Somos todos invejosos

  • Marcelo Lourenço
  • 14 Fevereiro 2025

"Todos os sentimentos humanos são válidos. Menos a inveja, que é uma total perda de tempo.” O que é um belo pensamento para começar o ano, e se possível, perdemos todos menos tempo em 2025.

A inveja é uma treta, mas, pelo menos, é democrática. Toda a gente sente inveja, até quem tem tudo. Como o ator Matt Damon. O sujeito que ganhou, aos 27 anos, um Óscar de melhor argumento original pelo filme “Good Will Hunting”. Famoso, talentoso, rico, o homem é ninguém menos que o Jason Bourne do cinema. É para poucos.

Numa entrevista no The Off Camera Show, o senhor Damon recorda quando era um jovem ator, a lutar pela vida e a fazer casting atrás de casting em Hollywood. Um desses castings foi para “Clube dos Poetas Mortos”. A entrevista correu tão bem que ele tinha certeza de que iria ficar com o papel.

Mas não ficou: o papel foi para o ator Ethan Hawke, que fez o filme e virou uma estrela do cinema. Matt Damon, por sua vez, continuou pobre e desconhecido, foi trabalhar num cinema local, a vender os bilhetes, e passou o verão inteiro a ver as pessoas a saírem debulhadas em lágrimas, porque, dizia Damon, haviam acabado de assistir a um filme maravilhoso: nada mais, nada menos que “Clube dos Poetas Mortos.” O que fez Damon pensar: eu aqui limpando as pipocas do chão do cinema e o Ethan Hawke a ser indicado ao Óscar de melhor ator – por um filme que eu poderia ter feito.

Que inveja.

Mas Ethan Hawke que, na visão de Matt Damon, tinha tudo, também sentia inveja.

Numa entrevista ao site KGSM MediaCache, Ethan conta como começou a sua carreira aos 13 anos, num pequeno filme chamado “Explorers”, atuando ao lado de outro ator infantil: River Phoenix. Ethan Hawke diz que ficou impressionado com o talento de Phoenix e pensou logo: “Este sujeito vai longe.” E realmente foi: River Phoenix começou a fazer sucesso, brilhou em “Stand by Me”, foi a estrela de “My Own Private Idaho” e foi selecionado para interpretar o jovem Indiana Jones em “Indiana Jones e a Última Cruzada”. Ethan Hawke, numa sinceridade chocante para uma celebridade, diz que o sucesso de River Phoenix lhe causava “dor física”.

Mesmo sabendo do talento do rival, mesmo sabendo que River Phoenix merecia todo aquele sucesso, a inveja corroía o jovem Ethan Hawke.

Matt Damon sentia inveja de Ethan Hawke.

Ethan Hawke sentia inveja de River Phoenix.

E de quem sentia inveja River Phoenix?

Filho de um casal de artistas amadores, de classe média baixa, desde o começo da carreira (o seu primeiro filme foi aos 14 anos) River Phoenix foi apontado por toda a gente em Hollywood como a grande promessa do cinema americano.

Mas o rapaz adorava mesmo era tocar guitarra e tinha a secreta ambição de ser um músico a sério. Um artista a sério.

Nas filmagens de “My Own Private Idaho”, conheceu Flea, o baixista dos Red Hot Chili Peppers, um músico de verdade e, dizem, um virtuoso do baixo. Acho os Red Hot a banda mais chatas do planeta, por isso não posso atestar essa afirmação.

E River Phoenix, o jovem ator mais invejado da sua geração, sentiu inveja de Flea – o baixista da banda mais chata do planeta.

Segundo o “Final 24”, um programa do Discovery Channel, quando Flea convidou River Phoenix para tocar com os Red Hot Chili Peppers numa apresentação no Viper Room (o famoso bar de Johnny Depp), ele aceitou na hora. Passou dias a convidar a família e os amigos para assistir a apresentação.

Chega o grande dia e, meia hora antes do espetáculo, ninguém sabe o porquê, a banda voltou atrás e o desconvidou para subir ao palco. O golpe no coração do jovem River Phoenix foi demais. Destroçado, foi à casa de banho da casa noturna, curtir a fossa. E lá, como deve acontecer com todas as celebridades em todas as casas de banho de Los Angeles, alguém lhe ofereceu droga. Uma mistura explosiva de cocaína com barbitúricos. River Phoenix, deprimido, esqueceu-se do fato de estar a lutar contra a adição e de estar abstémio há mais de um ano — e aceitou. A coisa correu mal, e River Phoenix entrou em overdose. Minutos depois, estava a morrer na calçada, nos braços do seu irmão de 19 anos, Joaquin Phoenix.

O ator de quem toda a gente tinha inveja, afinal tinha inveja do estúpido do Flea.

E isso foi fatal.

Ainda na entrevista da KGSM MediaCache, Ethan Hawke reflete sobre a morte de River Phoenix e conta como ficou arrasado. E surpreso, ao descobrir que o desaparecimento do grande ator da sua geração não lhe trouxe mais papéis, não tornou a sua vida mais fácil, não o fez mais feliz.

Só deixou o mundo pior.

Todos sentimos inveja de alguém, queremos mais, achamos que a relva do vizinho é mais verde. E o vizinho sente inveja de alguém que tem, o que deveria ser dele. E isso continua, numa corrente que não tem mais fim.

Ethan Hawke diz o que aprendeu com tudo isso, e repete o conselho que a sua mãe lhe deu: “Todos os sentimentos humanos são válidos. Menos a inveja, que é uma total perda de tempo.”

O que é um belo pensamento para começar o ano, e se possível, perdemos todos menos tempo em 2025.

  • Marcelo Lourenço
  • Co-fundador da Coming Soon Lisboa

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