só será resolvido com uma mudança geracional, através de uma ação combinada de políticas públicas e mudanças organizacionais. Não se trata de um problema dos homens, mas sim de um problema societal profundo. Embora não ajude o enviesamento inconsciente que também está na raiz do problema, como a homofobia — em que se consiga ir além do “good-old-boy network” nas contratações de colaboradores ou parceiros e/ou o “Boys Club Effect” que é historicamente mais forte.
Recentemente, em contexto profissional, não ganhámos um concurso e nas entrelinhas do feedback concluímos que pode também ter sido, e digo “pode” e “também”, não afirmo com convicção que “é por” não fazermos parte deste Clube. É apenas uma reflexão baseada em perceções. Sendo um artigo de opinião, há margem também para fazê-lo.
Voltando aos dados, o impacto das mudanças necessárias é grande: estudos comprovam que empresas com mais mulheres em cargos de topo têm melhor desempenho financeiro e enfrentam as adversidades de forma mais eficaz. Aliás, um estudo do McKinsey Global Institute sugeria em 2016 que eliminar a disparidade de género poderia adicionar até 12 trilhões de dólares à economia global anualmente até 2025. Já cá estamos!
O caminho é longo, e só com a contribuição ativa de todos — homens e mulheres, governos e empresas — conseguiremos garantir que a igualdade de género não seja apenas uma questão moral e ética, mas também um imperativo económico e de negócios.
Continuamos a celebrar o Dia da Mulher porque ainda temos de lembrar ao mundo que o talento é independente do género. Que diversidade não é uma questão de ser politicamente correto e, sim, de inteligência e de sobrevivência empresarial.
Não adoro que esta reflexão seja feita por uma mulher. Como não adoro que as lutas pelas igualdades tenham maioritariamente a voz das minorias, ou dos lesados, ou semanticamente mais correto dos visados. Dá-lhe o cunho do queixume, e do “lá está ela”, mas “shame on me” se não o fizesse.
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