Temos mesmo que escolher entre construir marca e vender?

  • Rui Borges
  • 19 Abril 2024

É possível conseguir uma campanha que construa marca e que venda muito. Terá de ser uma campanha de construção de marca com um target muito alargado e com uma mensagem emocional.

É muito comum as marcas – e as agências – dividirem as campanhas em dois tipos: campanhas de construção de marca que servem para isso mesmo – construir marca – e campanhas de ativação que servem para vender. As duas coisas ao mesmo tempo é impossível. Apesar de ser uma maneira prática de ver o mundo (e de distribuir trabalho entre equipas) esta visão do mundo pode prejudicar grandemente os resultados. Principalmente, quando os budgets encolhem e o dinheiro é – erradamente – desviado para performance quando deveria ser exatamente o contrário.

Agora que chegou aqui temos dois caminhos. O primeiro caminho é simples: sim, é possível uma campanha ser eficaz a trabalhar posicionamento de marca e vendas ao mesmo tempo. Mas para isso tem que se apostar tudo em construção de marca, esquecer qualquer elemento de performance (principalmente uma forte segmentação) e apostar em conteúdos emocionais.

O segundo caminho é um pouco mais longo e começa agora.

Faz dez anos que Les Binet e Peter Field publicaram o “The long and the short of it”, um livro recheado de insights valiosos sobre como funciona a publicidade. Os dois autores analisaram quase mil case studies, fruto de 30 anos de dados dos prémios eficácia da britânica IPA (Institute of Practitioners in Advertising). A principal conclusão a que chegaram é que a publicidade trabalha a duas velocidades: a primeira a curto prazo, a que chamaram “ativação” (de vendas), e a segunda a longo prazo, a que chamaram “construção de marca”.

De acordo com Les Binet, “construção de marca são atividades que criem e mantenham estruturas de memória com um efeito duradouro no comportamento do consumidor”. Por outro lado, “ativação significa ativar estruturas de memória que tenham como resultado uma resposta imediata por parte do consumidor”.

De uma forma muito simplificada, construção de marca é isto e ativação de vendas é isto.
Apesar de serem complementares, a construção de marca e ativação de vendas têm resultados, e formas de lá chegar, muito diferentes.

Resultados

Começando pelos resultados. A ativação tem efeitos imediatos mas de curta duração, enquanto que a construção de marca tem menores efeitos a curto prazo mas que se mantêm durante mais tempo.

Segmentação

Se queremos uma resposta imediata (ativação), temos que nos concentrar nas pessoas com maior probabilidade de comprar já. Ou seja, pessoas que “estejam no mercado”, disponíveis para comprar. Como as pessoas disponíveis para comprar no momento são sempre uma pequena fração do mercado potencial, a segmentação tem de ser muito apertada e rigorosa para termos sucesso.

Por outro lado, se queremos criar memórias de longo prazo (construção de marca), então a audiência passa a ser qualquer pessoa que poderá comprar no próximo ano ou ainda mais à frente. Neste caso, fazer uma segmentação muito apertada é um erro, pois queremos chegar ao maior número possível de pessoas.

Conteúdo

As implicações para o conteúdo também são grandes. As pessoas que estão prontas para comprar querem informação sobre os produtos (coisas como preço e funcionalidades) e querem uma experiência de compra simples e rápida. Mas a maioria das pessoas não está no mercado e não quer saber detalhes do produto.

Por causa disso, os conteúdos de ativação têm de ser informativos, úteis e racionais enquanto que os conteúdos de construção de marca têm que ser essencialmente emocionais, para que consigam criar estruturas de memória associadas à marca.

Para mais detalhe ver resposta às questões número um: “Para uma campanha funcionar bem, primeiro temos de captar a atenção das pessoas.” e número dois: “Quanto mais caro ou complicado o produto, mais as pessoas ponderam a sua compra.” Isso não quer dizer que emoção não funcione num anúncio de ativação e que não possamos informar num anúncio de construção de marca. Quer apenas dizer que esses não são os principais elementos em causa se queremos aumentar a probabilidade de termos eficácia.

Regra de ouro

E a análise aos quase mil case studies da IPA aponta para uma regra de ouro que maximiza a eficácia: 60% do budget em construção de marca e 40% em ativação. Ou seja, para conseguirem maximizar as suas vendas, os marketeers devem investir – em média – 60% do seu budget em construção de marca e 40% em ativação de vendas. Os 60/40 são uma média que resulta da análise dos dados, mas que varia consoante o setor e o contexto, entre outros fatores. Na banca, por exemplo, a proporção é de 80% para investimento em marca e 20% em ativação. Isto porque há poucas pessoas prontas a mudar de banco no dia-a-dia e por isso é mais eficaz trabalhar memórias de estrutura para quando as pessoas estiverem prontas para comprar do que investir em ativação.

Campanhas “dois em um”

Com a construção de marca e a ativação de vendas a funcionarem em escalas de tempo diferentes, com elementos e táticas criativas diferentes e com uma forma de as avaliar também diferente é legítimo chegar à conclusão de que dificilmente uma única campanha possa fazer bem os dois trabalhos.

É claro que uma boa campanha de ativação terá sempre efeitos em termos de marca e uma boa campanha de construção de marca terá sempre efeitos nas vendas, embora residuais. Se estamos a falar de eficácia, o melhor é mesmo usar campanhas diferentes para atingir objetivos diferentes. Os dados também apontam para isso: em média, as campanhas que tentam fazer as duas coisas são menos eficazes do que as que só apostam numa das estratégias.

Plot twist

Mas, dez anos depois da publicação do “The long and the short of it”, e com base no trabalho da System 1 e da sua base de dados de quase dois mil anúncios em vídeo, percebemos que a menor eficácia das campanhas “dois em um” é devida ao lado de ativação. Ou seja, as campanhas de ativação de vendas são más a construir marca mas as boas campanhas de construção de marca também podem ser muito boas a gerar vendas. Mark Ritson, o professor de marketing explica tudo muito bem aqui.

Vamos por partes. A System 1 é uma empresa que tenta isolar uma série de características dos anúncios para prever a sua capacidade de gerar vendas a curto prazo (ativação). Faz isso através de um indicador que chama “spike rating”. Avalia também a capacidade para gerar vendas a longo prazo (construção de marca) com o indicador “star rating”. Se quer saber mais sobre como funciona, veja aqui.

O que nos deixa perceber é que as campanhas com um “spike rating” superior à média têm uma probabilidade maior de ter um “star rating” muito baixo. Ou seja, as boas campanhas de ativação são campanhas más para construção de marca. Até aqui nada de novo.

Mas, o Plot Twist acontece quando olhamos para as campanhas que são muito boas a construir marca, ou seja, campanhas às quais a System 1 atribuiu um “star rating” (capacidade de construção de marca a longo prazo) de cinco ou mais (o máximo é 5,9). O que os dados mostram é que essas campanhas também são boas a ativar vendas de forma imediata uma vez que têm um “spike rating” também superior à média.

É importante notar que os resultados trazidos à luz pela System 1 em nada contradizem a influente publicação de Les Binet e Peter Field. Em média, as campanhas “dois em um” funcionam pior do que as campanhas que apenas pretendem ativar vendas ou construir marca. Mas agora sabemos que a “culpa” está do lado da ativação de vendas.

Por isso, sim. É possível conseguir uma campanha que construa marca e que venda muito. A única coisa a reter é que terá de ser uma campanha de construção de marca com um target muito alargado e com uma mensagem emocional.

 

 

[para saber mais]
The long and the short of it”, Les Binet e Peter Field
Effectiveness in Context”, Les Binet e Peter Field
Look out”, Orlando Wood
https://ipa.co.uk/knowledge/publications-reports/look-out/

 

 

  • Rui Borges
  • CEO da Plot

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