Uma questão de ADN

  • Pedro Pimentel
  • 15 Março 2024

O que aconteceu no ato eleitoral de domingo, fará mais pela perceção do problema levantado pelos look-a-likes do que dezenas de textos ou de apresentações que se possam fazer sobre o assunto.

Acabamos de sair de uma agitada noite eleitoral, plena de enganos, de desenganos e de muitas, muitas contas. Uma noite com uma indesmentível boa notícia, relacionada com a significativa redução dos níveis de abstenção e com mais quase 800 mil votos do que em 2022.

Uma noite em que, face aos resultados de janeiro de 2022, há inequívocos perdedores e ganhadores, mas em que, olhando para um horizonte temporal mais curto e para as expectativas geradas pelas sondagens, temos perdedores que superaram os resultados esperados e vencedores que ficaram bem aquém do que esperavam que os portugueses decidissem nas mesas de voto. Temos um País dividido a meio e profundamente entrincheirado.

Contudo, um dos principais factos políticos da noite, prende-se com a inusitada votação na ADN.

Surpreenderam todos, os inacreditáveis 100 mil votos conquistados pela ADN, partido que em 2022 obteve uns estonteantes 11 mil votos e que beneficiando, reconhecidamente, da confusão de muitos eleitores, terá ‘roubado’, por força da Lei de Hondt, quatro a cinco deputados à AD.

O erro, por definição, tem uma forte dispersão, porque aquele número de votos, se apenas concentrados em dois ou três distritos mais populosos ou se houvesse um Círculo de Compensação, como existe por exemplo nos Açores, teria conduzido à eleição de deputados.

Há poucas semanas, escrevi – para um espaço de opinião da Centromarca – um texto que intitulei de “Look-a-Likes: manipulando o subconsciente do consumidor”, no qual referia que “há múltiplas evidências que permitem concluir que embalagens semelhantes levam os consumidores a fazer compras erradas e geram a perceção de que a cópia vem da mesma empresa ou tem a mesma qualidade e reputação que o produto original”.

E acrescentava que “estes produtos (…) tentam obter uma vantagem desleal face aos seus competidores mais fortes, cavalgando os seus aspetos distintivos e, dessa forma, levando o consumidor a comprar o mesmo por confusão ou associação com o produto ou a marca de referência”, sendo que “os designs de embalagens que imitam os de marcas conhecidas retiram, na verdade, uma vantagem injusta em relação ao produto original, prejudicando-lhes a sua distinção e as respetivas vendas, tornando-se, portanto, aquilo que designamos como look-a-likes ou cópias parasitárias” e que a apresentação lado a lado ajuda a ilustrar as semelhanças indevidas entre produtos”.

Provavelmente, o que aconteceu no ato eleitoral de domingo, fará mais pela perceção do problema levantado pelos look-a-likes do que dezenas de textos ou de apresentações que se possam fazer sobre o assunto.

Em boa verdade, é discutível quem é que efetivamente copiou quem… quando a ADN já concorreu ao último ato eleitoral com essa designação e acrónimo, enquanto PSD e CDS resolveram, há dois meses, repescar uma designação ‘inventada’ em 1979 (há 45 anos!!!) e, por causa disso, ser obrigados a repescar uma força partidária – o PPM – que terá acrescentado zero ao seu esforço eleitoral.

Em boa verdade também, deveria ter sido a máquina da Aliança Democrática a ter a perceção e a iniciativa de verificar que aquela confusão se iria criar e a tomar medidas para evitar que os seus votantes colocassem a sua cruz no boletim de voto, por confusão, num outro partido.

É ainda verdade que, por iniciativa de opositores, certamente, circularam muitas imagens nas redes sociais em que colocavam o acrónimo ADN por trás dos candidatos da AD, o que terá ajudado a fomentar a confusão.

Terão sido noventa mil os portugueses que, foram ‘levados’ a votar num partido que não aquele em que pretendiam votar. Terão sido muitos mais aqueles que não o fizeram, porque apesar de levados a tal, ainda assim foram verificar se estariam a votar no partido certo.

No cenário atual, aqueles quatro ou cinco deputados, não alterariam demasiado a configuração parlamentar, mas permitiriam, por exemplo, que AD + IL somassem mais deputados que PS e os restantes partidos à esquerda,

Os teóricos destes temas diriam que, quanto mais forte for uma marca e quanto mais notoriedade detiver, maior será a ‘tentação’ de a copiar e de obter vantagens desleais à custa dela, ou de uma forma mais simplista, ninguém copia o que é mau.

Por isso, como acontece no mercado, cabe aos respetivos detentores a proteção adequada das suas marcas, mas cabe também ao Estado a existência de instrumentos de reclamação que permitam que essa proteção seja eficiente e efetiva, a bem duma cultura de valorização das marcas (e das forças partidárias) e a bem de uma adequada proteção do consumidor (aqui nas vestes de votante).

  • Pedro Pimentel
  • Diretor-geral da Centromarca

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