“Mercado do Vinho do Porto e do Douro está a cair. Famílias não têm dinheiro”, diz administrador da Rozès
"Nunca tive tanta dificuldade em fazer um orçamento para o ano seguinte como agora", diz António Saraiva.
O administrador da Rozès, António Saraiva, admite estar “muito preocupado” com o impacto económico que a subida de preços e das taxas de juros possa ter no setor vitivinícola em 2024. Principalmente quando é preciso escoar o excedente de vinho deste ano e de 2022. “Neste momento, está tudo de tal maneira volátil que o mercado do Vinho do Porto e do vinho do Douro está a cair porque as famílias não têm dinheiro”, realça. E de tal forma que reconhece em declarações ao ECO/Local Online: “Nunca tive tanta dificuldade em fazer um orçamento para o ano seguinte como agora”.
“Nos outros anos percebíamos a tendência do mercado, e sabíamos quanto é que podíamos crescer em percentagem e conseguíamos programar investimentos”, frisa António Saraiva, que antecipa fechar este ano com um volume de negócios de nove milhões de euros. “As vendas de Vinho do Porto estão estáveis; vendemos 1,5 milhões de garrafas em 2022 e esperamos fechar 2023 com o mesmo valor.” Mas o vinho do Douro baixou dos 380 mil de 2022 para 330 mil este ano. “Há uma quebra geral das vendas do vinho DOP Douro no mercado nacional. As pessoas estão a consumir menos vinho e [quando consomem são] os mais baratos” face ao aumento da taxa de juro e à instabilidade económica.
Também as vendas de champanhe deverão cair na ordem dos 40% em 2023, avança. Por tudo isto, frisa, “2023 está a ser um ano diferente de tudo o que já se viveu. Depois da Covid-19 o mercado nacional de Vinho do Porto passou a ser o primeiro em valor e o segundo em volume. O ano de 2022 foi o melhor desde os últimos 12 anos com 9,2 milhões de euros de faturação (Vinho do Porto, vinho DOP e champanhe)”.
Por tudo isto, o empresário reconhece que não foi fácil fazer o orçamento da Rozès para 2024. “No orçamento para o próximo ano fiz uma previsão de manter os volumes deste ano e vou ter de aumentar preços porque vou aumentar salários”, explica ao ECO/Local Online. A Rozès tem 74 colaboradores e também distribui em Portugal o champanhe do Grupo Vranken Pommery Monopole – a empresa mãe que está cotada na bolsa.
“O que está a afetar o negócio é a subida de taxa de juros e, por consequência, as famílias não terem dinheiro para comprar vinho”, sublinha. Estas dificuldades são transversais a produtores e empresários. “O peso do endividamento vai ser multiplicado por cinco. Ou seja, se no ano passado paguei 100 mil euros à banca de juros, este ano vou pagar 500 mil euros”, ainda que a empresa tenha um capital de 15 milhões de euros, contabiliza o administrador da Rozès.
“Se o BCE não aumentar mais as taxas de juro, as coisas vão-se equilibrando”, defende. Caso contrário, o empresário acredita que se avizinham tempos ainda mais difíceis com o excedente de vinho. “A vindima foi muito abundante e obviamente os preços das uvas e do vinho vão cair. No ano passado acionei 52% das necessidades. Portanto, ainda há muito vinho para escoar de 2022 e deste ano”, destaca.
Neste momento, está tudo de tal maneira volátil que o mercado do Vinho do Porto e do vinho do Douro está a cair porque as famílias não têm dinheiro.
“Recebi as uvas todas dos viticultores, fiz mais vinho do que o ano passado e não sei o que vou fazer àquele vinho todo”, nota. Só este ano a Rozès produziu um milhão de litros de Vinho do Porto e 400 litros de vinho Do Douro. Ainda esta semana, o Instituto Nacional de Estatística (INE) antecipou uma produção na ordem dos 7,3 milhões de hectolitros de produção. Desde 2006 que Portugal não produzia tanto vinho.
A agravar a situação está a “Lei do Terço“, uma regra do setor que estabelece que um comerciante só pode, em cada ano, vender um terço dos vinhos que tem em stock. “Esta lei faz com que dois terços do nosso stock de Vinho do Porto esteja sempre imobilizado e, portanto, o peso do endividamento com dois terços do stock é brutal. A dívida de juros vai ser muito pesada”, frisa.
Perante a incerteza do comportamento do mercado, as preocupações aumentam com o excedente do vinho e risco do preço ter de baixar em 2024 a reboque da inflação, subida de taxas de juro e consequente menor poder de compra das famílias.
A este rol de inquietações com o mercado soma-se “a preocupação com os lavradores”, que viram os custos inflacionados na produção de uvas, e que deverá ficar aquém dos lucros até ao excesso de vinho produzido este ano, a que se soma o de 2022 que ficou nas pipas. “Estou preocupado com os lavradores que tiveram aumento de custos com materiais, fertilizantes e gasóleo e que, no final do ano, fazem as contas do dinheiro que vão receber das uvas e o saldo que não vai ser bom”, destaca.
Por enquanto, realça, “o turismo é que está a aguentar a nossa economia” e ainda assim, também aqui há menos dinheiro segundo informações que tem tido junto da restauração e hotelaria.
A exportação de Vinho do Porto representa 83% e do DOP Douro 7% nas contas da empresa, que tem a França como principal mercado — país onde se localiza a sede da empresa mãe –, a que se seguem Portugal, Bélgica, Dinamarca e Alemanha. A Rozès produz e comercializa vinhos do Porto sob as marcas Rozès, São Pedro das Águias e Quinta do Grifo e do Douro.
Para 2024 não estão previstos investimentos depois da Rozès ter gasto meio milhão de euros em cubas e maquinaria de produção durante 2023.
Face à incerteza do mercado e à necessidade de promover a marca, a equipa de enologia da Rozès — Manuel Henrique Silva, Luciano Madureira e Jorgina Quintela — está a lançar novas referências no mercado: a 350 euros o DOP Porto Dom Rozès 50 Anos, assim como o DOP Douro Terras do Grifo Grande Reserva Branco 2019 (34,50 euros) e DOP Douro Terras do Grifo Vinhas Velhas Tinto 2017 (69,90 euros).
É uma das empresas mais antigas da Região Demarcada do Douro, criada em 1855 por Ostende Rozès, então negociante de vinhos finos em Bordéus.
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