PRR: Consorciai-vos e recuperai
A melhor cooperação é aquela que assenta em pressupostos bem estabelecidos, em propósitos claros e em regras de convivência transparentes. Não basta assinar um papel e agir.
A reacção europeia à pandemia deu novo significado a conceitos antigos – como o da resiliência – e novo fôlego a instrumentos jurídicos conhecidos – como o consórcio. Veja-se o modo como estes foram suscitados pelas agendas mobilizadoras e as agendas verdes para a inovação empresarial previstas na Componente 5 – Capitalização e Inovação Empresarial – do Plano de Recuperação e Resiliência. No que toca aos consórcios, permanece válido o mandamento divino inscrito no livro do Génesis: «Crescei e multiplicai-vos». O seu crescimento foi rápido e a sua multiplicação assinalável como resposta ao desafio, expresso no PRR, de «acelerar a transformação estrutural da economia portuguesa, melhorando o seu perfil de especialização».
Os projectos colaborativos estão e estarão na ordem do dia e com eles a consorciação. Quem já se “consorciou” na sua vida privada sabe que a definição dos termos dos relacionamentos nem sempre é clara e que as partes muitas vezes se desentendem por terem expectativas, ou partirem de perspectivas, muito diferentes. Nas revistas cor-de-rosa reina mesmo a alergia pueril “ao papel”, preferindo-se os relacionamentos informais apenas assentes na durabilidade eterna dos sentimentos das partes… enquanto estes durarem. As actividades económicas precisam de (muito) mais certezas.
Uma tradução, tão apressada e literal quanto teleologicamente optimista, de joint venture poderia ser “ventura conjunta”. É um facto que os integrantes dos consórcios desejam que os seus empreendimentos comuns se traduzam em boas venturas, mas nem sempre é assim. Há circunstâncias adversas em que as suas solidezes são postas à prova e outras em que as responsabilidades nos seus seios têm de ser apuradas e atribuídas. Dito de outra forma, consorciar-se pode ser muito bom, mas não basta.
Diz o povo, mais uma vez a propósito de “consórcios” de outra natureza, «Antes que cases, vê o que fazes; que não é nó que desates». O povo – infinitamente mais sábio que o Direito Civil – compreendeu a necessidade de reflexão e de precaução antes da ligação de destinos pessoais e também que estas uniões, mesmo que desfeitas à espada em modo Alexandre Magno, nunca o são completamente. Tratam-se de nós mais resistentes que o Górdio porque deixam liames mesmo depois de cortados. Goste-se ou não. Nos consórcios, os divórcios também se arriscam a não ser indolores.
No que respeita a estes, a melhor cooperação é aquela que assenta em pressupostos bem estabelecidos, em propósitos claros e em regras de convivência transparentes. Não basta assinar um papel e agir, é preciso saber o que se assina e prever adequadamente os termos em que se prossegue o objecto comum.
Assimilada a fase genesíaca do «Crescei e multiplicai-vos», estamos agora sobretudo sobre a égide do apelo «Consorciai-vos e recuperai». Para isso, são precisos bons consórcios. Tendem a dar melhores frutos e a distribui-los com mais equidade. O PRR quer que sejam «sólidos e estruturantes». Para que o sejam externamente terão antes de o ser internamente.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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