O dilema português: Marca ou produto?

  • João Santos
  • 4 Abril 2024

Se queremos construir um país de produtividade elevada, uma das mais importantes estradas é a da construção de marcas. Demora tempo, mas o retorno será muito incomparavelmente mais elevado.

A internacionalização das marcas é um tema de enorme relevância nos dias de hoje, dado que o acesso e o conhecimento das marcas tornam os mercados internacionais críticos para a expansão de negócios das empresas e para a sua competitividade.

Cruzei-me recentemente com a informação de que mais uma marca internacional, neste caso alemã, se prepara para utilizar Portugal como seu hub de produção. Este movimento ilustra a capacidade produtiva do país e o reconhecimento internacional da sua expertise. De facto, Portugal tem tido um desenvolvimento ascendente nesta categoria de produtos e é hoje uma referência internacional, sendo o terceiro maior produtor em valor. Mas também aqui há um aspeto que ressalta na realidade portuguesa, embora tenhamos uma habilidade conhecida para produzirmos para terceiros, falhamos no desenvolvimento de marcas nacionais, com expressão internacional, que nos permitam cadeias de valor mais integradas e de maior relevância. E, infelizmente, este fenómeno está muito longe de ser limitado a um único setor.

Fazer marcas ou fabricar produtos

Todos sabemos que as marcas desempenham um papel crucial ao agregar valor aos produtos e serviços que as ostentam. Também sabemos que funcionam como diferenciador para os consumidores e como sinónimos de características positivas, quando são bem construídas. Com estes atributos geram confiança, ajudam a fidelizar consumidores e com isso impulsionam vendas, quando são desejadas, e aumentam o seu valor intrínseco através de melhores margens.

Mas se sabemos fazer, e bem, por que razão não conseguimos ter marcas fortes?

O curto e o longo prazo

O empreendedor típico português cria a sua empresa para servir o mercado local. São raras as exceções de quem inicia um projeto em Portugal a pensar servir de imediato o mercado global.

Tipicamente o empreendedor nacional parte com uma baixa capitalização, tipicamente com dificuldade de acesso a financiamento e com as limitações que muitas vezes esse financiamento suporta maioritariamente ativos físicos. Depois a expressão limitada do mercado local e o seu foco apenas neste mercado, leva-o a pressões de tesouraria, onde a marca fica relegada para um plano secundário, ou onde é construída com um pensamento inteiramente local e tático. Assim se explica porque, na necessidade que temos de aumentar as nossas vendas para crescermos, acabamos por produzir para terceiros e muitas vezes a especializarmo-nos nesta forma de trabalhar.

O que andamos a fazer…

Recentemente, cruzei-me com um projeto de internacionalização setorial suportado por fundos europeus envolvendo oito ou nove pequenas empresas portuguesas numa área onde temos grande expertise artesanal.

Estão a desenvolver um projeto de expansão para mercados internacionais, o que me pareceu uma excelente ideia. No entanto, o projeto fez uma distribuição de recursos por cada uma das entidades participantes, o que fez com que a quantia que cada um tem para investir na sua expansão pouco ultrapassa os 20.000 euros!

Naturalmente que as empresas imbuídas na sua boa vontade de fazer acontecer, apressaram-se a procurar quem lhes gaste o dinheiro. E esta é a expressão. Gastar e não investir!

É impossível para uma empresa fazer um processo de internacionalização credível, com comunicação ao consumidor durante um ano, com semelhante valor. Não vai funcionar para ninguém. Nem para as empresas, nem para as entidades setoriais, nem para as entidades financiadoras. Daqui a um ano estaremos todos felizes porque fizemos um investimento total relevante, e as estatísticas assim o dirão, mas na prática nada de substancial irá mudar.

Não investimos, gastámos!

Se querermos mudar o panorama, e problema crónico da produtividade portuguesa ser baixa, temos de investir em marcas. Temos de controlar as cadeias de valor e deixarmos de entregar a maior parte desse valor a quem intermedeia, ou “dá” a marca. A solução para isso é sermos cada vez mais colaborativos. Setorialmente investirmos em mercados coletivamente. As nossas empresas são demasiado pequenas para irem sozinhas e têm de entender que a competitividade global só se pode combater através de parcerias inteligentes. Temos de deixar de ser orgulhosos e partilharmos riscos, desafios e vitórias com os nossos parceiros, sejam eles setoriais ou não.

Temos de alterar paradigmas regulatórios e entender que, tão importante como investir num ativo industrial, é investir no ativo marca que o tem de suportar. E deixarmos de ser amadores na sua construção. É preferível termos poucas marcas fortes, do que muitas micro, pois essas não vão passar o teste do tempo no mercado global.

Se queremos construir um país de produtividade elevada, e queremos, uma das mais importantes estradas é a da construção de marcas, pelo que seria importante que o poder político e as entidades setoriais deixassem de subsidiar o que se vê fisicamente para passarem a ter um programa claro, objetivo, mensurável e constante de investimento em marcas. Demora tempo, mas o retorno será muito incomparavelmente mais elevado a todos os níveis.

Vamos a isso?

  • João Santos
  • COO do WYgroup

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