Portugal mais vs. Portugal menos: o nosso fado
O «Portugal mais» (ou a mais) que queremos tem diante de si o «Portugal menos» e terá de o vencer. É uma luta que se afigura desigual.
Como é sabido, o XXII Governo Constitucional colocou à discussão pública em Novembro de 2021 uma versão preliminar longa daquele que deverá ser, em formato condensado, o Acordo de Parceria Portugal 2030 a apresentar à Comissão Europeia. Este visa estabelecer a orientação estratégica de Portugal quanto à programação e às modalidades para a utilização dos fundos da política de coesão. Espera-se que a apresentação não tarde muito depois da tomada de posse do XXIII Governo e a circunstância de o Partido Socialista contar agora com uma maioria absoluta no Parlamento poderá contribuir para agilizar esse processo.
A Estratégia Portugal 2030, que também enquadra o PRR, subjaz-lhe e a versão conhecida do Acordo contempla objectivos estratégicos que têm como leitmotif a palavra «mais»: Portugal mais competitivo e mais inteligente; Portugal mais verde; Portugal mais Conectado; Portugal mais Social e Inclusivo; Portugal territorialmente mais coeso e mais próximo dos cidadãos. Ninguém negará a importância dos objectivos nem a ambição que a palavra reiterada encerra porque o país precisa mesmo de ser mais isso tudo.
Subtraindo uma pequena letra à palavra, um simples «i», podemos adicionar um elemento dubitativo à enunciação governativa: Portugal mais competitivo e mais inteligente, mas…; Portugal mais verde, mas…; Portugal mais Conectado, mas…; Portugal mais Social e Inclusivo, mas… ; Portugal territorialmente mais coeso e próximo dos cidadãos, mas… e encerrar nessa letra a menos a preocupação a mais que se avoluma à medida que vamos revisitando aquilo que foram as últimas décadas do país no plano económico e financeiro e as suas repercussões sociais.
O «Portugal mais» (ou a mais) que queremos tem diante de si o «Portugal menos» e terá de o vencer. É uma luta que se afigura desigual porque o elemento subtractor tem preponderado – somos menos, menos instruídos, menos produtivos, menos competitivos, temos crescido menos do que poderíamos – e é o próprio documento quem nos recorda alguns desses nossos défices: menos especialização, menos tecnologia, menos intensidade de conhecimento, menos dimensão competitiva das empresas, menos sofisticação nos modelos de negócio, menos notoriedade internacional de produtos e serviços, menos aposta na criação de marcas nacionais, menos diversificação de mercados, menos valorização do conhecimento produzido, menos investimento em I&D e menos cooperação entre os actores do Sistema Nacional de I&I e destes com as empresas, menos ajustamento das competências, menos cobertura territorial de infraestruturas de apoio à competitividade, incluindo as de ligação digital. É caso para dizer que são menos a mais.
Os objectivos estratégicos traçados e os fundos à disposição de Portugal procurarão inverter este estado de coisas que é, nada mais, nada menos, o Estado a que chegámos, nas palavras sempre oportunas de Salgueiro Maia. Caberá a todos os intervenientes neste processo fazer mais para que o menos não prevaleça e se sobreponha às oportunidades que se abrem e ao financiamento que aflui.
A tudo isto não é isenta a luta interior e colectiva contra um certo fatalismo e alguma resignação que parece que se nos colam à pele como a maresia. Essa pretensa sina ainda tolhe e paralisa, mas há empresas, empresários e trabalhadores que todos os dias a contrariam, trilhando outros caminhos e procurando definir, com empenho, criatividade e energia, o seu próprio destino num cenário de especial dificuldade. E do mesmo modo, quotidianamente, o Estado e muitos dos seus funcionários, reconhecendo as dificuldades que ainda subsistem no seu seio e que tolhem a agilidade e flexibilidade de todos, dão o seu melhor para que o «Portugal mais» desejado seja uma realidade e menos um fado de fim triste.
Dir-se-á que a música agora é outra e que este «Portugal mais», alavancado na afluência, tem novas condições para ser entoado com mais convicção e dar mais resultado do que as múltiplas “últimas oportunidades” antecedentes. Menos optimista, O Fado de cada um de Silva Tavares começa por uma condenação – «Fado é sorte | e do berço até à morte | ninguém foge, por mais forte | ao destino que Deus dá» – e apesar de uma leve esperança – «Que bom seria, poder um dia, trocar-se o fado | Por outro fado qualquer» – resigna-se à aparente inevitabilidade. Há quem veja Portugal assim e não lhe antecipe outro futuro.
Talvez a resposta passe pela troca daquele fado por parte de um de Ana Moura «Cada dia é um bico d’obra | Uma carga de trabalhos, faz-nos falta renovar | Baterias». É certo que essa renovação não se fará com dias «dias de folga» como preconiza a canção, mas poderá fazer-se com trabalho e o uso inteligente, criativo e reprodutivo dos múltiplos «mais» – financeiros e não financeiros – que poderão alavancá-la. Mais do mesmo é que não.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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