Sobre risco, inovação e o “sempre fizemos assim”

  • José Pedro Marques da Silva
  • 12:32

Quando arriscamos e inovamos, de forma informada e consciente da gestão do risco e mudança a fazer, ou aprendemos, ou aprendemos… e isso parece-me mesmo que é ganhar, de qualquer uma das formas.

Quando se trata de inovar e fazer as coisas de forma diferente, uma verdadeira luta interna começa na alma de um gestor. Tudo começa naquela — sim, essa mesma — reunião anual. Horas e horas com o ar condicionado quente ou frio demais. A discutir o orçamento para o ano seguinte. Isso deveria ser fácil! Divide o orçamento de acordo com as metas e visão estratégica da empresa, certo? Não? Nem sempre chega para tudo, há sempre demasiados problemas, mas… acima de tudo há histórico.

Há metas que são comuns a todos os projetos: ser mais eficaz, mais eficiente e inovador. Para chegar lá, não é incomum ouvir: “precisamos mudar!”, “precisamos fazer isso de maneira diferente e melhor”. Por esta altura, estamos a anuir entusiasticamente. No entanto, quando chega o momento de tomar aquela decisão difícil, o resultado muitas vezes pode muitas vezes ser diferente do que esperávamos…

Leva muito tempo e esforço (ou teimosia, se preferirem) para conseguir repensar-se o investimento e redistribuí-lo um canal para outro. Imaginemos isto… um dos elementos da nossa equipa chega até nós e propõe: “não vamos investir em TV a partir de este ano. Deixa de ser um touchpoint para as nossas campanhas” — pode parecer um cenário distópico em algumas realidades, mas permitam-me que o mantenha por mais umas frases. Havemos de ter uma de duas reações: gargalhadas ou pânico. Que passam, não se preocupem, mas a verdade é que quando há um histórico infindável de manutenção de estratégias, de canais, de plataformas de comunicação, a mudança levanta questões. Idealmente, depois de uma das duas reações virão as perguntas chave: “não é arriscado demais?”, “porquê?”. E aqui está o fator-chave: risco.

Há três situações em que tomar uma decisão estrutural de mudança é difícil:

  1. Os resultados da empresa estão estáveis em relação ao período anterior (a âncora mais comum para muitas pessoas) e esse cenário pode alterar-se se mudarmos algo.
  2. Os resultados da empresa estão a evoluir positivamente e eu não mudei nada.
  3. Os resultados da empresa estão em declínio e, se eu mudar agora, eles podem piorar ainda mais.

Em resumo, todas.

Primeiramente, porque temos de gerir o risco. Cada pessoa e organização tem seu próprio equilíbrio entre propensão e aversão ao risco. No entanto, é essencial considerar que, apesar da probabilidade do sucesso ser menor, o retorno das ações que envolvem maior risco é frequentemente maior.

Progress always involves risk; you can’t steal second base and keep your foot on first” Frederick B. Wilcox

Então, vamos reformular cada um dos cenários acima:

  1. Os resultados da empresa estão estáveis em relação ao período anterior (a âncora mais comum para muitas pessoas) e esse cenário pode alterar-se se mudarmos algo. Mas e se eles superarem o histórico?
  2. Os resultados da empresa estão a evoluir positivamente e eu não mudei nada. Mas e se eles crescerem ainda mais?
  3. Os resultados da empresa estão em declínio e, se eu mudar agora, eles podem piorar ainda mais s. Mas e se for exatamente isso o que é necessário para reverte a situação?

Como se a incerteza e o medo por si só não fossem um bloqueio eficaz, há um lugar comum que é altamente confortável: “sempre fizemos assim”, que é frequentemente evocado para autoproteção do decisor, e para terminar a conversa da ‘loucura da disrupção’.

Mas há mais sobre isto. Quando se começa algo novo dentro de um negócio, um dos pasos mais importantes é medir o retorno. Testes A/B, grupos de controlo, baselines são sempre chamados para esse momento. No entanto, geralmente, o fenómeno do “Sempre Fizemos Assim” vem com o “Sempre Fizemos Assim, Portanto Nunca Medimos Isso”. Ou seja, além de lidar com a aversão ao risco, quando confrontado com os resultados de uma determinada campanha, ativação de marca ou outras iniciativas que têm o potencial de serem diferentes e disruptivas, não há nada com que possamos compará-los.

O atraso do Marketing Intelligence, do data-driven marketing nas empresas, facilmente leva a uma política de gestão baseada no medo da inovação, no medo de fazer as coisas de maneira diferente.

Não vamos dizer que os grandes decisores e líderes são inconsequentes ou mais desprendidos do que os outros. Também eles temerão a mudança — talvez até mais do que os outros. Mas disponibilizam-se a geri-la — e destacam-se por aí. Eles vão a fundo, analisam e investem muito tempo a analisar o contexto, o consumidor e a organização antes de implementar, para que, antes de ir, saibam como ajustar agulhas ao longo do caminho, sempre que necessário. Numa análise SWOT, procuram transformar ameaças em oportunidades.

Portanto, não ao medo da mudança. Sim, à mudança do medo. Não à mudança, pela mudança. Sim à mudança informada. (Só para deixar claro: não acredito que a solução seja boicotar os media tradicionais — pouquíssimos canais geram um nível de awareness tão interessante em tão pouco tempo, como TV).

As mudanças não precisam ser rápidas e abruptas. Precisamos de testar novos caminhos. Testar e medir o ROI de cada um dos caminhos já utilizados. Precisamos de comparar. Precisamos de arriscar. Sempre com base no que conhecemos do nosso target, do nosso consumidor, dos verdadeiros insights que nos dão pistas de onde podemos ser mais relevantes. Precisamos de poder errar, para recolher dados sobre que caminhos não voltar a escolher. Precisamos de reservar uma parte do orçamento anual para aqueles que têm a coragem e a capacidade de experimentar e, com base nos resultados, influenciar o restante da empresa a questionar o status quo. Num mundo onde todos tentam berrar, quem falar de forma diferente vai conquistar espaço, e para isso, há que surpreender.

Se não o fizermos (o que é uma opção), ficaremos estagnados. Aqueles métodos que ontem nos trouxeram grande visibilidade, hoje são menos eficazes. Amanhã, ainda menos, o que levará as marcas a um ponto onde não poderão mais mudar (estou a exagerar… elas podem, mas será muito mais caro e difícil de fazer).

Então, quando arriscamos e inovamos, de forma informada e consciente da gestão do risco e mudança a fazer, ou aprendemos, ou aprendemos… e isso parece-me mesmo que é ganhar, de qualquer uma das formas.

  • José Pedro Marques da Silva
  • Coordenador de desenvolvimento de marcas e mercado da Lactogal

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