O que fazer com o medo de negociar

  • Marlene Gaspar
  • 9 Outubro 2024

Esta mentalidade de "lixar ou ser lixado" está desatualizada e limita o verdadeiro potencial de uma negociação bem-sucedida. Hoje, mais do que nunca, é necessário que ambas as partes saiam vencedoras.

Há que metê-lo onde ele merece. Sim, aí mesmo, onde estás a pensar.

O receio de negociar está presente em muitos profissionais e frequentemente vai além do simples preço. Negociar envolve muito mais: prazos, entregáveis e até a forma como se apresenta o trabalho. Curiosamente, observamos que, em situações essenciais para garantir a qualidade final de um projeto, muitos evitam abordar questões simples por medo de parecerem exigentes ou de perderem o cliente. Mesmo quando sabem que pedir um prazo mais alargado ou uma abordagem diferente é o que realmente traria o melhor resultado, o medo de parecerem difíceis ou de não agradar, paralisa-os.

O medo distorce o raciocínio. Condiciona. É um grande obstáculo à concretização dos nossos objetivos. O medo de não estar à altura, de falhar, de não sermos suficientemente bons. É algo que nos acompanha, seja quando estamos a preparar budgets anuais nos departamentos de comunicação e marketing, ou quando respondemos a um new business, colaboramos com uma nova equipa, ou até com um cliente de longa data. Por vezes, inibimo-nos de questionar aquilo que, claramente, é insuficiente ou irrealista. Porém, estes são os momentos de nos afirmarmos, de fazer valer o nosso trabalho e demonstrar, com uma argumentação sólida, porque estamos a negociar.

Comecemos pela negociação do receio maior – o preço. Esta dificuldade de falar sobre dinheiro está profundamente enraizada em muitas culturas, e como Robert Kiyosaki argumenta, a educação financeira (ou a falta dela) molda a nossa relação com o dinheiro. Muitos foram educados a evitar falar sobre dinheiro, o que leva à falta de literacia financeira e, consequentemente, a decisões menos informadas. Confesso que eu, há alguns anos, não gostava de falar de dinheiro. Apresentava a proposta técnica e deixava a proposta financeira para o fim, num documento à parte, enquanto rezava para que o cliente não abrisse e não fizesse perguntas naquele momento. Sentia medo de falar sobre a proposta financeira, de que o cliente acharia caro, ou que eu não teria sido suficientemente competente a explicar a proposta — apesar do meu claro empolgamento, porque é das coisas que mais gosto de fazer: apresentar a solução criativa para responder ao desafio do cliente.

Sentia que aquele momento seria o anti-clímax das apresentações. À medida que fui assumindo novas responsabilidades — elaborar e defender propostas, assegurar rentabilidade e sustentabilidade do negócio — tive de dar o peito às balas e combater esse medo. Um dia, entre a espada e a parede, estava a responder a um desafio das mais altas instâncias internas, e perguntaram-me qual seria a minha solução para vencer este receio. Respondi, talvez impulsivamente, que passaria a incluir essa informação nas propostas técnicas, num slide onde ficaria bem visível, o que não me deixaria margem para contornar ou pedir que ignorassem essa parte enquanto eu estivesse na sala.

E não é que resultou?! Foi uma estratégia vencedora. Custou-me a primeira vez, a segunda também, mas menos, e a partir da terceira tornou-se entusiasmante. Comecei a ver que, depois de apresentarmos uma solução que acreditávamos ser a melhor, o seu valor merecia ser justificado e valorizado. Hoje, é uma parte pela qual anseio nas apresentações e passou a ser uma das que mais gosto de fazer. A negociação é como qualquer outra capacidade que desenvolvemos, e hoje sinto-me como a Emily in Lisbon a negociar.

A minha experiência (e aqui recorro à convicção, também conhecida por “achómetro”, não a dados estatísticos) diz-me que mais de 90% das vezes conseguimos defender valores ou estender prazos quando justificamos com argumentos válidos. A negociação é uma oportunidade de mostrar que não somos um custo, mas sim um investimento estratégico. A negociação inteligente, que realça o valor de prazos adequados, a qualidade dos entregáveis e o impacto do nosso trabalho, é fundamental para mostrar que a comunicação é uma ferramenta poderosa na conquista de objetivos.

Ao fazermos isto, mostramos confiança nas nossas capacidades e revelamos o impacto que o nosso trabalho pode ter no sucesso de uma organização. É este valor que os líderes empresariais apreciam, e cabe-nos a nós, especialistas, defendê-lo em cada negociação.

Negociar é uma competência essencial, seja no âmbito profissional ou pessoal. No entanto, é muitas vezes mal compreendida. Muitos veem-na como uma disputa onde um lado deve perder para o outro ganhar. Esta mentalidade de “lixar ou ser lixado” está desatualizada e limita o verdadeiro potencial de uma negociação bem-sucedida. Hoje, mais do que nunca, é necessário que ambas as partes saiam vencedoras, para que se construam relações duradouras e mutuamente benéficas.

Então porque é que não nos dispomos a negociar?

O erro mais comum é a falta de preparação. É vital conhecer os objetivos, as necessidades e os limites — tanto os teus como os da outra parte. Quem entra numa negociação sem estar bem informado ou sem saber até onde pode ceder, corre o risco de não conseguir os melhores resultados.

Mais do que dominar números e factos, é essencial entender as motivações da outra parte e a empatia desempenha um papel crucial. Saber ouvir e compreender os objetivos do outro facilita a adaptação da estratégia, permitindo encontrar soluções que beneficiem ambos os lados.

Aqui entra o princípio da reciprocidade: para conseguires o que queres, tens de estar disposto a oferecer algo em troca. Não há atalhos. Se entrares numa negociação preparado para oferecer valor, com ética, sem comprometer a integridade de ninguém estarás mais perto de obter aquilo que desejas.

Uma negociação com respeito gera confiança, e a confiança é a base de qualquer relação sólida e abre portas para futuras oportunidades. A vida pode não ser uma constante negociação, mas as relações que construímos são.

Nem todas as negociações resultarão como planeado, e, como dizem os espanhóis, “no pasa nada”. Saber recuar ou aceitar que nem tudo é negociável é uma qualidade de um negociador experiente. Ao manter a calma e o foco, tomamos decisões mais ponderadas e estratégicas.

A vida nem sempre é uma negociação. Existem áreas e limites que não podem ser negociados. Contudo, nas situações em que há espaço para o diálogo, o sucesso reside em ouvir, respeitar e estar preparado.

Não ter medo não significa ser destemido ou imprudente. Não ceder ao medo torna-nos mais eficazes, mas exige preparação. Ser confiante requer prevenção e consciência das consequências. Por isso, enfia o #asg$%%brão do medo onde ele não possa sair e mantém-te preparado para abrir uma conversa. Este capital de confiança transforma-nos em profissionais mais seguros, servindo melhor a nossa empresa e os nossos clientes. E tu, estás pronto para negociar?

  • Marlene Gaspar
  • Diretora-Geral da LLYC

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