
O elefante saiu da sala
Apesar de sabermos que os ciclos existem, raramente nos preparamos para eles. Fingimos que os tempos de bonança serão eternos e que a austeridade é sempre uma surpresa, e não uma consequência.
Há quem diga que a história se repete, mas talvez seja mais simples: a humanidade nunca deixa de andar em círculos. Olhamos para trás e vemos um padrão claro — prosperidade seguida de crise, ordem seguida de revolta, desenvolvimento seguido de estagnação. É quase como se a sociedade, um pouco à semelhança da natureza, tivesse estações/tempos inevitáveis que tendemos a esquecer.
Na economia, não nos faltam exemplos. Sempre que acreditamos ter encontrado a fórmula mágica para a estabilidade, eis que surge uma nova crise. A euforia da globalização trouxe incertezas geopolíticas; a confiança no mercado financeiro mostrou-se, mais uma vez, frágil; e os avanços tecnológicos, que deveriam libertar-nos, colocam-nos no pensamento qual um equilíbrio necessário entre recursos, onde o humano se questiona se terá lugar – o qual – num futuro a ser dominado pela inteligência artificial (IA).
E aqui entenda-se “dominado” como sendo “dependente”, em que sendo as rotinas, as tarefas automatizadas e com capacidade de escrutínio. E não controlando/validando a capacidade de escrutínio da IA, pensasse que a seleção pode levar a consequências que agradarão ou não à sociedade, às empresas, aos cidadãos. Quase que parece um déjà vu, alinhados nas narrativas. Nascemos, crescemos, fazemos escolhas – mais ou menos acertadas com o nosso objetivo – com as quais aprendemos (cedo ou tarde), e só depois nos reconstruímos.
Durante algum tempo, aceitamos as regras deste jogo — até que as desigualdades, as injustiças ou a falta de perspetiva num futuro se tornam insuportáveis. Foi assim nas revoluções que derrubaram monarquias absolutas, nas lutas pelos direitos civis. Quando a sociedade não encontra respostas dentro do sistema, procura-as fora dele, e é nesse movimento que o mundo muda, quando o elefante no meio da sala, que tardámos em cuidar, sai porta fora.
Deixo um exemplo: a relação entre gastos e rendimentos é uma das principais questões de litigância entre o fisco e as empresas/cidadãos. E não é um problema recente. Já nos anos 80 do século passado, a realidade tributária estava cheia de incongruências, com imprecisões e contradições e de insuficiências, “quer como instituição organizada no campo das estruturas da coletividade, quer como elemento claro e inequívoco da cultura e da mentalidade” segundo Vítor Faveiro, então dirigente da Direção Geral de Contribuições e Impostos, a DGCI, antecessora da Autoridade Tributária e Aduaneira – AT.
Quatro décadas depois a relação do cidadão e das empresas com a AT, e o consequente contencioso tributário, são um reflexo da forma como são entendidas, isto é, desentendidas as interpretações dos normativos legais, não só em forma como em substância e, proporcionalidade.
O curioso é que, apesar de sabermos que os ciclos existem, raramente nos preparamos para eles. Fingimos que os tempos de bonança serão eternos e que a austeridade é sempre uma surpresa, e não uma consequência.
Estamos, claramente, em mais um desses momentos. O sistema económico range e os equilíbrios sociais estremecem. É sendo um tempo de incerteza, é também um tempo de possibilidade.
No fundo, a questão não é se os ciclos vão continuar a repetir-se. A verdadeira questão é: estaremos preparados – desta vez – para aprender com o passado ou vamos insistir em tropeçar nas mesmas armadilhas, como quem caminha em círculos sem perceber que já passou por ali antes?
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